Edmar Pinto Costa posa na cadeira de Seu Fernando da Ilha do Ferro e, na parede, tela de Germana Monte-Mór – Foto: Ruy Teixeira

Por Orlando Margarito 

O hall recebe os visitantes com três paisagens interioranas quase abstratas do pintor paulista José Antônio da Silva. Mas o que mais chama atenção é uma boneca de madeira pintada pelo sergipano Véio, com nada menos que 2,30 metros de altura. A partir daí, tudo é superlativo nessa imersão na chamada arte popular, ou primitiva, ou ainda naif, conforme antigos rótulos, proporcionada pelo proprietário, o pesquisador e colecionador Edmar Pinto Costa. A começar pelo apartamento completamente renovado para abrigar a coleção de mais de 600 peças, em um ambiente onde foi possível definir com discrição as separações entre vida social e privada. Tudo é integrado e decorre da paixão do dono. “Eu queria conviver no dia a dia com o talento artístico que acredito ser o mais significativo do Brasil”, diz. “Até mais que Tarsila do Amaral ou Candido Portinari, e nada contra quem gosta e os coleciona.”

Esse oásis para quem aprecia a produção vinda dos rincões de todo o país está no bairro paulistano de Higienópolis, em um edifício discreto, mas de prestígio, idealizado pelo arquiteto Giancarlo Palanti (1906-1977). Coincidentemente, o arquiteto contratado por Pinto Costa é também um italiano radicado no Brasil, Federico Concilio, do Studio Gaibola. Ele concebeu os 370 metros quadrados como um universo homogêneo, em tons neutros de branco e cores pontuais, com o piso claro de resina de alta resistência dominando todo o imóvel. “Ter um espaço para a coleção e para morar foi o ponto de partida e o fio condutor de todo o processo”, explica Concilio. “Mas era importante não transformar o apartamento em uma galeria, por mais que haja essa função expositiva evidente.”

Nem as longas cortinas de tecido cru escaparam da exigência do morador de 38 anos, um sul-mato-grossense de Campo Grande, estabelecido na capital paulista desde 2010. Com tal cenário, objetos de decoração inexistem e os poucos móveis quase passam despercebidos na vastidão do living. Contudo, trata-se de um mobiliário com assinatura prestigiada, como os sofás Millôr, de Sérgio Rodrigues, e a cadeira Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha. Para não destoar da proposta original, esta última dialoga com uma cadeira vazada, em madeira bruta, do alagoano Fernando Rodrigues, o Seu Fernando da Ilha do Ferro. Uma mesa central e duas laterais, típicas do modernismo dos anos 1950, complementam o desejo minimalista. Embora o anfitrião receba poucas pessoas, apenas amigos íntimos, está sempre pronto para acolher grupos de entusiastas dessa vertente da arte ou meros curiosos. “O que mais me anima é dar visibilidade a esses artistas que já morreram ou seguem trabalhando no interior, fora do grande circuito de galerias e museus”, diz. Ainda no salão principal, um possível tour pode começar por dois dos xodós que todo colecionador tem e que, no caso de Edmar, são ainda mais especiais, já que ele possui o maior número de obras de ambas as artistas em mãos particulares. Do lado direito da janela, cinco dos 23 bordados da baiana Madalena Santos Reinbolt preenchem, com muitas cores, uma parede inteira. No lado oposto, a escultora Conceição dos Bugres ganhou uma extensa bancada só sua, onde estão dispostas 120 figuras de traços indígenas em madeira, que definem seu trabalho. A gaúcha, que se estabeleceu no Mato Grosso do Sul, influenciou a região e a formação de Edmar. “Enquanto no resto do país as crianças aprendiam a desenhar fazendo bandeirinhas eternizadas por Volpi, nós esculpíamos bugres em barras de sabão”, conta.

O interesse do filho de fazendeiros pela arte começou aí e se aprofundou nas aulas da artista e professora local Lucia Barbosa. Em 2012, comprou sua primeira peça, a cerâmica Maternidade, de Dona Irinéia, alagoana como a mãe de Edmar. A escultura convive com outras da mesma técnica em argila na estante de 13 metros de extensão, que acomoda a bibliografia especializada do colecionador, hoje uma referência. O ambiente serve também como escritório e funciona como ligação interna a cômodos, como uma sala de TV, o lavabo e a cozinha. O arquiteto explica que a ideia foi criar uma circulação fluida de 360 graus ao redor do núcleo central do prédio, sem lado B, mas com áreas de permanência e luminosidade ao longo do dia.

Tal resultado incluiu a supressão de dois dos quatro quartos, agora suítes. Estas seguem a regra geral e, na suíte que ocupa, Edmar reservou para a intimidade a contemplação de diversas estatuetas de aves e outros animais pantaneiros de João Manoel da Silva, além de um capricho: uma pequena pintura de Pancetti, não uma marina, mas um quarto à moda de Van Gogh.

A cozinha é um recanto à parte, com destaque para a mesa em jacarandá de Jorge Jabour, em sintonia com os detalhes de madeira escura presentes em toda a área doméstica. Ela foi ampliada ao ocupar a antiga área de serviços, o que permitiu expor mais obras de 40 artistas, como os entalhes do pernambucano Paulo Orlando da Silva. Tudo iluminado com luz natural graças a uma janela que antes era apenas funcional. Agora, a vista do Terraço Itália e do Copan ao longe rivaliza com uma grande fotografia colorida de uma família negra reunida em uma festa infantil. Edmar viu no trabalho da dupla Retratistas do Morro um diálogo inspirador com sua coleção. Aqui e ali, obras contemporâneas, como um óleo de Germana Monte-Mór ou um bronze de Paulo Monteiro, aparecem para comprovar as peculiaridades de todo colecionador.