Foto: Kessia Riany / Coordenação: Mariana Simon / KM Studio / Produção Executiva: Zuca Hub / Produtora Responsável: Claudia Nunes

No mês em que completa 50 anos de galeria, Luisa Strina admite um vício difícil de abandonar: “Digo que não quero comprar mais nada, mas todo dia aparece algo que me encanta”, diverte-se sobre seu acervo sempre em expansão. A última e recente aquisição foi uma obra de Anna Maria Maiolino, artista representada por ela e premiada na Bienal de Veneza. Aos 81 anos, Luisa resolveu revisitar a sua história em dois momentos: abriu seu acervo pessoal pela primeira vez ao público e lançou um livro que relembra as principais exposições da galeria, um marco na cena cultural paulistana e brasileira. “Não ligo muito para comemorações, mas era um desejo meu abrir minha coleção e lançar o livro dos 50 anos da galeria.”

A exposição reúne 100 obras de uma difícil seleção, como ela mesma reconhece. “Minha coleção tem obras conceituais. Emoção e estética são meus guias”, define a galerista que, no início da carreira, chegou a se arriscar como artista. “Percebi que não era boa. Trabalhar com arte foi o jeito que encontrei de me conectar com este universo.” Uma única pintura de sua autoria restou da empreitada – hoje, está em uma das paredes de sua casa e também ganhará um espaço na mostra. Como não poderia deixar de ser, a seleção inclui a obra que deu início a tudo: uma gravura de Lívio Abramo arrematada com o dinheiro da mesada. “Levei para o moldureiro e ele acabou rasurando. Fez tudo errado, mas ficou assim mesmo”, diverte-se.

Cercada por nomes que eram apenas apostas, ela cresceu junto a artistas como Antonio Dias, Cildo Meireles, Tunga e Waltercio Caldas – responsáveis pela expansão da galeria internacionalmente e que renderam a Luisa o título de primeira latino-americana a expor na Art Basel, em 1992. Ainda assim, ela não tem ilusões de que as pessoas se lembrarão de tudo o que enfrentou para colocar o Brasil na rota internacional das artes. “Hoje, você passa o dia no Instagram, tem acesso a histórias incríveis, mas isso também cria uma percepção superficial. Eu não me iludo com a imortalidade. É a vida. O que importa é o que a gente faz enquanto está aqui.”

Luisa acredita que o mercado de arte mudou completamente – “é mais rápido, mais corporativo, há menos relações pessoais. Virou um mercado global, mas eu sinto falta de quando era mais íntimo, mais próximo.” Essa mudança não apaga, porém, o que ela considera ser a verdadeira essência de seu trabalho. “O que construí é reflexo de muitas colaborações, de artistas incríveis e das pessoas que confiaram no meu trabalho.” O que esperar do futuro desse mercado? “Depois de tanto tempo, você aprende a valorizar o presente, não o que está por vir. A geração passa, as pessoas mudam, mas eu sinto que a contribuição para a arte é o que realmente importa. Isso é o que fica.” As NFTs e a arte digital não despertam o seu interesse, apesar, claro, de reconhecer que são parte de um novo momento. “Só espero que não se esqueçam de criar algo que toque as pessoas de verdade.” Afinal, ela sempre acreditou na arte que provoca, que muda a forma como enxergamos o mundo.

Comandar uma galeria por cinco décadas reforçou em Luisa a ideia de que o espaço é muito mais do que uma vitrine para obras. “É onde histórias, ideias e transformações acontecem.” Entre os momentos mais marcantes, destaca o período da ditadura militar, que deixou profundas marcas na arte. “Foi um período sombrio, mas não paramos. Foi justamente na adversidade que surgiram trabalhos mais críticos, mais provocativos.” Ela relembra como esteve cercada por artistas que foram perseguidos, exilados ou tiveram que se esconder. “Isso moldou minha visão de que a arte é, acima de tudo, resistência.”

Foto: Kessia Riany / Coordenação: Mariana Simon / KM Studio / Produção Executiva: Zuca Hub / Produtora Responsável: Claudia Nunes