Foto: Ricardo Konka

Depois de ter brilhado na pele de Zefa, mãe de Roberval (Fabrício Boliveira), na novela “Segundo Sol”, da TV Globo, e de ter sido indicada ao Prêmio Melhores do Ano como Atriz Revelação pelo programa “Domingão do Faustão”, Claudia Di Moura está de volta à TV em “Cara e Coragem”, também na Globo, no papel de Martha Gusmão, poderosa dona de uma siderúrgica e mãe dos personagens de Ícaro Silva e Tais Araújo. “É um desafio novo, algo que me chamou a atenção desde que recebi o convite para a novela, por trazer a oportunidade de realizar um papel distante dos estereótipos historicamente associados à pele negra, de miséria, subserviência ou superação”, diz.

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Além da atual trama das 19h, a atriz também pode ser vista na quarta temporada de “Sob Pressão” (Globoplay) como Dona Maria, personagem que, segundo Lucas Paraizo, autor da série, pode ser considerada a “avó do Brasil”.

Ainda na TV, Claudia  já participou de projetos como “A Postos” (TV Futura), “Destino Salvador”, minissérie da HBO dirigida por Luciano Moura, “Na Pegada” e “Música da Minha Vida”, ambas dirigidas por Gabriela Barreto.

No cinema, depois de ter atuado em mais mais de 20 filmes, a atriz estará em duas novas produções: “Terapia da Vingança”, dirigido por Marcos Bernstein, com estreia prevista para este ano, e em “Arcanos”, nome provisório do longa que foi gravado no Maranhão. Na trama, Claudia dará vida a Nazaré, irmã de Fátima, vivida pela protagonista Lilia Cabral.

Baiana, de Salvador, a atriz começou sua carreira em 1986 e, desde então, possui uma trajetória também consolidada no teatro baiano. Durante seus trabalhos já atuou com os grandes nomes de seu estado e ganhou diversos prêmios por suas interpretações. Entre eles, estão o Prêmio Braskem de Melhor Atriz por sua atuação no espetáculo “Policarpo e Quaresma”, dirigido por Luiz Mafuz, em 2008, e o prêmio de Melhor Espetáculo do Festival Nordestino de Guaramiranga pela montagem de “O Galo”, produzida por Claudia em parceria com Lúcio Tranchesi, no ano de 2007.

Sobre a representatividade de atores negros em papéis de poder, a atriz diz que brancos ainda têm prioridade. “Ainda é algo muito frágil e incipiente. Prova disso é que papéis como Martha, Clarice [Tais Araújo] e Leonardo [Ícaro Silva] ainda são vistos como exceção e dignos de alguma celebração, porque atrizes e atores brancos ainda têm prioridade na distribuição de papéis de poder.”

Foto: Ricardo Konka

Leia a seguir entrevista que Bazaar fez com a atriz.

Voltando lá atrás, como começa sua carreira de atriz?

Minha missão como atriz foi engendrada pela necessidade de me expressar a despeito da segregação praticada dentro da Igreja Católica, que me impedia de exercer o sonhado papel de anjo nas dramatizações festivas da minha infância. Contra esse apagamento, eu comecei a fazer recitais na rua, nas casas de vizinhos e de amigos, e isso foi adquirindo outras proporções e chamou atenção de minha mãe, minha maior apoiadora, que passou a investir naquilo que ela vislumbrava junto a mim como minha futura carreira. E, ainda hoje, sigo desafiando o silenciamento por meio da minha voz.

O que estudou?

Sou uma atriz autodidata, não tenho formação acadêmica em artes cênicas. Me aprimorei através do próprio ofício, na escuta de grandes mestres com os quais tive e tenho chance de dividir a cena. Faço minhas leituras e meus estudos com interesse em compreender mais sobre os mecanismos pelos quais o mundo funciona e como as pessoas interagem, e essa observação da realidade me ajuda incessantemente na construção das minhas personagens.

Foto: Ricardo Konka

Como tem sido a repercussão de Martha Gusmão em “Cara e Coragem”?

Martha tem gerado uma repercussão interessante, pela atuação, pelos looks, pelas contracenas, mas acima de tudo pela representatividade. Os feedbacks de reconhecimento são constantes, as pessoas sempre vibram com o status que essa mulher negra, livre e bilionária simboliza, e eu procuro conferir naturalidade na interpretação. Tenho recebido muito carinho do público, que se sente acalentado pela imagem positiva que ela oferece, e isso tem sido bastante gratificante.

Como se preparou para o papel?

Foi um exercício de corpo e voz aprofundados, um retrabalho da emoção na busca pela sutileza, uma firmeza delicada, que se impõe sem subir o tom. Usei como referência mulheres negras em posição de poder e alvo de grande admiração, como Glória Maria, Michelle Obama, Viola Davis e a própria Tais Araújo.

Como é fazer uma mulher rica e bem-sucedida na trama das 19h?

É um desafio novo, algo que me chamou a atenção desde que recebi o convite para a novela, por trazer a oportunidade de realizar um papel distante dos estereótipos historicamente associados à pele negra, de miséria, subserviência ou superação. Martha nasceu rica, tem sua fortuna justificada e opta por assumir o cargo de máximo poder dentro da própria empresa após a morte da filha.

Como vê a representatividade negra no audiovisual?

Ainda é algo muito frágil e incipiente. Prova disso é que papéis como Martha, Clarice e Leonardo ainda são vistos como exceção e dignos de alguma celebração, porque atrizes e atores brancos ainda têm prioridade na distribuição de papéis de poder.

Foto: Ricardo Konka

Acha que ainda falta espaço?

Espaço não falta, o que falta é sermos escalados de maneira igualitária para ocupar esse espaço na ficção.

Como encara a questão do etarismo?

Sou privilegiada por ter ingressado na televisão já depois dos cinquenta e interpretar personagens tão diversas. Quero continuar atuando por muitos anos e atraindo papéis cada vez mais complexos e desafiadores.

Você é feminista? Se sim, como se posiciona frente a esse tema?

Sou feminista e sou negra, e esse recorte muda bastante a minha perspectiva. Embora eu seja solidária a todas as mulheres, entendo que a luta das mulheres negras na nossa sociedade esbarra em obstáculos de outra natureza. Somos oprimidas em virtude tanto do gênero quanto da cor da pele, e não é possível para nós descansar de uma batalha antes de assumir a outra, porque são adversários que nos atacam todo o tempo.

Como vê o atual momento da arte no Brasil?

Estamos num momento delicado, de desmonte sistemático dos instrumentos públicos de fomento à cultura, demonização das leis de incentivo e precarização da qualidade de vida dos artistas independentes. A livre expressão artística é um dos pilares de um regime democrático, e esse conjunto de medidas pelo nosso silenciamento é apenas mais uma face do perigo que temos enfrentado.

Acha que uma mudança de governo pode melhorar a situação dos artistas?

A mudança é urgente, precisamos retomar o caminho da iluminação, da busca pela verdade, do apreço à ciência e da valorização da vida.

Quais são os próximos projetos? Vem teatro, cinema ou streaming pela frente?

Tenho projetos em teatro e em audiovisual para o futuro, projetos onde posso expressar ainda mais a minha identidade e explorar meu repertório, em parceria com pessoas de grande talento e da minha extrema confiança.

Foto: Ricardo Konka

Como lida com as redes sociais, acha um canal importante para comunicação?

As redes sociais são uma ferramenta fundamental para todos que querem empreender e ter algum tipo de controle sobre a gestão de suas carreiras, porque é um veículo de acesso imediato ao público, sem intermediários. Ser responsável pela geração de seus próprios conteúdos traz ao mesmo tempo liberdade e compromisso, principalmente para aqueles cuja imagem é instrumento de trabalho. Esse contato tão próximo com os fãs, porém, faz todo o empenho valer muito a pena.

Você é ligada em beleza, como cuida da pele e do corpo?

Meu maior cuidado é fazer com que minha aparência traduza minha liberdade de espírito e de pensamento. Eu sou feliz em minha madureza, e meu sorriso reflete toda essa felicidade.