
Por Marilia Neustein
Quem vê hoje a bandeira de Israel usada por determinados grupos políticos nem imagina que, em 1909, quando Efratia Gitai nasceu naquela região, o estado judeu era apenas uma ideia distante de ser concretizada. A fundação do país, misturada com os desafios das mulheres daquela época, são alguns dos temas tratados no livro “Em Tempos Como Estes” – publicado pela primeira vez em português pela Ubu editora – com as cartas de Efratia, mãe de um dos maiores cineastas israelenses da atualidade, Amos Gitai.
O lançamento acontece, nesta quarta-feira (23.10), como parte da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com leituras das cartas interpretadas por Bárbara Paz, Regina Braga, Camila Márdila e Gabriel Braga Nunes. O evento, no Teatro Unimed, conta com apoio do Instituto Brasil Israel.

As correspondências, que datam de 1929 a 1994, revelam o caráter intelectual, feminista e visionário de Efratia, com uma linguagem pessoal e engajada. Há desde discussões discordando das posições políticas de seu pai, até a descrição de como foi ter assistido, in loco, o lançamento do filme Luzes da Cidade, de Charles Chaplin, em 1931. Renata Almeida, organizadora da Mostra internacional de Cinema de SP e idealizadora da tradução do livro no Brasil, revela que se impressionou muito com a energia de Efratia impressa nas cartas “Os textos são maravilhosos, mostram a mudança que se passa na vida dessa mulher, de seus ideais e de suas relações afetivas”.

Na abertura do livro, escrita pelo filho Amos, ele afirma resolveu publicar as cartas da mãe, na tentativa, também, de compreender o destino de seu país. “Efratia, como as mulheres de sua geração nascidas em Israel, não é uma mulher da diáspora. Não é também israelense. Israel ainda não existe. Essa geração vai inventar sua pertença”, afirma. As cartas também evidenciam o caráter socialista que Efratia compartilhou em sua juventude. Foi membro do movimento sionista de esquerda Hashomer Hatzair e mandou o filho viver em um kibbutz, uma espécie de comunidade coletiva que foi muito presente na formação daquele país.

Para Florencia Ferrari, da Ubu editora, publicar as cartas de Efratia só engrandece a literatura feminista. “Quando li as correspondências fiquei bem surpreendida e impressionada com a história dela, tão a frente de seu tempo, cheia de coragem e personalidade”, diz. A afirmação não é à toa. No livro, ela narra como foi, em 1930 – período hostil para os judeus na Europa – ter ido estudar em Viena, para “não se sentir provinciana”, ao lado de quatro amigas, Yardena Cohen, Yemima Tchernovitz, Leah Kassel e Hanka Weinberg. Segundo declarações do filho, Amos, essas mulheres “não temiam nada”. Na Áustria, tiveram contato com a psicanálise de Freud e com outros pensadores. No entanto, com a ascensão de Hitler e da ideologia nazista, resolveram voltar para casa. “Em tempos como estes, não temos escolha a não ser ir em frente e continuar vivendo”, afirma em um de suas cartas. Em 1960, volta para Inglaterra para estudar psicologia, ao lado do marido, que integrou a escola Bauhaus de arquitetura.
As cartas chamaram a atenção de ninguém menos que uma das maiores estrelas do cinema francês, Jeanne Moreau. A atriz lotou o teatro Odeon, em Paris, para leitura das cartas, quando o livro foi lançado na França, no ano passado pela editora Gallimard. Indagada sobre Efratia, a atriz não hesitou em defini-la como “grande leitura, intelectual e viajante”.
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