Bárbara Paz non-stop: a atriz e diretora será jurada do Festival de Veneza

Por Martha Nowill

Tenho a impressão de que, quando alcançam seus maiores sonhos, muitas pessoas não se dão conta do próprio feito. Passei algumas horas na companhia da Bárbara Paz e não consigo dizer se ela é uma dessas pessoas. Bárbara sabe que já foi para o Oscar? Bárbara sabe que um filme seu já ganhou prêmio no Festival de Veneza? Bárbara tem noção de que protagonizou umas das cenas mais lindas do cinema brasileiro dançando seminua na beira de uma piscina? Será que Bárbara se dá conta de que ela já fez tantas peças a ponto de eu não conseguir mais contar nos dedos todas as vezes que a vi no palco? Ela faz ideia de que seu trabalho como artista plástica foi exposto do outro lado do oceano? Será que devo telefonar agora para ela e me certificar de que ela sabe mesmo que será jurada da próxima edição do Festival de Veneza? É, talvez eu só esteja escrevendo este texto para que ela saiba, de verdade, que foi convidada para ser uma das cinco artistas a escolher o prêmio de melhor filme estreante num dos festivais mais importantes do mundo. Se ela não sabe, um dia saberá, é fato, coisas importantes demoram para serem decantadas. Mas talvez seja este o segredo para tamanha voracidade criativa e poder de realização: não saber. Ou fingir que não sabe.

Para quem me lê, é possível a impressão de que Bárbara, do alto de suas botas de plataforma, está, como dizem, com a vida ganha. Não é bem assim. Depois de muitos anos de contrato com a Globo e uma longa história com a teledramaturgia e o audiovisual brasileiro, ela vem priorizando, ou melhor, chafurdando em seu trabalho mais autoral. “Coisas que vêm de dentro” foi como descreveu a fase atual. E esse tipo de trabalho, muitas vezes, demora a ser remunerado, isso quando é. Mas, cada vez que isso acontece, Bárbara comemora. “Confiar no autoral” ela me disse, como se soubesse que eu estava precisando ouvir aquilo.

Na linha do seu horizonte, já consegue vislumbrar uma nova peça, depois de ler um ensaio sobre a loucura. Foi engraçado, porque, no dia em que tomamos café juntas, eu estava na véspera de uma grande mudança de casa e pus, junto com outros itens de primeira importância, esse mesmo livro na bolsa. Ou seja, quando tudo estivesse encaixotado e inacessível, eu queria o livro perto de mim. E quando Bárbara começou a falar da vontade de voltar ao teatro, possivelmente em um monólogo, tirei o exemplar da bolsa e esse foi o primeiro de muitos outros projetos que sonhamos juntas durante nosso breve e intenso café.

Bárbara também esteve por algumas semanas em Porto Alegre, documentando a cidade após a grande enchente. Choramos as duas na mesa quando ela me contou, de um jeito muito terno, sobre a alegria de alguns personagens ao reencontrarem seus objetos perdidos. Digo personagens, porque, ao começar a documentá-los, embora sejam pessoas reais, eles se tornam parte de uma obra de arte. Assim como Bárbara também se torna personagem do meu texto.

Depois do nosso café, minha personagem fará um tratamento dentário, ginástica, outra reunião e, antes do final do dia, ainda provará alguns looks para o festival. “Essa parte é divertida, né?” pergunto. Ela diz que sim, falamos um pouco sobre sua relação com a moda. “O meu gosto não é o do outro. Já fui vestida de um jeito que não era eu, para agradar. Agora, não mais.”

Gosto de como Bárbara se veste, apesar de amar o sol e morar do lado de uma cachoeira, parece estar sempre pronta para uma fina chuva na capital paulistana. É uma personagem, no sentido mais humano da palavra, sua vida, sua obra, mais contemporânea impossível.

Bárbara voltou transformada da capital gaúcha e já está editando “Rua do pescador n. 6”, título provisório do documentário. Faz questão de dizer que o filme retrata o “seu olhar” para o que aconteceu na sua cidade natal. “Muitas pessoas vão falar sobre e documentar o que aconteceu. Cada uma do seu jeito. E é importante que sejam muitos os relatos.” Bárbara me contou que, quando quis fazer um filme sobre seu parceiro, Hector Babenco, ele topou, desde que fosse “o seu olhar” (o de Bárbara) para ele. Parece óbvio, né? Se a gente vai fazer alguma coisa, é claro que será a partir do nosso olhar, certo? Não, não é assim que a banda toca. Estamos tão acostumados a ver o mundo a partir de outros olhares, que não os nossos, que imprimir nosso ponto de vista requer muita concentração e coragem. Qualidades abundantes na minha personagem, cujo olhar ainda vai conquistar uma infinidade de coisas, que eu não sei se ela vai saber que conquistou.

Deixamos o café recitando juntas “Dobrada à moda do Porto”, de Fernando Pessoa, cuja obra completa Bárbara leu aos dezoito anos e, ali, entendeu o poder da arte. “Mas se eu pedi amor, porque é que me trouxeram Dobrada à moda do Porto fria?”