Por Carollina Lauriano
Julho foi um mês agitado para Lia D Castro. Na primeira semana, a artista inaugurou a mostra “Lia D Castro: em todo e nenhum lugar”, no Museu de Arte de São Paulo (MASP), que reúne uma série de pinturas e registros fotográficos desenvolvidos por ela desde 2017. No final do mês, a exposição “Lia D Castro: O espaço do corpo” apresentará uma instalação inédita da artista no Museu Paranaense (MUPA).
Com abordagem tanto intelectual quanto ativista, o trabalho vem despertando interesse por interseccionar as relações de raça, classe social e sexualidade, abordando as maneiras como o afeto e o cuidado podem ser importantes ferramentas de transformação social. “Partindo da visão de Frantz Fanon de que o racismo é uma repetição, proponho combatê-lo repetindo imagens. Como imagem constrói cultura e memória, ao colocar uma obra dentro da outra, busco criar novas referências estéticas.”
Com uma investigação profunda acerca da subjetividade, a artista desenvolve seus trabalhos a partir de encontros sexuais que mantém com homens cisgêneros – sendo uma parcela considerável branca, de classes média a alta e heterossexuais – subvertendo as relações de poder que possam surgir dessas relações. “Uso a prostituição não somente como fonte de renda, mas como forma de educação dos meus clientes. Quando eles voltam duas, três vezes, proponho que os encontros se transformem em lugares de novas trocas. Leio para eles livros que vou adquirindo a partir do dinheiro dos programas. Quero entender como o embranquecimento leva ao racismo, ou mesmo usar esse espaço para o letramento racial dos meus cliente negros.” Com isso, Lia D Castro segue transformando sua produção artística em uma discussão sobre como acolher a vulnerabilidade do outro e transformá-la em “um espaço de despertar crítico e de dor”, assim como Bell Hooks definiu a construção do amor em seu livro “Tudo Sobre o Amor”.

Lia D Castro posa ao lado do filho, Magno Queiroz, e do pet Tobias. Além das pinceladas marcantes, Lia usa esparadrapo sobre suas criações – Foto: Camila Guermandi
As transformações que Lia vem propondo, por meio de suas obras, também perpassam pelo direito à existência, o resgate da humanidade e a busca pela liberdade de sujeitos, corpos e grupos sociais que sempre estiveram à margem. Assim, surge a fotografia acima. Posando ao lado do filho, Magno Queiroz, e do seu cachorro Tobias, a foto foi clicada com um único pedido: “já que arte e moda trabalham construindo imagem, com esse retrato pretendo ressignificar não só o conceito de família, mas colocar um corpo negro e transexual em um contexto de felicidade, para que outras mulheres se reconheçam ocupando esses lugares”.
Ao tirar sua existência de um contexto de violência e opressão, Lia iniciou uma nova série de pinturas na qual se viu retratando flores, que foram recentemente apresentadas por sua galeria Martins&Montero, na Art Basel, na Suíça. As flores não são assunto inédito em suas pinturas, mas, pela primeira vez, surgem tal qual são: “obras criadas por uma mulher trans que clama seu direito de criar beleza para o mundo”.