Ju Ferraz – Foto: André Nicolau

Ju Ferraz é um exemplo de resiliência e autenticidade. Com uma trajetória marcada por desafios e superações, ela transformou experiências pessoais em inspiração para outras mulheres. Em sua obra, Empreendedora da Própria Vida, e em projetos como o B.O.D.Y., Ju levanta debates importantes sobre autoestima, padrões estéticos e equidade. Nesta conversa com a BAZAAR, ela reflete sobre sua caminhada e os valores que a guiaram, oferecendo lições que vão além da sua própria história. 

Ju Ferraz – Foto: André Nicolau

Harper’s Bazaar – No seu livro Empreendedora da Própria Vida, você fala sobre a importância do autoconhecimento para construir um futuro que merecemos. Como foi o seu processo pessoal de descoberta e fortalecimento da autoestima?

Ju Ferraz – Não foi fácil. Passei por um processo doloroso, onde minha autoestima desabou e eu tive que reconstruir minha confiança. Vivenciei um burnout, que foi um marco importante nesse fortalecimento da minha estima. Ali percebi que não era pela força bruta ou postura muitas vezes mais masculinizada que eu conseguiria me impor, mas sim pela entrega, pelo cuidado e pela liderança genuína. O senso de coletividade e o poder de ajudar outras mulheres, me deram a força que eu precisava para seguir em frente e me tornar o que sou hoje. Ser uma mulher gorda e empresária não é sobre padrões. É sobre ser eu mesma, e usar minha história para inspirar outras a se reerguerem também.

HB – Você rompeu com padrões estéticos que, por muito tempo, foram vistos como absolutos. Quais foram os momentos mais desafiadores dessa jornada e como você lidou com a pressão externa?

JF – Romper com padrões estéticos foi, sem dúvida, um dos maiores desafios da minha vida, mas também foi um processo libertador. Desde criança, quando vivia em Salvador, eu sofria com a pressão que era ter um corpo diferente do que achavam como ‘normal’. Por exemplo, o namorado de uma amiga me apelidou de Ju Bola, e também lembro de um namorado que tive aos 17 anos, que se recusava a andar de mãos dadas comigo em público por vergonha de eu ser gorda. E pensando em situações mais recentes, já acompanhei reuniões de negócios em que um executivo passou aquele momento inteiro encarando a minha barriga, o que me fez ver que olhar alheio muitas vezes valida um discurso pela aparência e não pelo seu conteúdo.

Esses momentos são difíceis, mas aprendi a lidar com a pressão externa com muita coragem e autoafirmação. Em vez de me encolher ou me sentir inferior, eu passei a usar essas situações como combustível para criar mais espaços de visibilidade para mulheres como eu. Foi isso que me motivou a criar o B.O.D.Y. por exemplo, que é um movimento para falar abertamente sobre a aceitação e a liberdade do corpo, além de desconstruir os tabus que ainda existem sobre a vivência da mulher na sociedade. A virada de chave foi parar de me culpar por algo que não depende de mim, e começar a fazer com que os outros questionassem seus próprios preconceitos.

HB – O que significa, para você, ser “empreendedora da própria vida”? Quais são os primeiros passos que uma mulher deve dar para tomar controle de sua própria trajetória?

JF – Ser empreendedora da própria vida é entender que você é responsável pela sua trajetória, sem se deixar parar pelos olhares externos. Eu mesma quase desisti, mas foi a determinação que me manteve firme. Abdiquei de muita coisa para chegar onde estou, e não é algo que celebro. A prioridade era o trabalho, até que o burnout me fez repensar tudo. Hoje, quero ajudar outras mulheres a serem protagonistas da própria vida, que acredito ser um direito que todas nós temos, mas sem precisar passar pelos mesmos sacrifícios que eu enfrentei.

HB – Seu livro destaca a importância do empoderamento feminino. Como você enxerga o papel da sororidade nesse processo de transformação? Você acredita que essa união entre mulheres está mais forte hoje?

JF – Vejo a sororidade como uma força fundamental na transformação feminina. No B.O.D.Y., recebo muitas mulheres que buscam acolhimento, apoio e estímulo para seguir em frente. E é esse lugar que eu quero e preciso estar, principalmente por conta dos acessos e privilégios que eu tenho hoje.

E eu levo isso como um propósito de vida por ter crescido em meio a mulheres fortes que me ensinaram o valor da união, posso citar como cruciais na minha trajetória a minha mãe, Luiza Ferraz, minha madrinha, minha avó, Julita e minha tia, Monique Gardenberg. Essa força e apoio entre mulheres está cada vez mais forte, e eu vejo isso como essencial para o nosso empoderamento.

HB – O B.O.D.Y. é um movimento que celebra a liberdade feminina. Como você vê a evolução do diálogo sobre autoaceitação e diversidade nos últimos anos, especialmente no Brasil?

JF – O diálogo sobre autoaceitação e diversidade avançou de forma inegável nos últimos anos. Vimos uma transformação significativa especialmente no Brasil, onde o movimento ganhou força, vimos personalidades fora dos padrões ganhando a devida atenção, além das marcas abrirem essa discussão com uma força maior.

Mas este ano, na 3ª edição do B.O.D.Y., recebemos um retorno muito grande de mulheres diversas que, infelizmente, perderam contratos fixos ou oportunidades com o mercado justamente por serem quem são. O que antes tinha se tornado uma agenda importante, agora parece estar perdendo força nas marcas. O investimento em ESG está diminuindo, e a diversidade, que antes era vista como uma prioridade, tem deixado de ser um foco real.

E isso foi refletido inclusive no projeto, que foi o ano mais difícil de conseguir parceiros e apoiadores, o que me fez inclusive pensar em não seguir com a edição em 2024. Mas, uma vez que percebi esse retrocesso na discussão da pauta de diversidade, entendi que mais do que nunca o B.O.D.Y. precisava acontecer.

HB – Em sua trajetória profissional, você se destacou como formadora de opinião e empresária. Quais foram os maiores obstáculos que você enfrentou, sendo uma mulher de sucesso em um mercado que nem sempre é igualitário?

Para me destacar como formadora de opinião, eu sempre falo que precisei primeiro consolidar minha carreira como empresária para conseguir mais acessos e oportunidades. Ser uma mulher gorda em um mercado desigual quando falamos de gênero e padrões estéticos não foi fácil.

Enfrentei preconceitos e a dificuldade de ser ouvida por muitas vezes, e foi aí que entendi que minhas plataformas podiam ser palcos amplificadores de pautas tão importantes para o desenvolvimento e crescimento de outras mulheres. E, levantando esses debates de forma genuína e próxima das minhas seguidores, consegui criar uma base sólida que não só me acompanha, mas também me ajuda a crescer essa busca por equidade.

HB – Como você equilibra a vida pessoal com o sucesso profissional? Quais estratégias você usa para manter o foco e a energia, especialmente quando os desafios parecem maiores?

JF – Hoje em dia, eu não me cobro tanto por isso. Aprendi a tirar momentos de respiro durante o dia para dar uma oxigenada na mente e evitar que as cobranças me consumam.

Não tenho mais problemas em admitir que nem sempre consigo dar conta de tudo. Aprendi a delegar mais e a criar uma rede de apoio que me permite focar nos projetos com sucesso, sem abrir mão da minha vida pessoal. Isso me ajuda a dar mais atenção à minha família e a me dedicar a coisas que eu realmente gosto de fazer.

Como por exemplo, aos finais de semana eu evito marcar compromissos presenciais para ir a minha casa em Itu, onde eu me desconecto. Procuro, e tenho inclusive como um ‘to do’ fixo na agenda, viajar pelo menos uma vez no mês com a minha família, seja para Bahia, para um spa ou algum outro lugar que consigamos apenas aproveitar nossas companhias.

HB – Em uma sociedade que valoriza padrões estéticos irreais, qual a sua mensagem para mulheres que ainda se sentem pressionadas a corresponder a essas expectativas?

JF – Minha mensagem para as mulheres que ainda se sentem pressionadas a seguir esses padrões estéticos irreais é: se amem e se coloquem em primeiro lugar, sem vergonha e sem medo.

Eu sei que é difícil ser mulher em uma sociedade machista e desigual, mas nunca podemos deixar de lutar por nós mesmas e por todas as que abriram os caminhos para que hoje ocupássemos espaços tão importantes e que são nossos por direito.

Nunca deixe que alguém defina quem você é, seja pelo seu corpo, seu sotaque, suas marcas ou suas lutas. Cada detalhe, cada particularidade, é o que te faz única, e você merece ser exatamente quem sempre sonhou ser.

HB – A escrita de Empreendedora da Própria Vida trouxe algum novo aprendizado ou reflexão sobre sua própria trajetória? O que mais te surpreendeu ao revisitar sua história?

JF – Revisitar minha história foi um processo doloroso, uma vez que eu precisei reviver os traumas e desafios que enfrentei durante anos. Percebi o quanto amadureci como mulher, executiva, filha e mãe, especialmente após o falecimento do meu pai, quando tive que me tornar o sustento da casa.

O que mais me surpreendeu foi perceber como o julgamento sobre o meu corpo esteve presente em toda essa trajetória, mas isso só me fortaleceu para seguir em frente e lutar pelos meus sonhos.

E um aprendizado que eu tive, é que nenhuma vivência precisa ser individual, e que a minha história, ainda que seja diferente da de muitas mulheres, pode ajudar outras tantas a tirar do papel aquele desejo que guarda no coração.

HB – Você tem uma conexão forte com outras mulheres de destaque. Qual a importância de ter uma rede de apoio formada por outras mulheres de influência? Como essa união fortalece o movimento por equidade?

JF – O meu trabalho só é possível porque é um trabalho coletivo. Em todas as frentes que atuo, estou rodeada por mulheres e homens de diversas formações que compartilham da mesma visão. Uso minha rede de influência para disseminar causas coletivas, porque acredito que juntos somos mais fortes.

O B.O.D.Y., por exemplo, está totalmente conectado a ONGs e organizações sociais, e esse ano 30% dos ingressos foram destinados a integrantes desses grupos, também investimos em uma sala de mentorias que ajudam a formar e estimular pessoas a ocuparem espaços de destaque.

Além disso, eu recebo muitas personalidades e celebridades no evento, e todas vão acreditar no mesmo propósito que eu. Então eu vejo e acredito que essa união fortalece o movimento por equidade, pois quando nos unimos, mostramos que o sucesso de uma mulher não é uma ameaça, mas uma inspiração para todas.

HB – A sua história de sucesso é inspiradora para muitas pessoas. Se você pudesse voltar no tempo e conversar com a Ju Ferraz do início da carreira, o que você diria a ela?

JF – Se eu pudesse voltar no tempo e conversar com a Ju Ferraz do início da carreira, eu diria para ela não se cobrar tanto. Eu passava uma boa parte do meu tempo me martelando, preocupada com meu corpo e com o que os outros pensavam. Eu diria para ela que falhar é humano e que isso não define a sua competência e resultados.

Eu também a incentivaria a se olhar com mais carinho e a acreditar no seu potencial, porque ela tinha tudo o que precisava para chegar onde chegou, só precisava confiar mais em si mesma pois a jornada não seria fácil, mas ela tinha a força para enfrentar tudo. E por último, eu diria para ela não se deixar intimidar pelos padrões ou pelas expectativas dos outros.

HB – O mercado em que você atua é dinâmico e competitivo. Como você se mantém fiel aos seus valores e propósitos, mesmo quando o ambiente externo parece querer te moldar de outra maneira?

JF – Independentemente do projeto em que estou envolvida, é essencial que ele tenha um propósito real, algo que eu realmente acredite. Não consigo me dedicar a algo que não esteja alinhado com meus valores.

Uma das minhas estratégias é trazer pessoas diversas, aquelas que geralmente ficam fora do radar das grandes marcas, como parte do squad de uma campanha ou ação, para que possam assim mostrar todo o seu potencial, deixando claro que seus corpos não definem as suas entregas.

Apostando não só nisso, mas em práticas de grande impacto e transformação como um todo, eu consigo manter minha fidelidade aos meus princípios, mesmo em um mercado competitivo que tenta nos moldar de outras maneiras.

HB – Quais são as principais lições que as leitoras podem esperar do seu livro, especialmente aquelas que ainda estão no início de suas jornadas empreendedoras?

JF – Uma das grandes motivações para escrever esse livro foi justamente a vontade de passar adiante os ensinamentos que acumulei ao longo da minha trajetória, para que as novas gerações possam aprender com eles. Vejo tantas jovens talentosas que merecem ouvir essas histórias e lições.

No Empreendedora da Própria Vida, as leitoras não vão encontrar apenas uma autobiografia, mas um verdadeiro compilado de lições sobre autoestima, autoamor e os desafios que uma jornada empreendedora pode trazer. É um guia para quem está começando e quer se fortalecer para enfrentar as adversidades, sem perder a essência.

HB – O que mais te emociona quando pensa no impacto que seu livro pode ter na vida de outras mulheres? Existe algum relato ou feedback que já tenha te tocado profundamente?

JF – O que mais me emociona é saber que meu livro pode ajudar outras mulheres a se sentirem mais fortes e confiantes. Recebi relatos de mulheres que, ao lerem Empreendedora da Própria Vida, se sentiram renovadas, mais dispostas a acreditar no seu potencial e enfrentar os desafios.

E inclusive, esses feedbacks que eu recebo foi o que me motivaram a escrever o livro com uma perspectiva totalmente diferente. Lembro de uma pessoa que se apresentou a mim durante a 2ª edição do B.O.D.Y., perguntando se eu lembrava dela, e eu de imediato não me recordei. Ela me disse que em um dos dias mais dolorosos de sua vida, ela abriu a DM do Instagram e conversou comigo madrugada afora, e que durante aquele papo, eu a incentivei a empreender e a trabalhar com algo que amasse. E naquele dia em que nos encontramos, ela me disse que tinha tirado esse sonho do papel por minha causa.

Então, é esse o impacto que eu gerar, o de saber que a minha história pode inspirar e criar essa rede de apoio entre mulheres é o que mais me toca

HB – Qual dica você daria para quem está com baixa estima e querendo mudar por completo vida?

JF – A dica que eu daria é para toda mulher faça um mergulho profundo em si mesma, que é um processo não só de autoconhecimento, mas uma validação de quem somos, é sobre aceitar nosso corpo e alma, nos fazendo exercitar diariamente o autoamor. E eu vejo que isso faz toda a diferença para quem precisa se ver com mais carinho e generosidade.

HB – Para finalizar, gostaríamos de saber: qual livro, filme, música e série você indicaria para quem quer embarcar em uma jornada de autoconhecimento e empoderamento, como a que você propõe em Empreendedora da Própria Vida?

JF – Olha, é difícil pois eu amo muitos títulos e é difícil escolher um só, mas o filme eu indico o documentário ‘Martha’, que fala sobre a ascensão, queda e tentativa de volta ao estrelato de Martha Stewart; a série eu amo ‘A Vida e a História de Madam C.J. Walker’, que é estrelado pela Octavia Spencer e fala sobre a vida de uma mulher negra que luta contra a pobreza e diferentes desafios para se tornar uma empresária de sucesso; o livro é o ‘Busca de Mim’, da Viola Davis, que é uma mulher genial e que tem usado a sua posição em prol da luta por igualdade; e por fim, a música eu escolho ‘Dona de Mim’, da Iza, que fala sobre se impor e ser a protagonista da sua própria vida.