
Bella Campos – Foto: Divulgação
Por Duda Leite
Imagine a vilã fashionista Maria de Fátima, falando com um forte sotaque cuiabano. É isso que acontece em Cinco Tipos de Medo, escrito e dirigido por Bruno Bini, que marca a estreia no cinema de Bella Campos, a intérprete da ex-influencer. O filme acaba de estrear no Festival de Gramado, e deve chegar aos cinemas ainda neste semestre. Cinco Tipos de Medo é baseado em histórias verídicas da capital mato-grossense, colecionadas durante anos pelo diretor e roteirista. É um filme episódico contado fora de ordem cronológica. As cenas de violência e o formato não linear criam uma conexão com Pulp Fiction, de Quentin Tarantino.
Apesar da vida ter levado cada uma para lugares bastante diferentes, Bella criou uma ligação muito forte com Marlene. “Esta poderia ter sido a minha história. Me reconheci na sua força e na vontade de tomar seu próprio protagonismo na vida. Somos duas mulheres pretas de Cuiabá lutando por nosso espaço”. Quem assistir ao filme irá se surpreender com seu sotaque carregado. “É uma felicidade imensa que o Brasil possa ouvir nosso sotaque”. Para Bella, foi um sonho realizado filmar na sua cidade natal. “Estava com muita vontade de fazer cinema. Então, quando surgiu esse convite para filmar em Cuiabá, foi muito bonito “, contou a atriz de sua casa no Rio, durante uma pausa nas gravações de Vale Tudo. Leia, a seguir, a entrevista na íntegra:
Harper’s Bazaar – Você nasceu em Cuiabá, e sua estreia no cinema nacional, acontece justamente com Cinco Tipos de Medo, um filme de um cineasta cuiabano, filmado em Cuiabá. Como foi para você essa volta às origens?
Bella Campos – Foi muito mágico, parecia um sonho. Eu queria passar um tempo em Cuiabá depois de Vai Na Fé e também tinha vontade de fazer cinema. De repente, surge um longa na minha cidade, e fiquei lá alguns meses. Foi uma reconexão profunda: fazia dez anos que não passava tanto tempo lá. Saí com 15 anos, nunca tinha vivido a vida adulta em Cuiabá. Voltar foi lembrar quem eu sou e de onde vim. O mais emocionante foi ver a cidade abraçando o projeto — de repente, o filme era “o filme da Bella”. E também dar voz a outros artistas da região, fomentando esse mercado. Ainda sinto que a ficha está caindo.
HB – O que a Marlene, sua personagem no filme, tem da Bella?
BC – A primeira conexão foi com a avó: fui criada pela minha, assim como a Marlene. Nossas histórias são diferentes, mas vi como a dela poderia ter sido a minha. Me reconheci na força e na busca por protagonismo. Vivemos em uma sociedade que tenta nos descrever, mas a Marlene não permite isso — e eu também não. Foi a personagem que mais se aproximou da minha realidade: duas mulheres pretas de Cuiabá. Ela tem um irmão mais novo, eu tenho uma irmã que é o amor da minha vida. E é uma felicidade imensa que o Brasil ouça nosso sotaque, algo que por muito tempo deixei de lado.
HB – O Bruno Bini me contou que durante as imagens você estava muito empolgada, e que ficava no set mesmo quando não eram as suas cenas.
BC – Eu e a Zoe (sua lulu da pomerânia). Ela também ficava no set comigo.

Bella Campos – Foto: Divulgação
HB – Você tem desejo de se tornar uma diretora?
BC – Engraçado você perguntar isso. Meu plano futuro é estar cada vez mais envolvida nas produções. Hoje vemos mulheres pretas ocupando espaços importantes diante das câmeras, mas ainda não tanto atrás delas, em cargos de direção, onde se decide de fato o rumo de uma obra. No set, fiquei muito próxima da Kity Feo, que era assistente de direção, e me apaixonei pela forma como ela conduzia cada detalhe. De volta ao Rio, fiz um curso de assistência de direção e, desde então, tenho pensado muito sobre como dar esse próximo passo. Como atriz, conquistei uma visibilidade grande e entendi que posso transformar isso em impacto real. Quero usar essa repercussão não só para minha carreira, mas para abrir caminhos e inspirar outras meninas que se reconhecem em mim. Já tive crises com a fama, porque não era esse o meu objetivo inicial, mas hoje enxergo minha voz como uma ferramenta de mudança. Isso tem feito muito mais sentido. Então, sim, tenho vontade de ocupar esse lugar também, mais ativa nas decisões e ajudando a movimentar o mercado de dentro pra fora.
HB – Quando assisti ao filme, fiquei muito impactado com sua interpretação. É um papel totalmente diferente do que você está fazendo em Vale Tudo. Você acha que este filme vai ser como um tapa de pelica para quem te criticou?
BC – Eu sinto e adoro isso. Adoro ser versátil e não tenho medo de arriscar. Estou adorando fazer a Maria de Fátima. Foram momentos difíceis, mas hoje estou orgulhosa dela: começou desengonçada, como eu propus, e agora se coloca no eixo de uma Roitman, usando o corpo como ferramenta. Não deixo o medo me paralisar. Posso fazer o óbvio, mas existe em mim uma inquietude que não aceita esse caminho — seria injusto comigo mesma. Em Cinco Tipos de Medo, a Marlene vem de outra linguagem. O público está acostumado a me ver em novela, onde gravamos até 17 cenas por dia e cada personagem tem um nicho definido. No cinema, o personagem é mais realista. Fiz ainda outro longa nessa mesma linha e fico feliz que, em tão pouco tempo de carreira, tenha conseguido transitar entre trabalhos tão diferentes.
HB – Qual é o outro filme?
BC – Por um Fio. É um filme um pouco mais comercial, baseado em um livro do Drauzio Varella.
HB – Você é cinéfila?
BC – Eu amo nossos filmes nacionais. Gosto de histórias contadas com calma. Um filme que mostre mais essa coisa do dia a dia, porque com o streaming as produções audiovisuais estão cada vez mais bombando. Entramos muito no fluxo de mega produções. Quando paro para ver um filme, gosto de ver coisas mais calmas.
HB – Quando eu vi Cinco Tipos de Medo, tanto a violência como a estrutura do roteiro me lembraram Pulp Fiction, do Tarantino. Você gosta dos filmes dele?
BC – Já ouvi isso, não foi uma referência direta do set, mas depois achei que faz sentido. A forma como foi construída a cena do tiro, aquela do sangue no porta-malas.
HB – Como está sua expectativa em relação ao Festival de Gramado?
BC – Sobre levar a premiação para casa ou não: óbvio que, se acontecer, vou ser a pessoa mais feliz do universo, mas só de termos furado essa bolha já é uma vitória. Meu coração já está muito feliz com a indicação — que já é muita coisa.
HB – Falando sobre representatividade, como está a repercussão da página Mary Faty Hair no Insta?
BC – Está bombando! Já republicamos mais de 230 meninas, mulheres e crianças. É até difícil acompanhar a quantidade de postagens, mas tem sido muito bonito ver esse movimento ganhar força. Não é só “o cabelo da minha personagem fazendo sucesso” — é sobre como outras mulheres estão dando voz a ele e se fortalecendo juntas. Eu nunca tinha usado esse corte, tive insegurança no início por falta de referências. A princípio, queriam liso, tipo Chanel, mas eu não me via assim. Arrisquei, cortei cacheado e, felizmente, a equipe abraçou a ideia. Isso mudou minha relação com o cabelo: hoje sou menos paranoica e deixo ele aparecer bagunçado, amassado, como na vida real. Esses detalhes criam uma conexão verdadeira com quem assiste.
HB – A Maria de Fátima tentou a carreira como influencer e acabou sendo boicotada pela família Roitman. Qual é a sua relação pessoal com as redes sociais?
BC – Já tive uma fase em que não gostava das redes, não sabia como usar de um jeito que fizesse sentido. Também não queria que isso ficasse maior do que o meu trabalho, mas percebi que era algo fora do meu controle. Passei a enxergar como ferramenta para fortalecer tanto o meu trabalho quanto a conexão com o público. Me tornei atriz antes de ter milhões de seguidores — na minha primeira novela já estava chegando a 1 milhão. Acho que essa conexão vem da forma leve e descontraída como me comunico. Parei de ver as redes como algo que pudesse me “nichar” e passei a usar como espaço de voz para mensagens que talvez não tivessem lugar em outros ambientes. Foi daí que também nasceu o movimento do Mary Faty Hair.
HB – E como está o clima na Mansão Roitman?
BC – Eu estou amando fazer. É muito cansativo — gravamos de segunda a sábado, até 11 horas por dia. É exaustivo, sim, mas a Maria de Fátima me dá tanta oportunidade de me divertir que é muito legal. Gosto de estar lá. Faltam dois meses e meio para acabar. É claro que não vejo a hora de tirar férias e ficar em casa sem fazer nada, mas está sendo muito divertido e já bate uma nostalgia no coração.
HB – Quem matou Odete Roitman?
BC – Esta semana começaram a entrar cenas secretas. Estamos curiosos, mas ninguém sabe ainda. São cenas que vão ser reveladas dois, três dias antes de gravar. Ainda não sei como vai ser esse esquema, mas está todo mundo curioso. Ninguém sabe de nada. Mas não foi a Fátima, não — se fosse, ficaria muito óbvio.
BC – Ai, amiga, a primeira coisa é ficar sem fazer nada. Preciso respirar, tomar um fôlego, viajar, voltar pra Cuiabá e passar um tempo lá. Faz dez anos que não consigo me desconectar por muito tempo, então quero aproveitar esse intervalo para me reconectar comigo e com a minha cidade. Projetos sempre existem, mas é importante escolher com calma. Quero trabalhos que me permitam mostrar essa versatilidade que a gente comentou, que me desafiem e ampliem minhas possibilidades. Também quero observar a recepção do filme, porque isso certamente vai influenciar meus próximos passos.
Tenho pensado muito em estar não só diante das câmeras, mas também por trás delas, e já comecei a me preparar para isso. Então, tenho muitos desejos, mas nenhuma pressa. Prefiro viver um processo de cada vez, porque em dois meses muita coisa pode mudar. Estou estudando quais caminhos podem ser mais certeiros para este momento da minha carreira — sem abrir mão do espaço para respirar e sentir.