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Gloria Groove não estava brincando quando disse que Thiago Pantaleão saiu de Paracambi (município distante 86 km do Rio de Janeiro) para o mundo naquele “Música Boa – Ao Vivo” (Multishow), cujo vídeo deles cantando “Best Part”, dueto de Daniel Caesar e H.E.R., viralizou nas redes sociais. O globo em questão ainda não é estratosférico, mas “O Fim do Mundo” – álbum début do artista – agora chega em versão deluxe, com mais faixas. Um disclaimer: apesar de ele ter morado muito tempo nessa cidade, é natural de Vassouras, no interior do Rio, distante 123 km da capital.
“As versões acústicas são para mostrar um lado meu da voz. Vim muito na questão da dança, e sentimentos mais aflorados e de curtição. Quero mostrar algo que sempre me impactou: canto e técnica vocal”, destaca o jovem de 25 anos, que se descobriu na música como cantor da igreja evangélica desde cedo. “‘Disk’ ganhou versão mais ‘sensuellen’, porque gosto muito de funk. Sou quase integrante do Bonde das Maravilhas.”
No trabalho, quatro músicas que já estavam presentes no disco ganham novas roupagens: “Disk” e “Konoha” (feat. Lukinhas) chegam em remix funk para lá de dançante. O hit “Desculpa Por Eu Não Te Amar” se tornou mais melódico, na mesma pegada de “Tudo em Seu Lugar” – ambos acústicos. Esta última, inclusive, teve clipe inspirado no mood do vídeo “Untitled (How Does It Feel)”, de D’Angelo. “Surreal, artista maravilhoso de R&B dos anos 2000. Tenho muitas referências dessa época. Achei genial.”
A ideia de lançar o projeto estendido veio para celebrar a chegada do artista ao mercado do lado do selo Slap (Som Livre), cuja carreira iniciou em meados de 2020. “Feliz com o resultado do meu primeiro álbum, um diário sobre tudo aquilo que sentia, o que quero ou não viver. Sobre liberdade, porque durante muito tempo eu meio que não vivi”. Artista negro e LGBTQIAPN+, ele aborda sua bissexualidade de forma aberta nas canções.
Leia, abaixo, a íntegra do papo sobre carreira, sexualidade, assédio dos fãs e futuro na música. Scroll!
Harper’s Bazaar – Como é chegar nessa segunda parte do disco, sendo que a primeira já tinha ido muito bem, com show lotado, galera cantando suas músicas… E os próximos passos?
Thiago Pantaleão – Comecei muito recentemente, em 2020/21. Tenho dois anos (de estrada). Sai do interior, não tinha experiência nem com estúdio nem com nada porque, literalmente, tinha um celular e um sonho (risos). Tudo começou a acontecer, fui experimentando e me conhecendo durante a criação e o lançamento do álbum. Precisei desse amadurecimento para entender, também, para onde vou. Vão ter mais, eu, essencialmente. Sinto que tenho mais liberdade na hora de criar e de planejar qualquer estratégia porque tenho mais certeza. É um trabalho que você tem que estar em constante estudo, e precisa dessa experiência para ter a segurança. Tudo o que for lançado daqui para frente tem mais solidez.
Enquanto o pop feminino tem um leque de cantoras e um caminho mais pavimentado, no Brasil, como você sente que este espaço está sendo aberto para os homens, visto que até recentemente não se tinha esse nicho no mercado brasileiro?
Sinto uma responsabilidade, porque sempre consumi as divas pop. Muita gente não sabe, mas consumi rock alternativo e pop dos anos 1980 e 1990. Sempre fui fissurado por dança e, desde pequenininho, sempre quis ser o artista que entrega performance e tudo o que o pop pode entregar. Comecei aulas de dança para ficar mais profissional. Quero trazer algo novo para o mercado. Tem muitos artistas do pop nacional dos quais sou fã, mas quero fazer algo que me destaque na dança e na performance. Tudo o que puder fazer para expandir, vou fazer. É estudo, correr atrás, networking… Tenho sonhos mais distantes, como conhecer a Rihanna, porque tive estalo de ser artista depois de assistir “Umbrella”. Até hoje, é a minha meta. E outros, como cantar em premiações, lugares importantes e festivais.

Cena do clipe de “Tudo em Seu Lugar”, dirigido por DIO – Foto: Divulgação
Qual foi a coisa que você sentiu aquela sensação de “cheguei lá”, sabe?
O principal, para mim, foi poder estruturar melhor a vida da minha mãe e do meu pai (a artesã e faxineira Bianca e o caminhoneiro Ivan). Sempre acreditaram em mim. A gente não era de uma família rica, eles sempre trabalharam muito para conseguir ter o básico. Poder retribuir me dá muito orgulho. As coisas começaram a mudar quando a Marília Mendonça compartilhou minha música autoral.
Comecei a compor em 2020, não tem muito tempo, queria fazer algo que me destacasse e aproximasse da galera que se parece comigo. De identificação mesmo. A partir dali, foram só conquistas. Cantar com a Gloria Groove, também – uma artista da qual sou muito fã – viver disso, estar em contato com outros artistas que sempre vi de trás do computador e estar presencialmente com eles é uma das maiores conquistas. E pedir qualquer coisa no delivery. Melhor sensação!
E qual é o campeão do delivery?
Peço demais açaí, de uma marca meio fit, que vende barrinha com whey protein. Caraca, todo santo dia. Gosto muito de carne, também. Nossa, o app de delivery tira uma grana (risos). Sei cozinhar algumas coisas básicas, mas prefiro recorrer ao delivery porque fica mais gostoso.
Você falou sobre criação de comunidade, com o fato de as pessoas olharem para você e se identificarem. Você acha que isso tem a ver com o jeito que você escreve e fala abertamente sobre sexualidade na sua música?
Sempre fui verdadeiro, nunca consegui sustentar personagens. O Thiago pessoa (física) é um pouco mais reservado e quieto. Tenho minhas personas, alter egos, mas sou essencialmente quietinho, tímido e ‘pipipi-popopó’. Mas, se tiver que falar, eu falo também. Sou da Baixada (Fluminense), e a galera de lá tem poucos representantes na música ou na arte. Minha proximidade com a minha mãe, falando sobre sexualidade e tudo de uma forma muito natural, fez com que a galera se identificasse. Poder representar isso traz uma certa responsabilidade. É como se fosse uma família. Gratificante saber que tem uma comunidade. Tanto que, em show ou a galera que manda mensagem, sou carinhoso porque me vejo nessas pessoas.

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Qual é o teor das mensagens que você recebe, tem muito assédio por parte dos fãs?
Quem consome minhas músicas, por incrível que pareça, é o público feminino. Minha mãe, agora que virou influenciadora, fica respondendo as mensagens. E o que mais recebo é a galera que começa a se sentir bem depois de ouvir as músicas ou ver meus Stories. Ou não tinha muita perspectiva de futuro e decidiu começar a ir atrás do sonho. Quem se motiva através da minha história, músicas ou aquilo que compartilho. Uma troca gostosa!
Acha que os seus fãs cruzam um pouco a linha na hora da abordagem, seja nas redes sociais, seja nos shows e na vida real?
O fã coloca o artista em um pedestal. Tudo o que ele sente, é mais aflorado. Acho que é normal essa admiração e desejo da galera. Eu recebo muita (mensagem), não tenho problema desde que não ultrapasse limites. Mas não tenho problemas com as mensagens mais… [ele canta “I Believe I Can Fly”, de R. Kelly, passando a mão no cabelo de forma sexy]. Porque entendo que para aquela pessoa, eu represento talvez uma fantasia, alguma coisa. Mas recebo muitas mensagens do tipo: “opa, bom dia! Bom dia, vamos lá” (risos).

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Como você se apoderou da sua sexualidade?
Desde pequenininho, sempre fui uma criança muito sensível. E tinha uma mentalidade mais avançada do que a galera na minha idade (por volta de 2006, aos dez anos). Naquela época, entendi que, na cabeça das pessoas, era errado eu me atrair por meninos. Sempre fui do esporte, gostava de queimada, futebol, vôlei, e estava em contato com outros moleques. E a mesma paradinha que eu sentia pelas meninas, sentia pelos meninos. Já tinha muita ‘gastação’ (bullying), era uma coisa violenta.
Cresci na igreja evangélica, reprimi durante muito tempo algo que era natural para mim. Sempre tive questionamentos internos e, durante muito tempo, foi motivo de dor. Depois, entendi que precisava viver a realidade da forma que fosse melhor para mim. Até hoje é o meu lema: só quero viver minha vida, ser quem sou e, independentemente de tudo, vou correr atrás do meu. Importante saber quem sou – e amo. O que vem de fora não vai me atingir. No meu trabalho, tento trazer isso.
O que você tem de grandes coisas para o segundo semestre?
A gente vai evoluindo até ter um segundo álbum, talvez. E avançando nos shows, mais apresentações pontuais, como o São João da Thay (de Thaynara OG).
Segundo álbum, a gente pode esperar para esse ano ainda?
O álbum em si, já está com início de conceito amarrado, sei o estilo quero seguir, um pouco do visual. Antes disso, quero lançar singles explorando vários lugares. Isso vai acontecer primeiro, mas já estou no processo de composição e de produção, tem várias guias que amo e fico escutando. Saturo antes de lançar. Mas, quando você vê a galera cantando no show, pensa: é isso aí. Estou nesse processo de escutar muita coisa, estudar, sempre compondo, criando… Já tem coisa encaminhada, mas quero usar mais paradinhas diferentes para ver qual que é.