
O centro leva o nome de Georges Pompidou, presidente da França entre 1969 e 1974, que foi um grande incentivador da arte moderna e contemporânea – Foto: Reprodução/Instagram @centrepompidou
Inaugurado em Paris em 1977, o Centre Georges Pompidou é um dos centros culturais mais emblemáticos do mundo. Projetado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, o edifício revolucionou a paisagem urbana da capital francesa com sua arquitetura high-tech — marcada por estruturas metálicas, tubulações e escadas rolantes aparentes. Mais do que um museu, o Pompidou abriga o Musée National d’Art Moderne, a Biblioteca Pública de Informação (BPI) e o IRCAM, instituto de pesquisa em música e acústica. Seu modelo inovador combina exposições de arte moderna e contemporânea, espetáculos, cinema, debates, programas educativos e ações de formação de público.
O centro leva o nome de Georges Pompidou, presidente da França entre 1969 e 1974, que foi um grande incentivador da arte moderna e contemporânea. Durante seu mandato, Pompidou idealizou um espaço cultural público e acessível que reunisse múltiplas linguagens artísticas em um só lugar — algo inédito para a época. Sua morte, em 1974, ocorreu antes da inauguração do projeto, que acabou se tornando um símbolo de seu legado cultural e político.
Além da sede em Paris, o Pompidou tem apenas três filiais internacionais: uma em Bruxelas, na Bélgica; outra em Málaga, na Espanha; e uma em Xangai, na China. A mais recente e histórica expansão, no entanto, será na América Latina: em Foz do Iguaçu, no Paraná.
Previsto para ser inaugurado em novembro de 2027, o Centre Pompidou x Paraná será a primeira filial da instituição no hemisfério sul. O projeto nasce de uma parceria firmada em maio de 2025 entre o governo do Paraná e a direção do museu francês. A unidade brasileira seguirá o modelo multidisciplinar que consagrou o Pompidou: reunindo exposições de arte moderna e contemporânea, shows, residências artísticas, oficinas, sessões de cinema e programas de formação.
A escolha de Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, reforça o caráter intercultural e simbólico do empreendimento — que também dialoga com o turismo internacional das Cataratas do Iguaçu. O espaço será construído ao lado do Aeroporto Internacional e terá projeto arquitetônico assinado por Solano Benítez, arquiteto paraguaio de reconhecimento global, cuja proposta prioriza materiais sustentáveis e soluções construtivas de impacto social.
BAZAAR conversou com o arquiteto responsável pela obra para revelar os conceitos, os diálogos com o território e as camadas simbólicas desse projeto histórico.
Harper’s Bazaar Brasil – Qual foi o maior desafio conceitual e técnico ao adotar a identidade icônica do Centro Pompidou para o contexto cultural e urbano brasileiro?
Solano Benítez – Todos nós dizemos que a cultura é a preparação. Uma terra inculta é uma terra despreparada para produzir aquilo que precisa produzir. A cultura é essa ferramenta da qual nos apropriamos para poder observar a realidade e imaginar como transformá-la, como transformar nossa maneira de viver em uma condição melhor.
O maior desafio, diante de um mundo tão mutável, é conseguir resgatar a obrigatoriedade da esperança como um território a ser conquistado por meio dos nossos atos e da concretização sucessiva de oportunidades — para que esse futuro seja, necessariamente, melhor.
É uma ponte entre natureza e cultura. Uma ponte que atravessa o tempo e que, a partir da observação de nossos impulsos iniciais, nos projeta em direção ao desejo necessário para transformar nossas condições.
HBB – De que maneira esse novo Centro Pompidou busca dialogar com o entorno e com as comunidades locais, tanto em termos arquitetônicos quanto sociais?
SB – O habitar, a tríplice fronteira, esse lugar que não é onde o Brasil termina, mas onde o Brasil vai ao encontro da Argentina e do Paraguai, em comunidades que desenvolveram relações simultâneas e que permitem a constante renovação de seus saberes a partir do cuidado e da vida existente — sobre a qual se funda o brasileiro, o paraguaio, o argentino.
E todas as comunidades que participam simultaneamente desse território: a contribuição árabe, a contribuição muçulmana, a contribuição israelense, a presença oriental — as condições que fazem deste local particular do planeta um dos “antropolitanos”, em termos de fusão e desenvolvimento de uma cultura comum que é capaz de vislumbrar e construir, em conjunto, um horizonte de paz.
Essa nova “Antena Pompidou” — como o Pompidou gosta de chamar esse centro — tem essa função de ser sensível não apenas à condição local, para poder transmitir o que de bom acontece aqui, mas também para receber, de forma ainda mais intensa, tudo aquilo que é legitimado por seus próprios processos como uma qualidade extraordinária.
HBB – Em uma época em que a sustentabilidade é um imperativo global, como a arquitetura do projeto incorpora princípios de design responsáveis e regenerativos?
SB – Como nunca antes, o que estamos imaginando é um processo que funde duas condições preexistentes no Brasil — ambas de uma riqueza extraordinária. Por um lado, a proximidade com a artesanato e com o trabalho manual do indivíduo como gestor da matéria a ser transformada. Por outro, a industrialização, enquanto capacidade de atender a uma demanda crescente de necessidades ao longo do tempo.
A arquitetura que estamos concebendo para este local começa justamente pelo desenho da materialidade a ser utilizada, transformando o solo local em material estabilizado — ou seja, pegando a terra e transformando-a em pedra.
Essa “pedra” é, essencialmente, um tijolo: uma pedra com proporções adequadas para ser segurada com a mão, adaptada à antropometria das pessoas, especialmente do artesão — e, a partir dela, vinculando-se a processos que envolvem também o uso da forma mais eficiente possível do concreto armado, como estrutura capaz de somar-se ao desafio monumental de construir, com responsabilidade, uma alternativa para o mundo todo.
Num tempo em que a arquitetura dos museus costuma ser pensada como um exercício de espetáculo — onde o comum é o uso de materiais exóticos, como folhas de titânio ou metais raros — o que o Museu Pompidou de Paraná deseja exibir é justamente a inteligência no uso dos recursos disponíveis, aqueles que definem a condição do P-vermelho, tão característico do solo desta região.
HBB – Que legado espera deixar com esta obra — tanto para a arquitetura contemporânea quanto para a relação entre o Brasil e as grandes instituições culturais internacionais?
SB – A generosidade que o Brasil demonstra ao permitir que um paraguaio possa estar vinculado a um processo de verdadeira transcendência é uma das condições que revelam uma grandiosidade de espírito extraordinária.
Se há alguma definição que possa sintetizar a palavra “arte”, em qualquer dicionário ela aparece como um fazer extraordinário. Esse fazer extraordinário é o que nos permite nos identificar e construir identidade ao seu redor.
Esse é o grande objetivo: fazer com que esta obra específica reflita todo o cuidado e toda a atenção necessária para servir como testemunho de que sempre é possível observar a realidade ao nosso redor e, acima de tudo, desejar transformá-la.
Por meio dessa transformação — desse fazer extraordinário ao qual nos comprometemos — buscamos construir uma porção de legado, uma vida melhor para nós e para as próximas gerações.
HBB – O projeto já é uma certeza?
SB – Claro que o projeto é uma certeza. Os acordos estão assinados e são absolutamente mantidos. Parte da conquista — e do fato de que finalmente o Pompidou decidiu estender sua marca para a América do Sul — é que as condições dos contratos sucessivos foram cumpridas em todas as etapas. Essas etapas incluem a escolha do arquiteto e a análise da arquitetura que ele vai apresentar e que já apresenta em favor do que será sua nova sede.
HBB – Como estão as conversas com os dirigentes?
SB – As conversas são muito fluidas. Temos reuniões quase diárias e este projeto não é genérico; é absolutamente feito sob medida e está sendo revisado tanto por especialistas brasileiros quanto por especialistas parisienses, porque pretende ser um museu de qualidade e excelência extraordinárias.
HBB – Em que etapa está com o governo brasileiro e os financiadores do centro?
SB – Isso eu não sei. Acho que isso é, acima de tudo, uma infraestrutura política. É como o governo está buscando e se comprometendo a preparar uma das infraestruturas mais importantes para os próximos tempos, que é uma infraestrutura educativa — no sentido de que um museu é um dos elementos, uma das infraestruturas que favorecem os processos de aprendizagem como direcionamento para um novo tempo.
HBB – Quando se tornará uma realidade?
SB – Os prazos são muito curtos, mas principalmente o que conta é que os prazos são curtos não por causa de um prazo político, mas por quantas gerações mais de jovens e crianças brasileiras terão que esperar até que a burocracia transforme em realidade desejos tão necessários quanto a promoção de um aprendizado que lhes permita usar isso principalmente como ferramenta para o futuro.