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À medida que a COP30 coloca Belém no centro das discussões climáticas globais, um setor até pouco tempo distante desses debates ganha protagonismo: o da beleza. O Grupo Laces chega à conferência, apresentando um modelo brasileiro de beleza limpa e varejo regenerativo que tem chamado atenção por aliar impacto ambiental, inovação circular e inclusão social.
Em sua quarta participação consecutiva em conferências da ONU, o Laces, liderado por Cris Dios e Itamar Cechetto, integra painéis oficiais, experiências imersivas e missões técnicas na Amazônia para mostrar como ciência, rastreabilidade e biodiversidade podem redefinir os padrões do setor. Da neutralização de carbono à conexão com comunidades extrativistas, o grupo leva para a Zona Azul da COP30 resultados concretos e um convite: repensar o futuro da beleza como uma força de regeneração. Em entrevista à BAZAAR, Cris Dios falou sobre o conceito na prática, responsabilidade socioambiental e a escala sustentável no setor da beleza. Confira todos os detalhes!
Harper’s BAZAAR – O conceito de “beleza regenerativa” vai além da sustentabilidade tradicional. Na prática, o que muda para a cliente e para o salão quando esse modelo é aplicado?
Cris Dios – Na verdade, beleza regenerativa não existe sem a básica sustentabilidade. Beleza regenerativa é um paralelo de uma beleza consciente. Não pode ser chamado de beleza algo que você consegue abrir uma embalagem e ficar extremamente linda na frente do espelho ou na vida social, mas a forma como se construiu veio de recursos que não são rastreáveis, mão de obra que você não consegue gerenciar, cadeias que são de emissões elevadas de carbono. Então, o que de fato a beleza regenerativa produz é um ecossistema para o salão e para todos os envolvidos, que se torna o consumo consciente. A gente não precisa evoluir nenhum modelo econômico em desequilíbrio com o rastro de por onde a gente produziu riqueza. Isso não é riqueza.
HB – O BIOMAS já está em 20 estados e transforma salões convencionais em ambientes de impacto positivo. Quais são os critérios essenciais para que um salão seja considerado realmente regenerativo?
CD – Acima de tudo, a gente não quer se colocar como os especialistas em sustentabilidade. O que a gente promove como busca no encontro desses Biomas é que eles tenham vocação para crescimento e entendimento de que produto bom é fundamento, experiência é fundamento, propósito por metro quadrado é fundamento. Isso se sustenta em propósito e impacto por metro quadrado na gôndola, no lavatório, na frente da loja. É muito comum ver grandes marcas com Clean Beauty na vitrine, só que apenas 5% da receita de um salão é revenda de produtos. Então, não dá somente ter 5% da vitrine sendo sustentável. Ter a sustentabilidade parada somente na vitrine, o nome disso é Greenwashing.
Você, de fato, fazer sustentabilidade ser regenerativa é ter uma agenda de compromisso de que, nos próximos 5 anos, irá renovar todo o produto fóssil para produtos predominantemente naturais, veganos, não testados em animais e com compensação de carbono. O que a gente não exige, mas acaba ocorrendo, é que o impacto no fluxo de resíduos melhora; por exemplo, muitos salões passam a utilizar energia fotovoltaica. Então, em resumo, ser um salão regenerativo — a premissa — é que tenha uma agenda, no mínimo de 5 anos, de substituição de derivados fósseis para produtos que são de bioeconomia. E, com certeza, a gente já neutraliza as emissões de carbono através do índice LACES de emissões de carbono, onde há 250kgs de carbono por ano, por posição de salão, por cadeira, baseado em um escopo 3 de um Protocolo GHG, que é uma medição e aferição internacional.

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HB – Produtos limpos e orgânicos estão ganhando força, mas ainda existe muita confusão sobre o que é, de fato, “beleza limpa”. Como o Laces trabalha rastreabilidade e transparência para evitar greenwashing?
CD – O LACES trabalha somente com fornecedores em que temos confiança. Utilizamos matérias-primas orgânicas certificadas. A rastreabilidade se dá por nota fiscal — então, você conhecer quem é o fornecedor, de que região ele é, que matéria-prima utilizou, é a forma de termos o critério. Uma das grandes coisas, é que o LACES não trabalha considerando o entorno somente como “stakeholders”, mas sim parceiros com sinergia de negócio. Um fornecedor que tem sinergia de negócio evolui a pesquisa e acelera a inovação do ecossistema que o LACES promove. Lembrando que apenas 3% do mercado mundial é mercado de beleza limpa. A forma como o LACES faz, promove um discurso e um ativismo empreendedor para a sociedade civil no papel de cliente, porque somente haverá sustentabilidade e consumo consciente se o ator principal, que é o consumidor, que é a sociedade civil, fizer a sua parte na escolha melhor do que ela leva para casa, do que ela põe em contato com a sua pele. Então, a cadeia produtiva tem que ser rastreável via matérias-primas certificadas ou fornecedores auditados e certificados — seja por um trabalho interno do grupo, auditorias locais, isso e aquilo — ou propriamente por matérias-primas certificadas.
HB – Com um crescimento médio de 46% nas vendas e planos de alcançar 600 unidades até 2030, como vocês equilibram expansão acelerada com responsabilidade socioambiental?
CD – A resposta correta para essa é que, nós não conhecemos outra forma de crescimento. Se a gente vendesse pneu ou se nós vendêssemos qualquer tipo de substância, a gente só ia ter crescimento na velocidade de equilíbrio tendo um impacto positivo. Nós não somos a favor de lucro a qualquer custo. O papel de crescimento acelerado traz tanto para o ecossistema do grupo a questão do crescimento econômico, como também nós somos uma solução de transição. A ONU diz que a economia de transição é quem mais vai ter vetores de crescimento nos próximos cinco anos. E, a partir do momento em que a gente educa o canal profissional — o canal de salões — ensinando a tirar derivados fósseis, ensinando a pensar menos em “egosistema de negócio”, que é a bancada de um artista, para um “ecossistema de negócio”, que é o endereço da fachada, tudo muda. Aquele endereço tem uma cultura que é a soma das pessoas que trabalham ali, bem como tudo o que eles compram e quem eles recebem como cliente. Quando você tem um modelo que é egocentrista, pautado na cadeira e no espelho, você não consegue pensar coletivamente. Então, a promoção do modelo de escala que a gente tem — que a gente chama de escala humana — é uma forma de conseguir ver que o bolo cresce e o pedaço de todo mundo aumenta. Seja do fornecedor, do cara que coleta semente, de quem fornece a matéria-prima e processa, seja de todos os envolvidos na cadeia. A forma de escala tem que fazer o bolo de todo mundo crescer. E a gente sabe hoje que os salões que migram para esse processo crescem 60% no primeiro ano, e a média dos profissionais que trabalham nesse salão tem crescimento de rendimento mensal entre 25% e 30%.

HB – A participação na quarta COP amplia a conversa sobre sustentabilidade no setor da beleza. Qual é o principal recado que o Laces pretende levar ao debate global — e que ainda falta avançar no Brasil?
CD – Primeiro, o recado do LACES na participação da COP, é dar um polimento, dar luz à performance da matéria-prima proveniente da bioeconomia — sobretudo do Brasil, como o maior fornecedor de bioeconomia do mundo. Nós precisamos parar de ser commodities em bioeconomia e ser valor agregado. Esse é o lado ativista empreendedor do LACES, que, neste lugar, carrega mais de 70 matérias-primas de todos os biomas brasileiros. E a voz que mais o LACES provoca é que falta ponto de venda para a sustentabilidade. As lojas dos canais de cosméticos especializados, mercados, farmácias e salões de beleza precisam sair da zona de conforto e aumentar a oferta de produtos de bioeconomia, produtos de compensação de carbono. E o ator que mais falta é a sociedade civil no papel de consumidor. Se a sociedade civil se movimentar e começar a exigir, o ponto de venda vai ficar atento e vai desejar ter essa conversão. Isso vai fomentar toda a cadeia para trás. Resumidamente, a maior aposta do LACES é trazer consciência para compradores e grupos, ampliando a oportunidade de ponto de venda; a sustentabilidade, a bioeconomia, o Clean Beauty precisam de gôndola, e a sociedade civil, no papel de consumidor consciente, precisa aumentar essa pressão para que a exposição seja percebida. E o case do LACES na COP junto com a Soneda é a prova de que isso é possível. A Soneda está tendo 24% a 25% de crescimento anual no consumo de Clean Beauty, e esse projeto foi iniciado em parceria LACES e Soneda com uma loja, dois anos atrás. Hoje são 25 pontos de venda da Soneda com prateleiras especializadas, dando valor à bioeconomia e ao consumo consciente com destaque na gôndola.
HB – Como a adoção de ingredientes orgânicos e de baixo impacto nos produtos usados pelo Laces influencia diretamente a saúde do cabelo e do couro cabeludo?
CD – Bom, essa resposta é muito simples, porque nós não utilizamos da bio-identidade fóssil, nós usamos a bio-identidade viva. Nós somos vivos, nós somos uma espécie que pertence à natureza. Então, como a relação de alimentos para o nosso organismo faz tão bem quanto qualquer molécula sintética faz mal numa alimentação. O cabelo é idêntico.
Então, quando você coloca seu corpo em contato — por mais que tenha altíssima tecnologia — com um produto sintético, que é 97% dos cosméticos que existem no mercado, por mais que tenha nano-substância, por mais que tenha molécula A, B ou C, ela vai promover uma maquiagem no fio. A diferença é que o produto natural não promove maquiagem no fio; ele promove nutrição, promove identidade, promove compatibilidade. Ele é compatível com o que você vive. E assim, da mesma maneira que você colocar uma planta de uma região em outro local geográfico — você pegar uma planta do bioma da Amazônia e colocar no bioma dos Pampas — ela vai ter dificuldade de se adaptar. Qual a adaptação que a gente espera ter com algo proveniente do petróleo em contato com a pele ou o cabelo? Isso é impossível. Mas a tecnologia faz você ter a sensação de um sensorial que seja satisfatório, que seja agradável. Através da natureza, não é isso que acontece. O sensorial é pautado na saúde do fio. Em resumo, enquanto a cosmética convencional promove a sensação de brilho, sensação de movimento, o cosmético natural promove a saúde, e a beleza vem por consequência.
HB – De que forma o modelo regenerativo pode inspirar outras áreas do setor de beleza a repensar práticas, reduzir resíduos e criar cadeias verdadeiramente circulares?
CD – É importante deixar bem claro o que é um modelo regenerativo. Quanto maior o crescimento econômico, maior a degradação e a desigualdade no modelo de um capitalismo que nos trouxe até aqui. Então, é fácil você ver um gráfico de crescimento econômico, aumento de vendas, e, proporcionalmente, a destruição vai completamente na mesma direção. Quando você tem um modelo regenerativo, quanto maior o crescimento econômico desse grupo ou dessa cadeia, mais verba se tem em pesquisa de processos descarbonizados, em reflorestamento, compensação de carbono, matérias-primas e distribuição de renda de uma maneira mais justa.
Por exemplo, o LACES tem 75% das pessoas que trabalham no LACES que se identificam com mulheres, 65% delas em posição de liderança. A ONU tem como sugestão, nas metas do Acordo de Paris, chegar até 2030 com 35% das mulheres em posição de liderança. Nós já temos hoje 65%. Então, um modelo de regeneração não está pautado somente em reflorestamento ou na questão de compensação de carbono. Está também em uma compensação social, de um equilíbrio em diversidade racial e em todos os elementos que desequilibraram a nossa sociedade.Um varejo de regeneração promove um bem-estar coletivo, e a circularidade não precisa ser inventariada: ela é sentida, é prazerosa e torna, naturalmente, o crescimento uma consequência.

