Castiel Vitorino Brasileiro

Castiel Vitorino Brasileiro

A história de Castiel Vitorino Brasileiro se entrelaça com a do Carnaval de Vitória, no Espírito Santo. Criada no bairro onde nasceu a primeira escola de samba da capital capixaba, Unidos da Piedade, ancestralidade, musicalidade e instrumentalidade da festa popular são referências lúdicas no seu fazer artístico, somados à capoeira e ao congo (manifestações da cultura bantu-brasileira). Cresceu com os familiares ocupando papéis importantes dentro da agremiação e esse compromisso e respeito com o fazer manual e materialização dos sonhos sempre ajudaram a transformar o cotidiano em arte. “Na adolescência, tinha relação com a moda e a aquarela”, recorda. “Desenhava e costurava minhas próprias roupas”.

Convidada para a 35ª Bienal de São Paulo, que ocupa o prédio localizado no Parque do Ibirapuera a partir de 6 de setembro e segue até dezembro, a artista apresenta uma instalação com diferentes elementos a partir do tema: Coreografias do Impossível, que amarra esta edição. “Minha obra e todo o meu trabalho tenta, de alguma forma, mostrar que nada é impossível. Se dizem isso para mim, tento mostrar o contrário”, resume. “Tem pintura, instalação de alvenaria e elementos que estão no meu ofício há algum tempo, como fertilidade, o mar, os copos de vidro”, antecipa parte do trabalho ainda sem nome. Retrata a intolerância religiosa contra crenças afro-brasileiras no século passado, quando objetos eram depredados ou confiscados pela Polícia Civil – e vêm sendo devolvidos aos terreiros.

No final do ano passado, Castiel foi para Pirapora, no interior de Minas Gerais, cidade conhecida por seu trabalho com uso da madeira. Meses depois, um amigo conseguiu um barco afundado – que por anos foi utilizado para pesca –, feito por um marceneiro ribeirinho, e estará em exposição. “Queria mostrar elementos primários, como ferro, terra e carvão com conexão direta às minhas aquarelas, além de água, copos de vidro, metais e toras de madeira”, enumera. Esta obra representa as mutações e transfigurações da vida ao longo da jornada. “Apresento elementos in natura e, na mesma obra, como se transformam em outra coisa”.

Castiel Vitorino Brasileiro | Divulgação

Castiel Vitorino Brasileiro | Divulgação

Aliada à formação acadêmica em Psicologia, na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), e mestrado em psicologia clínica na PUC-SP, a arte é a materialização do que se propõe na academia: o estudo. Ainda na faculdade passou na primeira residência artística, no Afrotranscendence de São Paulo, sob curadoria de Diane Lima, em 2016. E teve de escolher qual caminho seguir. Mas isso não quer dizer que a terapia clínica não seja evocada em seus trabalhos, visto que o processo de intimidade é o mesmo de quando começa a se abrir com um terapeuta. “São anos de processo”, garante. Com interpretação e bastantes referências, só depois parte para a criação. Da escolha dos materiais aos temas de suas obras, tudo vem da pesquisa. Essa, sim, é sua assinatura. “Relação de respeito e cuidado através da cura”.

Ano passado, a artista debutou internacionalmente com sua primeira exposição individual na Galeria Mendes Wood DM de Nova York, intitulada Relembre-se de quando Conversamos sobre nosso Reencontro. A mostra contava com instalação, falava sobre promessas e reunia materiais como a terra. “Coisas brotam e surgem novas vidas”, exemplifica. “Ela também acolhe o fim, a morte, a degradação”. As bandeiras apresentadas também traziam poemas, feitas a partir da técnica de sobreposição, com várias camadas de pinturas e escritas. “Palavras que vão se sobrepondo umas às outras e, também, desenhos como pontos riscados de umbanda”. Iniciada na religião de matriz africana, estuda há alguns anos os cosmogramas simbolizando as entidades afro-brasileiras. “Por trabalhar com o abstrato, desenvolvo os meus próprios pontos, com histórias sendo contadas ali”.

Aos 27 anos, a artista ainda tem uma obra instalativa chamada Quarto de Cura (2018), que já foi montada cinco vezes, com várias obras reunidas em um mesmo lugar: desde esculturas em cerâmica a pinturas, onde confronta o espectador e o convida à reflexão. Além da Bienal, em setembro ela participa da mostra Museu das Origens, no Instituto Tomie Ohtake com obras da série Kalunga: a origem das espécies – uma força da Umbanda sobre transmutação. “Espaço entre morte e vida, como o espaço uterino. Transformação metamorfósica”, filosofa. Na primeira parte do projeto, morou três meses em Marrakech, viajando para lugares desertos, como o Sahara, a fim de entender como as pessoas constroem suas vidas em um lugar onde a água não está em abundância. Depois de ter estudado em Marrakech sobre religiosidade e espiritualidade a partir da oração, e tendo visitado cidades onde o obras de arte, pinturas, tapeçaria e óleos essenciais são carro-chefe, vai transformar seu ateliê no Morro da Fonte Grande (Vitória), no instituto Digamella de de medicina, musicalidade, estética e filosóficas afro-brasileiras e indígenas. É o seu jeito de agradecer o conhecimento recebido até agora e fazer com que crianças, jovens e adultos tenham acesso à ancestralidade de modo gratuito. Xixê, ou, que assim seja.

Castiel Vitorino Brasileiro | Divulgação

Castiel Vitorino Brasileiro | Divulgação