Frantz Fanon – Foto: Arquivo

Por Paula Jacob

Nascido em 20 de julho 1925, na ilha de Martinica, Frantz Fanon é um dos nomes mais relevantes dos estudos pós-coloniais e figura que perdura como uma potente inspiração para movimentos de libertação social – principalmente a partir do clássico obrigatório “Peles Negras, Máscaras Brancas”, de 1952.

Em seu livro de estreia, o psiquiatra tece uma análise psicanalítica a respeito da questão racial e do complexo de inferioridade sentido por pessoas negras em uma sociedade fincada no racismo após os períodos colonialistas. E, diferente de alguns intelectuais, Fanon era também um homem de ação, porque, segundo ele, “não existe revolução possível sem o pensamento vivido”.

Tal dedicação se manifesta nos textos reunidos em um novo livro de ensaios organizado em homenagem ao seu centenário, “Pensar Fanon”, publicado este mês pela editora Ubu. Nele, é possível ler reflexões de bell hooks, Françoise Vergès, Aimé Césaire, Deivison Faustino, Achille Mbembe e outros em torno da subjetividade, da identidade e das violências coloniais – do território ao corpo, do afeto à economia –, evidenciando a relevância da obra de Fanon até os dias atuais.

“Ele fala de questões que ainda precisam ser enfrentadas e também nos mostra o quanto o racismo não é só um problema dos negros, mas uma relação de poder que estrutura a própria modernidade”, comenta Faustino em entrevista à BAZAAR. Segundo o especialista – que assina o texto “O racismo e a zona do não ser em Frantz Fanon, eis a questão”, ao lado de Nilson Lucas Dias Gabriel –, até mesmo as respostas para a questão climática e outras crises que o capitalismo traz passam pelo entendimento do papel do racismo. “Isso é de grande relevância num momento como o nosso, em que a xenofobia assume um papel racializado. A política de deportação de Donald Trump, por exemplo, olha para imigrantes africanos, latinos… Essa dimensão racial nas políticas imigratórias era algo que Fanon já alertava 60, 70 anos atrás.”

Trazer esse olhar para um país como o Brasil é entender justamente que esses diagnósticos ainda permanecem entre nós. “Fanon discutiu a relação entre sujeito, política e cultura. Mas seu pensamento também é precioso porque ele reconhece a necessidade de equacionar o papel da identidade nas lutas políticas. Não é possível refletir sobre a superação das desigualdades sem considerar não apenas a exclusão, mas também os processos de identidade e identificação que alguns grupos vão criando para se proteger”, reforça Deivison Faustino.

Outro olhar contemporâneo importante para a obra de Fanon são as lentes “do feminismo decolonial, do feminismo indígena e do feminismo islâmico”, como aponta Françoise Vergès. “É importante ler o maior número possível de teóricas e teóricos, porque isso amplia nossas perspectivas, nos desafia e nos aguça a curiosidade. A teoria se enriquece com poesia, músicas, mitos, rituais e práticas – não buscamos um modelo, mas soluções concretas. E, à medida que lutamos por essas necessidades, experimentamos leituras da nossa condição e inventamos, criamos e vivemos de outras formas”, afirma a cientista política à BAZAAR. Ela é autora de, entre outros textos, “Feminismo Decolonial”, “Decolonizar o Museu” e “Uma Teoria Feminista da Violência” (todos também publicados pela Ubu).

A partir dessa perspectiva, o legado de Fanon se amplia no contemporâneo quando envolve leituras e genealogias alternativas – ligadas à terra, à ancestralidade e às lutas cotidianas – e construídas por feminismo decoloniais, antirracistas, anti-imperialistas e anticapitalistas, que reconhecem as fissuras no discurso hegemônico. “Comunidades que escaparam ao olhar branco sempre existiram”, diz Vergès, exemplificando com espaços quilombolas ou periferias políticas, “onde outras narrativas, teorias, discursos e práticas são sempre criadas e desenvolvidas”. “O feminismo civilizador afirma que apenas o feminismo branco europeu é feminismo, mas mulheres do Sul Global ou mulheres racializadas no Norte sempre souberam que suas lutas por libertação, justiça e paz eram lutas pela libertação das mulheres dentro do contexto de suas realidades locais.” Pensar Fanon, portanto, é um convite a revisitar, revitalizar e seguir navegando nos entrelaçamentos entre racismo, gênero e política já propostos por ele para, juntos, pensarmos em como construir uma sociedade livre das amarras da dominação.