
Francis Ford Coppola em registro da conversa com o público no teatro B32, na segunda (28.10)
Francis Ford Coppola tem um estilo todo particular. Aos 85 anos, o pai de Sofia esteve em São Paulo esta semana para lançar seu mais novo longa. Megalópolis é uma produção ambiciosa, ambientada em Nova Roma – na verdade uma versão retrô-futurista de Nova York. No enredo, o diretor narra o duelo entre César Catalina (Adam Driver), um arquiteto visionário com uma visão utópica do futuro, e o ambicioso prefeito Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito). Completam o elenco Nathalie Emmanuel, Aubrey Plaza, Shia LaBeouf, Talia Shire, Jon Voight e Dustin Hoffman. A título de curiosidade, o filme teve inspiração em Curitiba e seu planejamento estratégico de crescimento nos anos 2000.
Sem apoio financeiro de nenhum grande estúdio, Coppola investiu US$ 120 milhões (aproximadamente 700 milhões de reais) do próprio bolso, dinheiro que veio da venda de parte de sua vinícola, no Napa Valley, na Califórnia. Megalópolis foi apresentado mundialmente no Festival de Cannes, onde dividiu opiniões. Chega esta semana aos cinemas, com pré-estreias no Brasil. O diretor abriu uma brecha na agenda para receber Bazaar no hotel Fasano, em São Paulo, vestindo uma camisa havaiana vintage e usando meias com estampas diferentes. Abaixo, leia trechos da conversa com mítico diretor.
Harper’s Bazaar – Adorei sua camisa!
Francis Ford Coppola – Obrigado. Essa camisa costumava ser chamada a alguns anos atrás de “camisa Coppola”. Você não podia comprar esse tipo de camisa. Eu tinha uma senhora que fazia para mim, e eu conseguia os tecidos. Mas agora elas voltaram. Eu contei isso pros meus filhos, que eu tinha sido o cara responsável por trazer de volta as camisas havaianas, e eles não acreditaram em mim. Então, resolvi começar a usar meias com estampas diferentes e agora tem muita gente fazendo isso.
HB – Você chamou a superpremiada Milena Canonero* para criar todos os looks do filme, alguns bastante futuristas. Como foi sua colaboração com ela?
*Ela é vencedora de quatro Oscars de Melhor Figurino, por O Grande Hotel Budapeste (2015), Marie Antoinette (2007), Carruagens de Fogo (1982) e Barry Lyndon (1976).
FFC – Eu a conheci quando ela fez The Cotton Club (1984). Ela criou figurinos incríveis à época. O longa teve problemas com os financiadores, que acharam que havia negros demais no filme e muito tap-dancing. Mas o filme era sobre isso! Como poderia ser diferente? Tive que cortar o filme, mas finalmente pude reeditar como havia imaginado, com um título diferente. A nova versão se chama The Cotton Club Encore. As roupas de Milena são maravilhosas. Ela é famosa por ter feito os figurinos de quase todos os filmes de Stanley Kubrick.
Ela é italiana e é provavelmente a figurinista mais celebrada atualmente no mundo. Originalmente, queria que ela tivesse feito Drácula. Mas ela não pode, porque ia dirigir ela mesma um filme. Então, chamei a estilista japonesa Eiko Ishioka, que acabou fazendo os figurinos para Drácula. Mas, para Megalópolis, eu queria Milena. Ela já trabalhou com meus filhos e com Wes Anderson. Ela é a melhor! Porém, isso causou problemas com o departamento de arte. Cada departamento tem seu orçamento. E cada um tem muito ciúme em relação ao orçamento. Especialmente em um filme multimilionário de super herois. E o budget da Milena era enorme.
O departamento de arte queria controlar tudo, desde os figurinos até os efeitos especiais. E eu queria que Milena fizesse os figurinos. E decidi fazer os efeitos especiais como fiz em Drácula, ou seja: efeitos práticos no set. E foi assim que fizemos. Não é muito difícil fazer um filme do qual as pessoas gostem se você tiver um monte de dinheiro, mas não queria isso. Queria fazer um filme mais artesanal. Apesar de Megalópolis ser uma superprodução, queria que tivesse a minha cara.

Longa, que chega nesta quinta (31.10) aos cinemas, é protagonizado por Adam Driver (Foto: Divulgação)
HB – Falando sobre efeitos especiais práticos e sobre o tempo, que acredito ser um dos temas principais do seu novo projeto… Gostaria de voltar no tempo, e saber sobre a influência do produtor e diretor Roger Corman no seu cinema. Afinal, Corman foi a primeira pessoa que te deu oportunidade no cinema.
FFC – Mantive contato com Roger durante todos esses anos. Ele morreu recentemente, e nascemos no mesmo dia. Celebramos nossos aniversários em Napa, ele veio com sua esposa. Eu aprendi muito com ele. Todas as técnicas para fazer efeitos especiais de baixo orçamento. Tem um lado em mim, que eu não consigo lidar com cinco diretores de arte, que alugam cinco caminhões para levar um equipamento daqui para ali, não gosto disso. Essa é a forma como as equipes de filmes de super herois de 100 milhões de dólares trabalham na Geórgia, onde eles têm grandes estúdios. Achei isso um peso, que tornou o filme mais caro do que precisava.
Quando me dei conta de que o filme estava ficando mais caro do que eu podia bancar, comecei a fazer cortes no orçamento da equipe de arte, e eles falaram que se eu cortasse o orçamento, eles pediram demissão. Foi um dilema. Tive que cortar, e eles pediram demissão. Mas isso separou a equipe em dois grupos: as pessoas que estavam realmente gostando e que iam às locações, e a equipe que ficava nos escritórios, reclamando que eu não estava falando com eles. Mas já havia ficado claro que eles não queriam fazer o mesmo filme que eu. Tinha que lembrá-los de que eu era o único que sabia o que o diretor queria. Como vocês querem saber mais sobre o que eu quero, do que eu mesmo?
HB – Ainda falando sobre o tempo, seus filmes costumam levar um bom tempo para virarem clássicos. Muitos deles não foram bem recebidos quando foram lançados, e tiveram que esperar anos até se tornarem clássicos.
FFC – Apocalipse Now é um bom exemplo…
HB – Exatamente. Como você lida com isso?
FFC – Você tem que pensar para quem você está fazendo. Tenho amigos e fãs que gostam do cinema da forma que faço. Sei que o público vai entender com o tempo. Eu não quero dizer isso de uma forma derrogatória, mas é como quando você dá para crianças jovens comida adulta pela primeira vez, e elas não gostam. Mas você sabe que, eventualmente, elas vão adorar. Mas a primeira reação deles é não gostar. Preferem doces e sorvete. Em um certo momento, elas vão se acostumar e aquela será sua comida favorita.
HB – Como você vê o futuro do cinema? Muitos diretores já decretaram a morte do cinema, inclusive Godard. O que você pensa sobre o futuro das telas?
FFC – Acho que Godard não disse exatamente isso. Acho que ele quis dizer que os filmes não seriam mais como nós conhecemos, o que é verdade. A ideia de que sempre teremos apenas uma forma de fazer cinema, é uma ideia do establishment, tentando te vender um certo tipo específico de filme. Assim como a Coca Cola: você não se importa de que você já viu aquela história mil vezes. Acredito que os filmes estão sempre mudando. E que nossos netos farão filmes que nós nem podemos imaginar. E a arte será diferente, e o mundo será diferente. Especialmente agora, onde estamos avançando de forma exponencial. Mil anos atrás, nem estaríamos falando em inglês, pois a língua nem existia. Estaríamos falando uma língua desconhecida e a sociedade seria tão diferente. Mas os próximos 1000 anos acontecerão nos próximos 100. Porque o tempo é exponencial. Isso, se tivermos 100 anos, da forma como estamos tratando o planeta.
Há pessoas que não acreditam nas mudanças climáticas, enquanto estamos vendo esses trágicos tornados, furacões e incêndios. Tempestades apocalípticas. Pessoas na Flórida dizendo que nunca viram nada parecido na vida. A Terra está brava! Precisamos parar com esse fetiche pelo crescimento. Essa ideia de que precisamos continuar crescendo. Não precisamos. Mesmo os grandes economistas, como John Maynard Keynes, disse que precisávamos crescer durante 100 anos e parar por 100 anos. E ele disse isso 100 anos atrás. Então, estamos em um momento em que precisamos parar. Crescemos o quanto podemos, e estamos vendendo produtos para pessoas que não precisam. Isso se chama marketing. Precisamos crescer de uma forma diferente. Precisamos crescer em países onde as pessoas não conseguem alimentar seus bebês. E quando conseguirmos isso, precisamos repensar o que fazer com essa riqueza e usá-la de formas mais inteligentes.
HB – Eu tinha mais uma pergunta, mas acho que terminou meu tempo…
FFC – Pode fazer! Eles acham que têm alguma autoridade, assim como o governo dos Estados Unidos (risos).
HB – Em Megalópolis, você traça um paralelo entre a Roma antiga e os Estados Unidos atual. Você acredita que as próximas eleições norte-americanas irão definir se o império americano entrará em decadência ou se a democracia será salva?
FFC – Você tem uma moeda? Vamos descobrir. Vamos resolver isso de uma vez por todas. 25 centavos, é coroa. (Francis joga a moeda em uma mesinha, e a moeda cai no chão). Puxa, não foi bom. Mas, qualquer que seja o resultado, não iremos aceitar. Se um lado perder, eles vão dizer que ganharam. Não importa qual o resultado, ele dirá que venceu. Estou bem preocupado. Dependendo do resultado, vou me mudar para Florianópolis. Vou morar na praia. Ou em Curitiba, que é uma cidade que eu adoro, e que serviu de inspiração para Megalopolis. Sempre pensei que se houvesse uma revolta em Los Angeles, eu queria levar um trio elétrico, como os que existem na Bahia, e acredito que isso terminaria com qualquer briga. Eles ficariam dançando e não brigariam mais. E quando você joga água neles, eles ficam ainda mais felizes. Com a música, eles apenas dançariam. Você tem que dançar!

Francis Ford Coppola na pré-estreia de “Megalópolis”, na última terça (29.10), em São Paulo