Cena de “Frankestein” – Foto: Divulgação

Por Paula Jacob

O Festival de Cinema de Veneza nunca esteve tão atento e conectado aos assuntos do contemporâneo. Com a sua 82ª edição marcada para acontecer entre os dias 27 de agosto e 6 de setembro de 2025, no emblemático Lido de Veneza, o tradicional evento italiano abrirá com a estreia de La Grazia, novo filme de Paolo Sorrentino, enquanto o encerramento ficará por conta de Dog 51, de Cédric Jimenez. Dentro e fora da competição oficial, filmes sobre meio ambiente, críticas ao capitalismo de grandes corporações e o conceito de masculinidade se destacam.

Quem preside o júri este ano é Alexander Payne (Nebraska e Os Rejeitados), que ainda conta com a expertise de Fernanda Torres, Stéphane Brizé (diretor e roteirista francês), Maura Delpero (diretora e roteirista italiana), Cristian Mungiu (diretor e produtor romeno), Mohammad Rasoulof (diretor e escritor iraniano) e Zhao Tao (atriz chinesa). São eles que escolhem os vencedores nas oito categorias da competição oficial, incluindo Leão de Ouro de Melhor Filme, Leão de Prata – Grande Prêmio do Júri e Leão de Prata de Melhor Diretor.

Antes da abertura oficial, o festival faz uma pré-abertura dupla na Sala Darsena, no dia 26: às 18h, será exibido o curta-metragem Origin, dirigido pelo fotógrafo e ambientalista francês Yann Arthus‑Bertrand, seguido por conversas com o diretor e os curadores. Já na cerimônia de abertura, Francis Ford Coppola irá entregar a Werner Herzog o Leão de Ouro honorário, em reconhecimento à carreira do cineasta alemão.

A tradicional seção Venice Classics retorna em 2025 com a estreia mundial de 18 restaurações de obras-primas do cinema mundial, selecionadas a partir de acervos de cinematecas e instituições culturais. Entre os destaques estão clássicos como Roma, ore 11, de Giuseppe De Santis, Lolita, de Stanley Kubrick, Blind Chance, de Krzysztof Kieslowski, Kwaidan, de Masaki Kobayashi (em versão integral inédita), e Vive l’amour, de Tsai Ming-liang, que volta ao festival após vencer o Leão de Ouro em 1994.

A seguir, uma seleção de filmes que fazem parte da programação oficial para você deixar no seu radar para quando estrearem por aqui.

“Bugonia”

Cena de “Bugonia” – Foto: Divulgação

Depois de uma dobradinha de peso com Pobres Criaturas e Tipos de Gentileza, Yorgos Lanthimos retorna com a sua estranheza característica no remake da comédia sci-fi sul-coreana Save the Green Planet (2003). Dois jovens obcecados por teorias da conspiração sequestram a CEO de uma grande corporação, certos de que ela é uma alienígena prestes a destruir a Terra. Com Jesse Plemons, Alicia Silverstone e Emma Stone no elenco, o filme promete um mergulho cômico em temas bastante atuais. Concorre na competição oficial.

“Marc by Sofia”

Primeiro documentário de Sofia Coppola não poderia ser sobre outro assunto que não um um retrato íntimo do estilista Marc Jacobs, com quem mantém uma amizade e colaboração criativa há mais de três décadas. O filme, produzido pela A24, costura o universo pessoal e profissional do designer, revelando seu processo criativo e as referências que moldaram sua carreira. Da parceria na Louis Vuitton aos projetos da linha Heaven, passando por campanhas marcantes, Sofia transforma memórias compartilhadas em cinema – uma homenagem sensível a um dos nomes mais icônicos da moda contemporânea.

“No Other Choice”

Neste thriller psicológico, acompanhamos a queda abrupta de Man-su, um especialista em papelaria que acreditava ter alcançado uma vida plena. Após ser demitido com um simples “não tivemos escolha”, ele inicia uma busca desesperada por trabalho, enquanto vê sua estabilidade ruir. Inspirado no romance The Ax (1997), o diretor Park Chan-Wook (Oldboy, A Criada) transforma a história em um retrato intrigante da masculinidade, do orgulho ferido e da luta por dignidade. Concorre na competição oficial.

“Ghost Elephants”

Werner Herzog acompanha a busca do biólogo Steve Boyes por uma manada lendária de elefantes nas terras altas de Angola – uma região remota e quase intocada, do tamanho da Inglaterra. Com a ajuda de rastreadores experientes, ele persegue vestígios desses gigantes quase míticos. Seria melhor que esses animais continuassem sendo apenas um sonho? Como de costume, o alemão busca os limites entre a imaginação e o real.

“Nuestra Tierra”

Aqui, a cineasta argentina Lucrecia Martel narra o assassinato do líder indígena Javier Chocobar, morto em 2009 por invasores armados que reivindicavam a terra da comunidade Chuschagasta, no norte do país. O crime, registrado em vídeo, levou quase uma década para chegar aos tribunais. Com imagens do julgamento, arquivos e relatos da própria comunidade, o documentário expõe as raízes coloniais da violência fundiária no país. Assunto extremamente relevante, inclusive para nós, brasileiros.

“Girl”

Uma jovem encontra refúgio na amizade com outra menina que carrega um nome semelhante – e os sonhos que ela mesma aprendeu a reprimir. À medida que o passado de sua mãe emerge, ecoando dores e frustrações, a protagonista se vê presa em um ciclo difícil de romper. Primeiro longa da atriz e agora diretora, Shu Qi, este filme aposta em uma narrativa íntima e sensível sobre identidade, desejo e os fantasmas de gerações. Concorre na competição oficial.

“Dead Man’s Wire”

Gus Van Sant recria um dos episódios mais tensos da crônica policial americana: em 1977, Tony Kiritsis invadiu o escritório de um executivo e o manteve refém com uma espingarda ligada por um fio ao gatilho. Exigindo milhões e uma reparação pessoal, o caso virou espetáculo midiático. O thriller toca no assunto de extrema importância para o cineasta: a falsa sensação de justiça e o desespero causado por uma tragédia – também presente nos emblemáticos Elephant (2003) e Paranoid Park (2007).

“After the Hunt”

Cena de “After the Hunt” – Foto: Divulgação

Se tem alguém fazendo filme (além de Yorgos Lanthimos), é Luca Guadagnino. Depois de lançar dois ano passado (Rivais e Queer), o cineasta italiano coloca Julia Roberts como a sua protagonista: uma professora universitária que vê sua vida virar do avesso quando uma aluna brilhante acusa um colega de conduta indevida. O filme mergulha nos conflitos de poder, consentimento e moralidade dentro do ambiente acadêmico.

“Father Mother Sister Brother”

Cena de “Father Mother Sister Brother” – Foto: Divulgação

Relações familiares entre pais distantes e filhos adultos em três países (EUA, Irlanda e França). Assim é o mais novo filme de Jim Jarmusch, que, com o seu humor característico e melancolia contida, observa silêncios, gestos e afeto entre esses personagens. Com Cate Blanchett e Vicky Krieps no elenco, o filme se desenrola em um tempo que convida o espectador a admirar a vida como ela é – sem pressa. Concorre na competição oficial.

“Frankenstein”

Nesta nova adaptação do clássico de Mary Shelley, Guillermo Del Toro reverencia o terror gótico e os dilemas existenciais que atravessam gerações. A história do cientista obcecado por criar vida (Oscar Isaac) – e do monstro (Jacob Elordi) que herda sua tragédia – é tratada aqui como um mito fundador, com ecos de fé, culpa e abandono. Grande aposta da Netflix para as premiações deste e do próximo ano. Concorre na competição oficial.

“The Testament of Ann Lee”

Da co-roteirista de O Brutalista e Vox Lux, Mona Fastvold, este musical é inspirado na vida de Ann Lee (Amanda Seyfried), fundadora do movimento religioso Shaker. Por meio de cânticos e tremores, os membros buscavam uma vida de pureza e comunhão. O filme propõe uma leitura poética e especulativa dessa utopia radical, criada por uma das poucas líderes religiosas mulheres, reconhecendo em sua história o desejo profundo de justiça, transcendência e criação coletiva. Concorre na competição oficial.

“At Work”

Os altos e baixos da trajetória de um fotógrafo bem-sucedido que abandona tudo para se dedicar à escrita – e acaba mergulhando na pobreza. O filme da atriz e cineasta francesa Valérie Donzelli retrata o custo da liberdade e o peso de uma paixão que não promete fama nem fortuna. Um retrato sobre a escolha radical de viver para criar, mesmo quando o mundo não está olhando (raridade hoje em dia). Concorre na competição oficial.

“Silent Friend”

Ildikó Enyedi, a mesma diretora do belíssimo Corpo e Alma (2017), entrelaça três histórias, separadas por mais de um século, ao redor de um antigo pé de ginkgo em um jardim botânico na Alemanha. Em gestos simples e conexões silenciosas, uma neurocientista, uma estudante e uma fotógrafa descobrem, cada uma à sua maneira, o poder transformador da natureza. Concorre na competição oficial.

“Cover-up”

A cineasta e documentarista Laura Poitras faz um retrato de Seymour Hersh, lendário repórter investigativo e voz dissidente da imprensa americana. Com acesso inédito a seus arquivos e anotações, ela revela os bastidores de reportagens que expuseram abusos das forças armadas dos EUA. Um filme para se pensar também sobre os dilemas entre poder, silenciamento e o papel da imprensa num mundo em colapso.

“The Voice of Hind Rajab”

Novo filme da tunisiana Kaouther Ben Hania parte da história real de uma menina de seis anos que, em janeiro de 2024, pediu socorro de dentro de um carro sob fogo em Gaza. A diretora utiliza o áudio original da chamada e testemunhos dos envolvidos para criar uma obra em um único cenário, onde a violência permanece fora de quadro, mas o silêncio, o medo e a espera revelam todo o peso da tragédia. Produzido com o apoio de Brad Pitt, Joaquin Phoenix, Rooney Mara, Alfonso Cuarón e Jonathan Glazer, é um tributo à memória e uma resistência contra o esquecimento.