Cena de “Ainda Estou Aqui”, representante do Brasil no Oscar (Foto: Alile Dara Onawale)

O ano de 2024 foi marcado por altos e baixos no cinema, com debates acalorados e surpresas inesperadas. Alguns filmes deixaram público e crítica boquiabertos, enquanto outros dividiram opiniões. O body horror voltou com força, gerando discussões intensas. Um supervilão icônico da DC Comics ressurgiu em versão musical, provocando reações mistas. Luca Guadagnino reafirmou sua versatilidade, lançando dois filmes cheios de sensualidade, ambos com figurinos de Jonathan Anderson, diretor criativo da Loewe. Pedro Almodóvar conquistou o Leão de Ouro em Veneza com seu primeiro longa em inglês, adotando um tom mais sóbrio do que suas obras iniciais. Já a Palma de Ouro em Cannes foi para uma fábula moderna sobre a vida de uma trabalhadora sexual.

No ano que passou, o público brasileiro começou a se reconectar com o cinema nacional. O filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles e baseado na obra de Marcelo Rubens Paiva, alcançou a marca de mais de 2,5 milhões de espectadores, tornando-se a maior bilheteria nacional desde a pandemia. A trama narra a história de Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, interpretada de forma contida e brilhante por Fernanda Torres. Sua atuação tem sido amplamente elogiada, com possibilidades de indicação ao Oscar, seguindo os passos de sua mãe, Fernanda Montenegro, em Central do Brasil (1998). O filme não apenas atraiu grandes públicos, mas também nos proporcionou uma oportunidade de refletir sobre a história do País. Se você ainda não assistiu, vale a pena ir atrás destes destaques:

Queer, de Luca Guadagnino

Baseado na obra do poeta beat William S. Burroughs, Queer traz Daniel Craig no papel de William Lee, alter ego do autor. Lee é um expatriado norte-americano vivendo no México dos anos 1950, entre noites regadas a álcool e encontros com desconhecidos. Sua rotina caótica muda ao conhecer e se apaixonar pelo ex-soldado Eugene Allerton, interpretado pelo it-boy Drew Starkey.

Os trinta minutos finais são um puro delírio: os amantes, fora de sintonia, ingerem ayahuasca em uma viagem lisérgica pela selva equatoriana. Filmado nos estúdios da Cinecittà, em Roma, o longa ganha uma atmosfera artificial que dialoga perfeitamente com o universo de Burroughs. Apesar de ambientado nos anos 1950, a trilha sonora é um show à parte, misturando eras e estilos com Nirvana, New Order, Sinead O’Connor e até uma faixa inédita de Trent Reznor e Atticus Ross, com vocais de Caetano Veloso. Em cartaz nos cinemas!

Ainda Estou Aqui, de Walter Salles

O filme que levou mais de 2 milhões de espectadores aos cinemas, e que está entre os 15 pré-selecionados ao Oscar de Melhor Filme Internacional. Fernanda Torres pode se tornar a segunda atriz brasileira a ser indicada ao Oscar, após sua mãe, Fernanda Montenegro – que também está no filme – ter sido indicada por Central do Brasil, do mesmo diretor. O filme também foi indicado ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira, aumentando suas chances na temporada de premiações. O longa está, atualmente, em cartaz nos cinemas.

Coringa: Delírio a Dois, de Todd Phillips

Apesar de receber várias críticas negativas e enfrentar um desempenho modesto nas bilheterias, este musical ousado e delirante tem pontos altos inegáveis. Lady Gaga e Joaquin Phoenix entregam performances magnéticas, mergulhando em um universo repleto de referências a clássicos como Os Guarda-Chuvas do Amor, de Jacques Demy. Quentin Tarantino declarou publicamente sua admiração pela obra, enquanto John Waters a incluiu em sua lista de favoritos do ano, chamando atenção para sua singularidade.

Com uma narrativa que mistura exagero e emoção, o filme se destaca como um dos romances mais ousados e sentimentais de 2024. Agora disponível no streaming do MAX, talvez seja o momento ideal para redescobrir essa obra única, que lembra ao mundo que o que precisamos, acima de tudo, é amor. What the world needs now is love! (Disponível na plataforma MAX).

O Quarto ao Lado, o primeiro longa de Pedro Almodóvar em inglês

Após explorar o idioma inglês em dois curtas-metragens — A Voz Humana, com Tilda Swinton, e Estranha Forma de Vida, com Ethan Hawke e Pedro Pascal —, Pedro Almodóvar apresenta seu primeiro longa-metragem totalmente em inglês, O Quarto ao Lado. O filme aborda o delicado e contemporâneo tema do suicídio assistido de maneira sensível, evitando o melodrama característico de algumas de suas obras anteriores. As protagonistas entregam interpretações magistrais, elevando a narrativa a um patamar de profundidade emocional. A produção foi amplamente aclamada pela crítica, recebendo elogios por sua abordagem cuidadosa de temas complexos e pela direção madura de Almodóvar. O Quarto ao Lado conquistou o Leão de Ouro no Festival de Veneza, consolidando-se como uma das obras mais impactantes do diretor espanhol.

Megalopolis, a magnum opus de Francis Ford Coppola

O diretor, que esteve no Brasil para o lançamento, tomou uma decisão ousada: vendeu parte de sua vinícola para financiar o projeto, reforçando os paralelos entre sua própria trajetória e o protagonista do filme, interpretado por Adam Driver. O personagem é um arquiteto visionário que sonha em criar uma cidade utópica, curiosamente inspirada em Curitiba, local que Coppola visitou alguns anos atrás. O filme é um espetáculo completamente over e camp, com figurinos deslumbrantes assinados pela italiana Milena Canonero. Mais do que uma obra cinematográfica, é uma ode à liberdade artística, refletindo a coragem criativa que marca a filmografia do diretor. Como muitas das criações de Coppola, teve uma recepção mista da crítica, mas carrega o potencial de se tornar uma peça de culto com o passar do tempo.

Tipos de Gentileza, de Yorgos Lanthimos

O bizarro tríptico do diretor grego é mais um de seus filmes que divide opiniões. Com uma narrativa “ame ou deixe-o”, o longa explora o abuso em suas múltiplas facetas, por meio de três histórias aparentemente desconexas, mas unidas por um fio temático comum. O elenco estelar inclui Emma Stone, musa recorrente do diretor, Willem Dafoe, Jesse Plemons (marido de Kirsten Dunst) e Margaret Qualley. Cada um deles brilha em performances que equilibram o absurdo com a intensidade emocional. A abertura com Sweet Dreams de Annie Lennox, dos Eurythmics, dá o tom: “Some of them want to abuse you, some of them want to be abused” (“Alguns querem abusar de você, outros querem ser abusados, em tradução livre)”. O diretor, novamente, desafia as convenções ao criar um filme desconfortável e provocativo, que não tem medo de explorar territórios obscuros.

A Substância, de Coralie Fargeat

O body horror do ano causou alvoroço com sua crítica feroz à forma como a indústria do entretenimento trata as mulheres. Os trinta minutos finais são os mais sangrentos e escatológicos que chegaram às telas em 2024. Demi Moore está brilhante no papel de Elizabeth Sparkle, uma ex-estrela de Hollywood que agora apresenta um programa de TV de exercícios e acaba sendo demitida por um chefe machista e etarista, interpretado por Dennis Quaid. Margaret Qualley (sim, ela de novo) vive Sue, a versão mais jovem de Elizabeth. O longa funciona como uma versão feminista de O Retrato de Dorian Gray, mas levada às últimas consequências. Com um roteiro afiado, a produção conquistou o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes. (Disponível na MUBI.)

Rivais, de Luca Guadagnino

Dirigido pelo italiano, este é o segundo filme lançado por ele este ano. A trama gira em torno de um triângulo amoroso entre três jogadores de tênis, interpretados por Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist, que formam um charmoso e magnético trio de protagonistas. Com cenas de tirar o fôlego e uma trilha sonora que inclui Caetano Veloso cantando Pecado em espanhol, o longa transforma o universo do tênis em algo irresistivelmente sexy. Guadagnino, o diretor mais quente do momento em Hollywood, já está em pré-produção para sua versão de Psicopata Americano, com Austin Butler no papel que consagrou Christian Bale na primeira adaptação do clássico de Bret Easton Ellis. (Disponível no Prime Video.)

O Mal Não Existe, de Ryûsuke Hamaguchi

Dirigido pelo aclamado cineasta de Drive My Car, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional (2022), o longa explora a relação entre humanidade e natureza. Ambientado em um vilarejo próximo a Tóquio, a história acompanha os moradores lidando com a construção de um resort de luxo que ameaça o equilíbrio ecológico local.

Com uma narrativa contemplativa e uma mensagem poderosa sobre o impacto ambiental, o filme apresenta um desfecho enigmático que permanece com o espectador. Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza, O Mal Não Existe reafirma Hamaguchi como um dos grandes nomes do cinema autoral contemporâneo. (Disponível nos cinemas e em streaming selecionados).

Anora, de Sean Baker

O longa mergulha novamente no universo dos trabalhadores sexuais, desta vez ambientado no pulsante bairro do Brooklyn, em Nova York. A trama acompanha Annie, uma stripper interpretada de forma magistral por Mikkey Maddison, cuja performance já está sendo apontada como digna de uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Annie se envolve em um romance improvável com o filho excêntrico de um bilionário russo, em uma história que mistura humor, desejo e tensão. Com seu olhar afiado para as margens da sociedade, Baker entrega um frenético conto de fadas contemporâneo — irônico, sexy e cheio de nuances. (Disponível em breve nos cinemas.)