Assucena – Foto: Natalia Mitie

Assucena, a cantora baiana de Vitória da Conquista, que por seis anos fez parte do grupo As Baías – e com o qual foi premiadíssima-  está brotando de novo. Nesta sexta-feira (18.11), ela dá o pontapé definitivo para sua carreira solo, com o lançamento de “Menino Pele Cor de Jambo” (ouça aqui), composição dela que ganhou produção de Pupillo e direção artística de Céu.

Com sua voz forte e marcante, ela promete fazer balançar corpos e mentes. Sua experiência na música não deixa dúvida do que vem pela frente: certamente mais um sucesso daqueles que ficam na cabeça da gente pela qualidade sonora. “Menino Pele Cor de Jambo” encontra pelo caminho contornos tipicamente brasileiros, nos quais saltam o suingue e o alto astral. “A gente precisa apresentar e apreciar mais nosso Brasil bonito, porque as infelicidades e injustiças já estão colocadas”, diz.

Crescida no sertão da Bahia, Assucena fez escola com baião e forró, com o cancioneiro brasileiro, com a música de raiz, o samba. Mas também, por influência do pai, ouviu muito Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa. Mas veio alguém que transformaria para sempre sua forma de ver a música: Gal Costa. “Eu acho que eu superei o lugar de fã, e hoje eu respeito a Gal como a artista que me pariu, como a artista que sou hoje”, define.

Ouvir a nova música de Assucena é estar com a alma aberta, com um sorriso largo e a alma em paz. Acho que assim ela definiria esse trabalho com o qual pretende levar coisas boas e alto-astral. “Primeiramente eu gostaria que as pessoas ouvissem, porque é uma canção brasileira e uma canção alto-astral para uma temporada que se anuncia. Nós passamos por um momento muito sombrio, não só politicamente, socialmente também, a gente vem de uma pandemia, de um lugar muito mal gerido na pandemia, com desprezo à nossa população, nossos pobres, ao nosso povo. Então eu acho que a gente precisa cantar a esperança, precisa cantar o amor.”

Leia a seguir entrevista que Bazaar fez com a cantora e compositora Assucena via Zoom (preferencialmente ouvindo “Menino Pele Cor de Jambo”).

Como você começou a cantar?

Nasci lá no sertão da Bahia, em Vitória da Conquista, em um contexto musical no ponto de vista da cidade mesmo, minha cidade é muito musical. Eu acho que o ouvido do brasileiro em si é muito musical, mas a Bahia tem alguma coisa que é um pouco a mais, a gente gosta de envolver música em tudo. Eu cresci em um contexto de um cancioneiro popular muito potente, de estar na rua e ter gente cantando, de ver a capoeira e a música, que são coisas que se complementam, cresci no meio do baião, do forró, e meu pai gostava muito de Jovem Guarda, o que me fez ouvir muito Roberto Carlos, Erasmo e Wanderléa, além de música judaica, sefardi, que tenho tradição na minha família. Eu não estudei musica institucionalmente, eu aprendo música todos o dias. O meu estudo foi muito intuitivo. Eu nem sei dizer a idade com a qual comecei cantar, foi desde muito pequena, eu me lembro que com quatro ou cinco anos minha mãe falava que eu já estava cantando, e afinada (risos). Mas também não posso deixar de dizer que eu era aquela criança “viada”, que amava Withney Houston, e queria dar os agudos de “I Will Always Love You” pela casa (risos).

Assucena – Foto: Natalia Mitie

E como a composição entra na sua vida?

Eu sempre dei uma de poetiza… Eu sempre fui artista, parece que gente que tem essa aptidão para a arte passa por um caminho que se naturaliza. Eu sempre escrevi, e como não podia falar para os meninos que eu estava apaixonada por eles, eu jogava para a poesia. Eu me lembro que quando comecei a compor foi quando entrei na faculdade, em 2011, foi quando encarei essa possibilidade [de escrever] como ofício. Lembro-me que escrevi [a música] “Sua Tez”. Primeiro, que é uma música que a gente gravou no disco “Bixa”, depois no grupo As Baías. Eu não sou daquelas compositora que fica no violão tirando nota, eu parto muito da inspiração. Estou tentando me especializar cada vez mais na composição, do ponto de vista que parte da letra, da melodia ou da harmonia. Quero estudar mais harmonia para compor mais, porque não sou musicista, mas quero chegar nesse lugar.

Como foi o processo de sair do As Baías para se tornar uma artista solo?

Olha, você fazer parte de uma banda é um processo muito interessante, porque na banda você divide os bônus e os ônus do processo. Mas eu acho que a linha de frente da banda – o Rafael, a Raquel e eu – já tinha atitudes individuais muito fortes, já era uma premissa de que nós não seríamos uma banda para continuar. Nós gravamos um disco, dois, aí veio a Universal Music, que foi sensacional, e quando vimos já estávamos em um processo que não poderíamos mais sair. E é natural que quando você vai ficando mais velha queira fazer outras coisas, e na banda não dava, porque banda é um coletivo. Às vezes, ficava difícil colocar coisas que eu achava que eram as mais interessantes, e queria continuar com as minhas ideias, eu estava tendo que me apertar demais para caber naquele espaço. Sempre achei que seria bom a banda terminar em um lugar legal, com dignidade. E as pessoas vão mudando, precisam de mais espaço para expor suas ideias. Eu tive que respeitar o meu tempo e minha trajetória, e pôr fim a algo que estava me limitando. Mas a banda foi muito importante, nós fomos as primeiras pessoas trans a serem indicadas consecutivamente ao Grammy Latino, a ganhar dois prêmios da música brasileira, a entrar nessa cena atual, fui eu e Raquel de fato. Me lembro que saímos de GloboNews a El País, na Espanha, e BBC, de Londres, porque era uma novidade mesmo. Empoderamento, racismo, LGBTfobia eram palavras que estavam começando a eclodir, não que não existissem, eu acho que era um processo que o feminismo estava começando a ganhar uma popularização mesmo, depois de anos de governo de centro-esquerda, vinha uma onda muito positiva, como políticas públicas para universidade, e de cotas raciais. Nós tivemos esse pioneirismo na cena.

Vamos falar de “Menino Pele Cor de Jambo”, a composição é sua?

Sim, é minha. Eu escrevi em 2018, é uma canção muito influenciada pelo Jorge Ben, pelo samba-rock, eu sou fascinada pelo Jorge Ben, tanto pela complexidade que ele traz na lírica, harmônica e melódica, mas também pelo fato de ele conseguir ser complexo e simples ao mesmo tempo. Porque o mais difícil é ser simples, na real, né? Como Caymmi: “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé”, esse verso, sobre o preconceito que o samba enfrentou, sobre a questão de classe, a questão racial, enfim, o Caymmi resume com a simplicidade. Então, em “Menino Cor da Pele Jambo” eu quis trazer um pouco da minha simplicidade e da minha verdade e da busca pela minha raiz, que é o samba, o amor, que é cantar meus musos. Na história da música, vemos as mulheres sendo cantadas pelos caras, agora chegou a hora de a gente cantar os caras também (risos).

Assucena – Foto: Natalia Mitie

Como foi a escolha de Pupillo e Céu para produção e direção artística do seu trabalho?

Nós fomos convidados para entrevistar alguns artistas da música, e eu entrevistei a Céu em 2017, eu já era fascinada pela obra dela, principalmente porque ela é muito diferente de mim, eu tenho um canto mais dramático e para fora, a Céu é mais minimalista, e eu amo minimalismo. Até porque a Gal passou por esses dois caminhos também, tanto o minimalismo como o canto para fora, solto, cheio de pontas. Enfim, quando eu comuniquei à banda que estava saindo eu liguei para a Céu… A gente já tinha uma amizade que vínhamos construindo. Eu disse: “Céu, eu estou começando a minha carreira solo e gostaria muito que você estivesse comigo na direção artística”. Ela me ligou na hora, foi muito rápido, conversamos muito, a partir daí veio uma amizade mais profunda. Eu concorri com a Céu no Grammy Latino e ela levou o prêmio, eu pensei que bom que foi ela, porque sou apaixonada pelo trabalho dela. Tem essa coisa da admiração por essa geração que veio antes de mim. Eu gostaria de entrar em cena como artista solo muito bem entrada, e eu sabia que a Céu me daria essa chancela de uma boa artista. Ela falou, e quem será o cara que vai produzir com a gente, o Pupillo? Eu aceitei na hora. Pupillo produziu “Estratosférica”, da Gal, né? Eu já estava de olho nele havia tempos, porque ele vem de uma banda que é uma das maiores dos últimos tempos, que é a Nação Zumbi. Eu acho que é uma conversa de gerações, gerações próximas e que se respeitam e se admiram.

Qual sua expectativa com esse lançamento?

Ai, isso é difícil, porque é a minha primeira canção do meu primeiro disco solo. É um misto de tantas coisas. Primeiramente eu gostaria que as pessoas ouvissem, porque é uma canção brasileira e uma canção alto-astral para uma temporada que se anuncia. Nós passamos por um momento muito sombrio, não só politicamente, socialmente a gente vem de uma pandemia, de um lugar muito mal gerido na pandemia, com desprezo à nossa população, nossos pobres, ao nosso povo. Então eu acho que a gente precisa cantar a esperança, precisa cantar o amor. Eu quero ser otimista, cantar amores que deram certo, também, quero ser otimista com o anúncio de um Ministério da Cultura, porque quando a gente fala de cultura no Brasil, estamos falando de nossa alma, e é uma alma exuberante. É uma alma construída tanto pelo estupro como pela resistência; tanto pelas mazelas e misérias como pelas nossas belezas. Nesse sentido, eu quero ser otimista e cantar um Brasil bonito.

Gal é uma inspiração na sua carreira, você é fã dela, pretende fazer alguma homenagem no seu álbum?

Eu acho que superei o lugar de fã, e hoje eu respeito a Gal como a artista que me pariu, como a artista que sou hoje. Eu tenho certeza que essa cantora aqui não teria existido, nem As Baías, se não fosse a monumentalidade da obra de Gal Costa, porque eu escutava Gal lá na Bahia, a Gal é onipresente no imaginário do povo brasileiro por tudo o que ela conquistou o longo de sua carreira, ela foi uma popstar na década de 1980, ela enchia ginásios em seus shows, ela teve grande hits em novelas, em rádios, em filmes. Nós estamos falando de uma voz presente. Quando eu fui adentrar à obra dela, foi um susto, porque cada disco é uma proposta estética diferente – o canto, a sonoridade, tudo. A Gal foi, não, a Gal é onipresente e contemporânea. Em cada tempo ela ficou seus pés na atualidade, por isso ela é tão respeitada pela juventude, inclusive. Nós estamos falando de uma cantora que respeitava muito o tempo presente. Então, sim, eu não sou a artista que sou hoje sem Gal Costa, ela foi a que mais produziu sobre escola, sobre canto. O tamanha da escola da Gal é muito grande, muitas artistas que vieram depois passaram por essa escola, com eu. E ela continua despertando muito, veja a banda Bala Desejo, tem influências da Gal, que precisa ser reverenciada pelo seu feito agora mais do que nunca. No meu disco, mesmo se eu não disser o nome Gal Costa, ela já vai estar presente.

E quando deve sair o seu álbum?

Eu pretendo lançar mais dois singles depois de “Menino Cor da Pele Jambo”, quero trabalhar muito bem esse primeiro. Tem muita coisa acontecendo, muitas mudanças, vem o Carnaval, então quero lançar depois de março. O disco está praticamente pronto, é mais uma questão de como quero lançar. Quero que cada single seja muito ouvido e trabalhado.

Você é ligada em moda?

Muito.

Assucena – Foto: Natalia Mitie

Você acha que moda e música se confluem?

Sim. A música conversa muito com comportamento. O artista de palco tem um lugar de visibilidade muito grande, então todo mundo olha o que ele veste, o que ele usa, porque há uma licença poética até como artista. O artista pode criar moda sem querer. Por exemplo, “Tropicália” influenciou muito a moda. O que era o rock, o movimento de contracultura? Coisas que a moda teve que ouvir. A música influencia muito a moda e vice-versa, porque são artes que se conversam. A moda é algo profundo, acho que estamos tento discussões muito importantes sobre o consumismo, sobre como repensar a moda, sem minorar sua beleza. A moda e a música precisam andar juntas, pois estamos falando de duas potências.

Créditos:

Direção de Arte e Design: Oitentaedois.
Fotografia: Natalia Mitie.
Assistente de foto: Renan Martins.
Acessórios: Entre Cubos.
Beleza: Magô Tonhon.
Figurino: ZebuSP.