Gaïa Jacquet-Matisse em foto tirada por seu marido Amory Choay, usando camisa e saia Issey Miyake, cinto Miu Miu e botas The Row – Foto: Divulgação

Gaïa Jacquet-Matisse é herdeira do legado de Alain Jacquet, Henri Matisse e Marcel Duchamp. Depois de anos como it-girl em Nova York, é a nova it-curator do mundo internacional da arte. Nosso editor de moda, Guilherme de Beauharnais, conversou com Gaïa sobre o que a inspira no mundo da arte, artistas emergentes interessantes e sustentabilidade. Leia a íntegra:

Guilherme de Beauharnais – A última vez em que nos vimos foi durante o desfile da Dior, em maio, na Cidade do México. Você não estava apenas como convidada, mas com uma câmera na mão, fotografando tudo. Por que a decisão de sair da frente das lentes para ficar atrás?

Gaïa Jacquet-Matisse – É engraçado, passei minha vida inteira na frente das câmeras e adoro. Nunca vou parar. Demorou para me acostumar e me conectar com os “bastidores”, mas ter um marido fotógrafo ajudou no processo. Estar atrás das lentes me faz ver o mundo por um ângulo diferente e assumir o controle me permite colocar em prática a visão que quero dividir com o mundo. Só fotografo para meu uso pessoal e deixo o resto para os profissionais (risos).

GDB – Você tem trabalhado em uma série de projetos ligados à sua maior paixão, com a qual as pessoas também mais te associam: a arte.

GJM – Sim! Em paralelo ao meu trabalho com a galeria Perrotin e o patrimônio do meu pai, que será tema de uma exibição em Nova York no ano que vem, tenho meus projetos pessoais. Desde que conversamos da última vez, comecei a curar exposições. A primeira foi em Los Angeles, em outubro passado, para a Maison Lune. Depois, organizei um espaço pop-up na Zona Maco, na Cidade do México, com meu amigo e designer Alexander Diaz Andersson. Misturamos arte e mobília, o que eu amo! Também curei uma mostra em março, em West Hollywood, em um lugar que vai se tornar um empreendimento residencial. Estou trabalhando em uma próxima exposição em Westhampton, com minha amiga Jess Hodin.

O quadro Cyanide, 2019, de Sanam Khatibi, um dos nomes no radar de Gaia – Foto: Divulgação

GDB – Planeja abrir sua própria galeria?

GJM – Eu gosto da ideia de ser livre e não me sentir presa à minha própria galeria. Criar experiências únicas, com novas formas de ver arte, tem sido meu foco e quero continuar assim. Foi através desses trabalhos que conheci clientes, os quais ajudei a construir coleções particulares.

GDB – O que está no seu radar enquanto se prepara para curar uma exposição?

GJM – Essa é uma pergunta complicada. É claro que me sinto muito inspirada pelos grandes mestres, e adoraria ter um Magritte pendurado no meu quarto, mas, hoje, me vejo descobrindo e ajudando artistas emergentes. Para mim, esse é o lugar mais importante que eu posso ocupar no mundo da arte. Só quero estar nele porque sei que posso trazer novidades, já que ele se tornou uma indústria, uma máquina, onde fama, dinheiro e até números de seguidores falam alto. Isso nos afastou do verdadeiro significado e propósito da arte.

GDB – Você disse que a sustentabilidade entrou na sua vida. Gaïa ficou verde?

GJM – Meu nome significa Terra, em grego. Quando não estou assistindo filmes franceses antigos, me pego vendo documentários naturalistas do David Attenborough e penso: “preciso salvar o mundo!”. Soa como frase de concurso de miss, mas é verdade.

GDB – Você teve algum mentor para construir opiniões próprias sobre arte?

GJM – Depois que meu pai faleceu, comecei a trabalhar com a minha mentora de atuação, Elizabeth Kemp. Usei métodos de teatro para superar a perda e permitir me conectar intimamente com a arte. Passei a olhar pinturas para além da tinta e mergulhar no significado das obras e na história de artistas. Isso aflorou minha percepção de o quanto a arte era inspiradora e influenciava a forma de me relacionar com o mundo.

GDB – Há momentos em que a arte entendia?

GJM – Completamente (risos), mas não é sempre. Afinal, é minha paixão. Há coisas que parecem repetitivas. Ainda assim, muito do que vemos e vivemos hoje é, de alguma forma, reflexo, consciente ou não, do que foi feito no passado. Posso ver uma exposição e pensar: “já cruzei com isso antes”, mas quem sou eu para definir o que é entediante ou não? A Art Basel de Miami, por exemplo, não me interessa de forma alguma, mas é atrativa para um grupo enorme de pessoas. Sim, há obras e artistas que não sintonizam com minha ideia do que é interessante.

GDB – Quem seriam os interessantes?

GJM – É difícil… são muitos. Ariana Papademetropoulos, que conheci através das redes sociais e se tornou uma das minhas melhores amigas. Em relação aos artistas emergentes, estou trabalhando com o espanhol Enrique Veganzones e Dennis Miranda Zamorano, da Cidade do México. Há também um brasileiro, Edson Fernandes, com quem comecei a trabalhar. Adoro estar cercada de artistas, como você pode perceber.

GDB – Você descreve o mundo da arte como opressivo. Como lida com ritmo acelerado?

GJM – Nos meus anos de socialite em Nova York, fazia questão de estar em todos os eventos e desfiles de moda. Aceitei o fato de que jamais vou conseguir ver tudo e estar em todos os lugares ao mesmo tempo. O importante é estar presente e dar atenção ao que está acontecendo na sua frente, sem se distrair com o lado de fora.

GDB – Você desistiu da moda?

GJM – De maneira alguma. Sempre será parte enorme da minha vida. É divertido ir às feiras com visuais inusitados. Muitas vezes as pessoas não estão esperando o que encontram ao me ver e isso faz diferença. Uso a moda como meu cartão de visita.

GDB – Seu sobrenome é um cartão de visita. Já sentiu algum tipo de síndrome de impostora?

GJM – Na juventude, rejeitei a ideia de trabalhar com arte por conta da minha família e pensei em ser atriz ou estilista. Meu sobrenome abre portas, mas preciso trabalhar, mostrar que tenho minha própria personalidade, talento e competência. Não preciso, necessariamente, mudar o curso da História, como meus antepassados, mas posso dividir minha perspectiva pessoal e isso já é muito valioso.

GDB – Sobre criar arte, é algo que você projeta para si mesma?

GJM – Sempre será, há algo no meu sangue. Meu bisavô, Pierre Matisse, foi o primeiro marchand da família. Tenho esse lado de negócios, mas também tenho uma veia artística. Estou satisfeita em trazer artistas emergentes para a luz e não sinto a necessidade de pintar, mas, quem sabe? Felizmente, tenho a vida toda para descobrir isso.