Paula veste full look Gucci | Foto: Leca Novo

Primeira mulher a presidir o Inhotim, Paula Azevedo destaca o simbolismo e a responsabilidade de sua posição, ressaltando a importância da igualdade de gênero no mercado de trabalho. “Ocupo essa posição com a certeza de que não sou a única e que outras virão depois de mim”, conta à Bazaar. Na noite deste sábado (31.08), o maior museu a céu aberto do mundo realiza um jantar beneficente para levantar fundos para a instituição. “Estamos trabalhando focados em democratizar o acesso, melhorar a experiência do visitante e em fortalecer vínculos com o território.”

“Estamos desenvolvendo políticas essenciais para o futuro, incluindo diretrizes de acessibilidade, compliance e acervo. Essas políticas são cruciais para garantir que o Inhotim se mantenha alinhado com os avanços contemporâneos e sirva como referência para outras instituições”, reforça a presidente. No papo a seguir, ela fala sobre como Inhotim se prepara para seu 20º aniversário com a construção do Centro de Documentação e Memória e diversas iniciativas para democratizar o acesso e fortalecer os vínculos com o território. Paula também compartilha sua visão sobre o processo de institucionalização de Inhotim, que busca garantir sua perenidade, envolve a criação de um fundo patrimonial e a implementação de políticas de diversidade e sustentabilidade. Scroll!

Harper’s Bazaar – Quando anunciaram você como presidente de Inhotim, veio aquela frase: “a primeira mulher a dirigir o maior museu a céu aberto do mundo”. Passados os primeiros meses, é um desafio, um peso ou apenas um disclaimer que acompanha as mulheres no mercado de trabalho?
Paula Azevedo – Carrega um simbolismo poderoso de abertura de caminhos. As mulheres têm uma longa história de luta por igualdade, tanto na sociedade quanto no mercado de trabalho. Ocupo essa posição com a certeza de que não sou a única e que outras virão depois de mim. Organizações e empresas que promovem a igualdade, ao manterem transparência e implementarem planos justos de cargos e salários, garantem que as pessoas sejam reconhecidas por seu conhecimento e experiência, e não pelo gênero. Com orgulho, sob minha liderança, o Inhotim aderiu ao programa Empresa Cidadã, ampliando as licenças maternidade e paternidade. A iniciativa não só reflete nosso compromisso com a igualdade e o apoio às famílias, mas valoriza e promove práticas justas e inclusivas.

HB – Você passou dois anos como vice-presidente da instituição até chegar à presidência. Sob sua liderança, o museu completará 20 anos em 2026. Como estão estes preparativos?
PA –
Em grande estilo. Um dos principais pontos que estamos trabalhando é a construção do Centro de Documentação e Memória (Cedoc), que visa organizar, preservar, e divulgar a história e a memória da instituição e de seu fundador Bernardo Paz. Estamos trabalhando focados em democratizar o acesso, melhorar a experiência do visitante e em fortalecer vínculos com o território.

HB – A Paula pessoa física tem o sonho de trazer algum artista ou exposição para Inhotim? Como colecionadora, quem faz parte deste seu arsenal criativo?
PA –
Minha coleção é repleta de afetos. Ela conta minha história em cada trabalho que foi adquirido, no momento de vida em que eu estava, e reflete a construção entre meus caminhos pessoal e profissional. Os trabalhos e artistas com os quais eu convivo na minha casa não estão lá por acaso. Posso citar alguns, como: Carlito Carvalhosa, Dalton Paula, Jaime Lauriano, Sandra Cinto, Artur Lescher, Jac Leirner, João Farkas, Megumi Yuasa, Véio, entre outros que não tive a sorte e a oportunidade de conhecer, como Mira Schendel e Ubi Bava, por exemplo. Tenho refletido muito sobre colecionismo, inclusive o institucional, e sobre as lacunas históricas que existem, sobre representatividade e o acúmulo de obras nas reservas técnicas. Muitos museus têm revisto suas políticas de acervo, de aquisição e de descarte, visando aprimorar a sua vocação institucional. Esse é um movimento importante e necessário para o futuro das instituições.

HB – Inhotim vem passando por uma institucionalização. Em outras palavras: tornou-se mais independente financeiramente. Queria que me falasse um pouco desses desafios e percalços no meio do caminho…
PA – O Inhotim, fundado por Bernardo Paz para compartilhar sua coleção artística e botânica, passa por um processo de profissionalização para garantir sua perenidade, alinhando-se às melhores práticas de gestão, governança e sustentabilidade financeira. Reestruturamos o Conselho Deliberativo e Fiscal, revisamos as políticas de compliance, otimizamos a captação de recursos e criamos um comitê de equidade racial, além de um fundo patrimonial (endowment) para garantir a manutenção e expansão das atividades. O principal desafio dessa reestruturação é lidar com as complexidades de ser um museu e jardim botânico fora dos grandes centros urbanos, exigindo a criação de benchmarks próprios.

HB – Pelo que você quer que sua gestão seja lembrada, no futuro?
PA – Pelo profissionalismo, pela transparência e pela cooperação. Sou comprometida com a diversidade, acessibilidade e inclusão. Acredito que os princípios fundamentais da gestão devem ser normas e valores que orientam a organização e que devem ser implementadas em seu cotidiano. Recentemente, tivemos a oportunidade de revisar a Missão, Visão e Valores do Inhotim. Esse processo foi extremamente enriquecedor, envolvendo muitas pessoas em debates e escutas que resultaram em um alinhamento robusto e colaborativo. Estamos desenvolvendo políticas essenciais para o futuro, incluindo diretrizes de acessibilidade, compliance e acervo. Essas políticas são cruciais para garantir que o Inhotim se mantenha alinhado com os avanços contemporâneos e sirva como referência para outras instituições.

HB – Diversidade é uma das frentes de sua gestão. Como são pensadas as programações e até mesmo colaboradores e equipes de trabalho?
PA – A diversidade é um pilar essencial para criar um ambiente inclusivo e inovador no Inhotim. Estamos realizando o Censo de Diversidade para entender melhor quem são as pessoas que colaboram conosco. Esses dados serão fundamentais para desenvolver políticas internas que promovam um ambiente de trabalho mais justo, produtivo e inclusivo, ajudando a moldar o futuro da instituição.

Foto: Getty Images

HB – Quando precisa tomar alguma decisão importante ou relaxar, tem algum canto no museu que você recorra?
PA – O Inhotim mexe comigo a cada dia de maneira diferente. Há dias em que sinto necessidade de estar mais próxima a natureza e busco caminhar pelo jardim, outros em que preciso de momentos de contemplação, e outros ainda em que é necessária uma provocação, um novo olhar a uma obra já conhecida. Há obras que me acolhem, como a de Rivane Neuenschwander, Continente/Nuvem (2008) e outras que me provocam e me instigam a pensar de forma diferente, como a obra Através (1983-89), de Cildo Meireles.*

HB – Além da diversidade, um tema recorrente das artes tem sido a preocupação com sustentabilidade e meio ambiente. Como Inhotim tem se atualizado nestas questões?
PA – Em 2024, o Inhotim se tornou o primeiro jardim botânico no Brasil a receber a certificação do BGCI (Botanic Gardens Conservation International), atestando sua conformidade com os mais altos padrões internacionais de conservação da flora. O Instituto desenvolve pesquisas para proteger espécies raras e ameaçadas, além de atuar na restauração de ecossistemas. Entre as iniciativas de sustentabilidade, destacam-se o projeto Plástico Zero, que eliminou o uso de copos descartáveis, e a meta de neutralizar o carbono na área do Inhotim. O evento Anoitecer Inhotim, por exemplo, foi o primeiro com selo carbono neutro, seguindo normas internacionais para gestão sustentável de eventos.

BH – Qual a importância de se ter eventos de grande público, como o Anoitecer e o Meca, com programação de shows? Tem algum formato que adoraria implementar, mas ainda não achou um parceiro?
PA – Eventos musicais atraem um público amplo e diverso ao Inhotim, evidenciando a força do nosso programa artístico, que expande o diálogo entre arte e música, oferecendo experiências únicas. Repetir atrações musicais ao público, no domingo (01.09), amplia o alcance cultural e promove inclusão. Em julho, realizamos nosso primeiro festival de música, Jardim Sonoro, com uma programação diversificada de artistas brasileiros e internacionais.

No line-up, nomes icônicos como Paulinho da Viola, Sambas do Absurdo, com Juçara Marçal, Gui Amabis, Rodrigo Campos e Regis Damasceno, Aguidavi do Jêje, além de artistas internacionais como Ballaké Sissoko & Vincent Segal, Joshua Abrams & Natural Information Society, Kham Meslien, Zoh Amba e Kalaf Epalanga. O evento foi um sucesso, com ingressos esgotados e palcos estrategicamente posicionados em marcos do Inhotim. O valor dos ingressos foi o mesmo da entrada regular.

HB – Qual a maior lição que aprendeu com as artes? E o que diria para quem quer começar e, no passado, você não foi alertada e adoraria que as pessoas soubessem?
PA – Aprendi muitas coisas sobre arte e paralelamente sobre pessoas na minha trajetória profissional. A maior e mais importante delas é que é preciso ter coragem e estar aberta para lidar com a arte. Ela trata do coletivo e do pessoal concomitantemente. Vou deixar aqui uma frase que sempre revisito sempre que preciso, da grande artista Denise Fraga: “A arte faz melhor as pessoas e com ela entendemos a imperfeição humana”.

Foto: Getty Images