Construction Reconstruction Construction. Fotografia Modernista Brasileira
(1939–1964). 2025-CONS-01. Ademar Manarini. Untitled, 1950. Uma das fotografias expostas no Recontres d’Arles. Cortesia de Heitor and Vera Lúcia Manarini.

Por Feli e Pepita

O verão europeu chega com brilho especial ao sul da França. Em Arles, cidade histórica da Provença, a fotografia volta a ocupar ruas, praças e espaços culturais na 56ª edição do Rencontres d’Arles, um dos mais importantes festivais de fotografia do mundo. Até 5 de outubro, dezenas de mostras celebram a força da imageme a sua capacidade de provocar debates e abrir horizontes.

Este ano, dois países dividem o protagonismo: Brasil e Austrália. A escolha não é aleatória. Em tempos marcados por crises ambientais, transformações sociais e discussões sobre diversidade, os dois países trazem à cena olhares distintos sobre comunidades, tradições e mudanças culturais. O resultado é uma programação que mistura crítica, memória e esperança.

Foco nas comunidades

2025 – RETR – 02. Afonso Pimenta / Retratistas do Morro Renatinha’s 6th Birthday, Serra Community, Belo Horizonte, MG, 1987. Cortesia do artista.

Um dos pontos altos é a expo “Retratistas do Morro”, na Croisière, em Arles. Sob curadoria de Guilherme Cunha, o público tem acesso a um acervo precioso de negativos de João Mendes e Afonso Pimenta, fotógrafos que registraram o cotidiano da comunidade da Serra, em Belo Horizonte, desde os anos 1960. São cenas de aniversários, bailes de soul, retratos de jovens e famílias. Mais do que simples imagens, trata-se de uma narrativa visual de um Brasil pulsante, retratando a vida em uma das maiores e mais antigas favelas do País.

Vanguardas brasilianas

2025-CONS-02. José Yalenti. Paralelas e Diagonais [Parallels and diagonals], circa 1950. Banco Itaú Collection. Cortesia da Família Yalenti.

Na La Mécanique Générale, a exposição Construction, Deconstruction, Reconstruction revisita o legado do Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB), fundado em São Paulo,em 1939. O grupo, formado por fotógrafos amadores, revolucionou a linguagem visual nacional, aproximando fotografia de movimentos como o concretismo e o neoconcretismo. Em Arles, o público encontra imagens arquitetônicas, montagens ousadas e experimentações que marcam o momento em que o Brasil se projetava como laboratório criativo de ideias modernas.

Memória, moda e ativismo

2025-BATT-01. Letizia Battaglia. Rosaria Schifani, viuva do segurança Vigo Schifani, morto junto ao juíz Giovanni Falcone, Francesca Morivillo, e seus colegas Antônio Montinaro e Rocco Di Cillo, Palermo, 1992. Cortesia do Archivio Letizia Battaglia.

Além do Brasil, a programação ainda abre espaço para grandes nomes da fotografia mundial. A italiana Letizia Battaglia ganha uma retrospectiva emocionante sobre sua produção em Palermo, marcada por registros da máfia e da vida cotidiana na Sicília dos anos 1970. O ícone da moda Yves Saint Laurent é celebrado em uma apresentação que une trabalhos de mestres como Richard Avedon, Irving Penn e Paolo Roversi, destacando a relação profunda entre moda, arte e fotografia. Também há espaço para outra atração de peso: Nan Goldin, que exibe sua instalação Stendhal Syndrome”, na Église Saint-Blaise, unindo retratos íntimos a obras clássicas. Reconhecida por sua postura militante, Goldin recebeu em Arles o Women in Motion Award, prêmio que celebra sua contribuição para o universo das artes visuais.

Festival de olhares

Pôster do Rencontres d’Arles. Foto – divulgação.

O Rencontres d’Arles reafirma seu lugar como palco global da fotografia, onde passado e presente interagempor meio da imagem. Para o Brasil, é também uma oportunidade de destacar artistas e narrativas que costumam permanecer à margem do circuito internacional.Ao circular entre mostras que vão da favela mineira às passarelas parisienses, o visitante percebe como a fotografia pode ser, ao mesmo tempo, denúncia, poesia e memória. Em cartaz até outubro de 2025. Para encontrar mais informações: @rencontresarles.

* Feli e Pepita são artistas e fotógrafos alemães, conhecidos por suas imagens inovadoras e forte senso de narrativa. Seus trabalhos incluem instalações, música e performances. Atualmente, a dupla está envolvida na criação da expo “In My Room”. @feliandpepita