Cena do filme “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock – Foto: Divulgação

Muitos filmes de terror trabalham com estímulos de forças psicológicas opostas. Conhecido versus o desconhecido; instinto de vida versus de morte; prazer versus dor, são alguns dos embates corriqueiros da mente humana capazes de gerar grandes angústias, as quais psicanalistas como Freud e Lacan já descreveram diversas vezes em suas teorias. Para eles, o sucesso dos filmes de terror deve-se ao fato de que eles externalizam medos reprimidos e desejos inconscientes.

Aplicando na prática a teoria, em entrevista à versão inglesa da BAZAAR, a escritora Anna Bogutskaya afirma que os filmes de terror permitiram que ela se conectasse desde os oito anos de idade com sentimentos voláteis, selvagens e solitários, difíceis de serem divididos com terceiros. Fiquei pensando na minha infância e no papel que o terror teve nela, afinal, os anos 1990 foram dominados por filmes do gênero. De blockbusters adolescentes, como “Pânico” (1996), “Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado” (1997), às superproduções hollywoodianas, tipo “O Sexto Sentido” (1999) e “Os Outros” (2001), sem contar os cults e independentes, muito bem representados por “As Bruxas de Blair” (1999) e “De Olhos Bem Fechados” (1999). Depois de sair dessa maratona aficcionada, mergulhei nos clássicos “Psicose” (1960), “O que terá acontecido a Baby Jane?” (1962), “O Bebê de Rosemary” (1969), “O Iluminado” (1980)…. e, de fato, Anna estava certa. Filmes de terror foram estruturais para expurgar legitimamente os demônios internos que deixamos adormecidos no inconsciente.

Cena de “O Gabinete do Dr. Caligari” (1920), considerado o primeiro filme de terror – Foto: Divulgação

Assim como as tendências estéticas de moda e decoração, as sociocomportamentais também ocorrem de forma cíclica. Os americanos Neil Howe e William Strauss, por exemplo, publicaram, em 1991, a teoria das gerações cujos padrões de comportamento costumam mudar a cada 20 anos. Portanto, não é de se espantar que, depois da safra dos anos 1990, as produções audiovisuais no cinema e plataformas de streaming voltaram a focar em temáticas de suspense e terror atualmente. Segundo a pesquisadora e historiadora do cinema brasileiro, Mariana Lucas, o gênero começou a ser visitado na década de 1920, durante as vanguardas artísticas, principalmente no expressionismo alemão que, segundo alguns teóricos, “premonizaram” o surgimento do fascismo. Nos Estados Unidos, a quebra da bolsa de valores, em 1929, acarretou um considerável corte de investimento na cultura e filmes de baixíssimo orçamento começaram a ser produzidos, dando origem à estética noir que predominou na década de 1930 em Hollywood. Na sequência, Hitchcock viveu seu reinado absoluto entre 1940 e 1950 e seus filmes são até hoje relevantes na história do cinema e no imaginário das pessoas.

No Brasil, os filmes de terror são herdeiros dos anos 1960, mais precisamente de 1968, com o decreto do AI 5, que marcou a fase mais sombria da ditadura militar. Ainda hoje, o cinema nacional passa por uma dimensão de terror mesmo que fora dos termos tradicionais. “Os filmes atuais que estão sendo aclamados pela crítica e recebidos em festivais internacionais falam de um terror associado à ascensão e repressão social do conservadorismo. As pautas de costume moral exprimem o que há de mais animalesco nas relações humanas”, define Mariana.

Se aqui podemos citar filmes como “Medusa” (2021), “Cidade; Campo” (2024) e “Pedágio” (2023) como reflexão do terror social no Brasil, outras produções de filmes e séries internacionais recentes como “A Substância” (2024), “Instinto Materno” (2024), “The Last of Us” (2023), “Monstros” (2024), etc., comprovam as teorias de Freud e Lacan ao retratarem angústias sociais contemporâneas como o medo de envelhecer em uma sociedade ditada pela estética, os medos maternos relacionados à proteção dos filhos em um mundo sem barreiras, o medo do fim da espécie humana e o prazer de observar e tentar entender a complexidade das relações humanas doentias que acarretam atitudes extremas como matar os próprios pais. Como já dizia Aristóteles, “a arte imita a vida” – e a nossa está cada dia mais assombrosa.