Por Luigi Torre
O problema com documentários de moda é que, geralmente, eles vão contra o próprio gênero. Não desmistificam fatos ou personagens. Enaltecem o mito e crescem em cima dele. Dior and I, de Frédéric Tcheng, foge à regra. É uma resposta à ideia glamorizada do estilista superstar, um retrato do funcionamento de uma maison de alta-costura e das funções de um diretor de criação. É também, de cara, um dos melhores filmes da categoria. E, em grande parte, por jogar luz nas relações humanas, tão essenciais à sobrevivência de qualquer marca.
E acaba aí qualquer resquício publicitário (embora a grife francesa tenha financiado a produção). É que, após a demissão de John Galliano, em março de 2011, se fez necessária uma imagem mais humana da marca e da moda como um todo. Assim, aliás, surgiu a ideia e a proposta para as filmagens. Durante a pré-estreia de Diana Vreeland: The Eye Has to Travel, filme também dirigido por Tcheng, o chefe de comunicação da Dior, Olivier Bialobos, apareceu com a ideia. O resto estará nos cinemas brasileiros a partir do segundo semestre.
O longa documenta as oito semanas entre a nomeação de Raf Simons como diretor de criação e seu primeiro desfile de alta-costura para a Dior, o que já explica a tensão sensível durante todo o filme. E não só porque, normalmente, as marcas dispõem de seis meses para criar uma coleção de couture, mas também por se tratar de uma das maiores instituições culturais da França. A chegada de Raf ali é uma novidade para todos. Dos mais altos cargos da LVMH aos modelistas, costureiras, bordadeiras e assistentes e ao próprio estilista, que já repetiu diversas vezes sua preferência pelo anonimato.
Sua preocupação é compreensível. Basta um rápido acesso à conta de Netflix mais próxima para entender o porquê. Documentários anteriores, como Diana Vreeland: The Eye Has to Travel, Valentino: The Last Emperor, La Ligne Balmain e The September Issue, dependem de seus personagens-celebridades como principais atrativos. Raf é exatamente o oposto disso. O ser celebridade, para ele, pouco importa. Não há no filme os depoimentos prontos para o Twitter de Karl Lagerfeld, ou shots egocêntricos de Olivier Rousteing, da Balmain, ao lado de divas da música pop. Há, isso sim, sensibilidade extrema, respeito e humildade. Mesmo em momento conturbados.
Num deles, uma prova de roupa, Raf descobre que a chefe do ateliê de vestidos, Florence Chehet, está em Nova York. A portas fechadas, apenas o áudio de seu microfone aberto, discute com outros membros da equipe o porquê de sua ausência. Só para aceitar, momentos depois, que, quando uma cliente gasta € 350 mil numa única coleção, simplesmente não se diz não. Assim, aos poucos, o filme se mostra mais sobre a equipe do que seu diretor de criação. Bem como aconteceu com Grace Coddington, em The September Issue, aqui são Florence, Monique Bailly (chefe do ateliê de alfaiataria) e Pieter Mulier (assistente de Raf) os protagonistas. Simons, num raio-X raro sobre o processo criativo de um diretor de criação, se mostra mais como curador visual, responsável por distribuir inspirações e, depois, reunir suas interpretações numa história coerente.
Num primeiro momento, então, o documentário Dior and I parece querer narrar o começo de uma nova era, sob comando do diretor Raf Simons. Porém, o verdadeiro tema aqui é o fator humano, mais precisamente suas relações delicadas e também suas emoções. Sobre a dedicação de homens e mulheres, todos de jalecos brancos, e alguns deles fazendo isso há mais de 40 anos, dando vida, com as próprias mãos, a algumas das roupas mais preciosas do mundo. É essa uma das principais qualidades do filme: desmontar completamente o mito do one-man show na moda. De muitas maneiras, o que o longa realmente demonstra é que a relação primordial é entre o estilista e seu ateliê.