
Agnès Varda – Foto: Divulgação
Por Paula Jacob
Desde quando descobri que o IMS faria uma exposição sobre Agnès Varda, a ansiedade tomou conta do coração. Sendo pesquisadora e professora de cinema, espalho a palavra de Varda aos meus alunos há mais de cinco anos – muitos sem nunca terem ouvido falar na diretora. O espanto é tamanho, mas explicável: as diretoras mulheres foram sistematicamente apagadas da história do cinema. Felizmente, festivais, eventos e mostras têm mudado o cenário, apresentando ao público o brilhantismo por trás de filmes e criações de nomes como a própria francesa, precursora da Nouvelle Vague com La Pointe Courte (1955).
Ao chegar no prédio da Avenida Paulista para fazer uma visita exclusiva na montagem de Fotografia Agnès Varda Cinema, aguardei no café a equipe do museu me buscar para seguir ao sexto andar. Por lá, alguns ajustes finais estavam sendo feitos enquanto eu admirava boquiaberta as imagens produzidas por uma das grandes vozes do cinema – muitas delas ainda inéditas ao público. Mas nem só isso fazia da minha espera uma emoção eletrizante: ali, Rosalie Varda, filha e co-curadora da exposição, me acompanharia pelo labirinto de fotografias. Com uma energia acolhedora, ela abre um sorriso sincero: “É maravilhoso estar aqui e descobrir a exposição pronta”, diz.

Agnès Varda – Foto: Divulgação
O trabalho ao lado do outro curador, João Fernandes, remonta desde 1954, com as primeiras fotografias expostas de Varda. Há também um trecho de apresentação do trabalho como fotógrafa do grupo Griôs, primeira companhia de teatro negro de Paris. Logo depois, vemos trechos de La Pointe Courte e L’Opéra Mouffe (1958) – esse último, “ela realizou quando estava grávida de mim. É um filme sensível, que observa as pessoas nas ruas. João achou importante incluí-lo”.

Agnès Varda – Foto: Divulgação
E essa recepção já rascunha o vem a seguir: um mergulho sensível no olhar da cineasta, que tratava a fotografia com a mesma seriedade do cinema, cruzando as técnicas entre uma plataforma e outra para criar a sua linguagem autoral. A primeira parada é a China, que ela visitou em 1957 à convite da secretaria de turismo. Por lá, permaneceu semanas, escolhendo onde queria ir, o que gostaria de ver, quais objetos e pessoas chamavam a sua atenção. “Ela não estava interessada na ‘grande foto da China’, mas naquilo que a emocionava: crianças, famílias, monges, pequenos gestos. Até nas celebrações de primeiro de maio, por exemplo, ela preferia os detalhes de flores, dragões e pássaros. Coisas que revelam a sua sensibilidade.”
A viagem seguinte seria para Cuba, em 1962. Desta vez, porém, Agnès decide ir com roteiro previamente elaborado para fazer um filme a partir das fotos. Na exposição, é possível ver frame a frame as imagens e como cada “instante” será costurado na montagem de Salut les Cubains (1963). As fotos coloridas que fazem parte desta sessão estão entre as inéditas ao grande público. “Ela tinha um jeito generoso de fotografar trabalhadores, mulheres, revolução… Até o retrato de Fidel Castro tem sua singularidade.” Rosalie aponta para a imagem, sinalizando como as rochas atrás dele formam uma espécie de asa. “Minha mãe dizia que era a utopia da revolução.” Objetos pessoais e diários de viagem compõem a cenografia.
A seleção das imagens foi um trabalho à parte. Com um acervo de mais de 30 mil negativos, Rosalie contou com ajuda de João Fernandes para a pré-seleção. “Abrimos caixas e caixas”, se divertem. “A curadoria foi pensada tanto no que representava o trabalho de Agnès quanto no diálogo com o Brasil”, explica João. O filtro fica visível quando correlacionamos os Griôs e o Teatro Experimental do Negro no Brasil ou as manifestações religiosas cubanas que ressoam com as tradições afro-indígenas brasileiras.
Outro ponto de atenção é o já mencionado balanço entre foto-filme. “É impossível separar uma coisa da outra”, afirma João. “Desde La Pointe Courte, ela leva movimento à imagem fixa. Busca o gesto, a ação, porque a vida é movimento.” Esse atravessamento natural é evidente também com as cabines montadas no centro do andar, com trechos de filmes como Os Panteras Negras (1968). Em outra estação, há o paralelo da imagem La Terrasse du Corbusier (1956) com o curta-metragem experimental que, 50 anos depois, ela viria a reencenar a mesma situação.

Agnès Varda – Foto: Divulgação
O percurso expositivo termina em um mural-mosaico de fotos e autorretratos de Agnès que funciona como um quebra-cabeça de sua essência: curiosa, divertida, atenta. “Queríamos mostrar suas diferentes fases, seu corpo, seu humor, sua presença ao longo dos anos. Ajuda o público a lembrar que, atrás das fotos, existe uma artista viva, múltipla”, explica Rosalie. A ideia é justamente essa, expandir a obra de sua mãe para novas gerações também por meio da programação paralela do cinema do IMS e das atividades educativas. O museu também está em conversa com outras instituições culturais para, quem sabe, exportar a exibição na América do Sul. “Se, ao sair da exposição, alguém sentir vontade de ver mais um filme dela, já vencemos.”
Com tamanha humanidade e gentileza, é impossível passar despercebido pelo olhar de Agnès Varda. Que o tempo e a presença ressoem nos visitantes; que sua paciência e respeito pelo outro sirvam de inspiração para este mundo tão saturado de imagens e superficialidade.
Exposição Fotografia AGNÈS VARDA Cinema
Abertura: 29 de novembro
Visitação: até 12 de abril de 2026
6o andar | IMS Paulista
Entrada gratuita

