Heslaine Vieira – Foto: Vinícius Mochizuki

A atriz Heslaine Vieira assume o papel de Aurora na nova montagem de “Bonitinha, mas Ordinária”, clássico de Nelson Rodrigues, sob direção de Bruce Gomlevsky. Pela primeira vez, a peça é protagonizada por uma família negra, conferindo à obra uma releitura histórica e contemporânea.

Ambientada na década de 1960, a montagem mantém a essência provocadora do texto original e aborda temas como racismo, violência contra a mulher e hipocrisia, estabelecendo um diálogo direto com a sociedade atual. Na pele de Aurora, Heslaine entrega uma interpretação intensa, marcada por conflitos internos e dilemas familiares.

Nos últimos anos, Heslaine Vieira tem se destacado por sua versatilidade na TV, no cinema e no teatro. Recentemente brilhou como Soraya Terremoto na novela Fuzuê, protagonizou a série “As Five” no Globoplay e viveu Nina no sitcom “Tô Nessa!”,  exibido aos domingos após o programa Fantástico. Além disso, acabou de filmar o longa-metragem “Pecadora”, com estreia prevista para janeiro de 2026.

Com um elenco plural, sendo metade negro, “Bonitinha, mas Ordinária” reforça o teatro como espaço de reflexão e representatividade. Leia a entrevista completa com a artista!

HARPER’S BAZAAR BRASIL – Como foi o convite para interpretar Aurora nesta montagem histórica de Nelson Rodrigues?

HESLAINE VIEIRA: Soube através do Júnior, um amigo diretor e ator que está no elenco. Ele me ligou dizendo que o diretor do espetáculo, Bruce, e o produtor Luiz Prado me convidaram para esta temporada de Bonitinha, mas Ordinária, em São Paulo, para interpretar a Aurora. Fiquei feliz por poder aceitar e, finalmente, voltar aos palcos.

HBB – O que te atraiu na personagem e como você se preparou para dar vida a ela?

HV: Faz bastante tempo que eu estava com vontade de fazer teatro. Fui trabalhando, trabalhando, e nunca conseguia ajustar a agenda. Agora foi o momento perfeito! Chegou a Aurora. A personagem tem boas cenas, bem diferentes entre si. Ela fuma, tem um namorado de caráter duvidoso e um embate direto com a Ritinha, mas todas as irmãs têm um cuidado afetuoso com a mãe. O que me chamou atenção foi o fato de ser uma família de mulheres negras, e estarmos as cinco em cena! Achei forte e bonito quando assisti. Além de tudo isso, faço a irmã da Aline Dias. Nós fomos protagonistas de Malhação, somos amigas na vida, mas não tínhamos tido a oportunidade de trabalhar juntas!

Heslaine Vieira – Foto: Vinícius Mochizuki

HBB – A peça, pela primeira vez, é protagonizada por uma família negra. Qual o significado disso para você, enquanto atriz e mulher negra?

HV: Eu fico feliz com esse espaço. Penso que é merecido estarmos juntas interpretando personagens relevantes para a história! Entregamos, com muita dedicação, nosso trabalho todos os dias em que subimos ao palco.

HBB – Quais desafios você encontrou ao interpretar Aurora, considerando os dilemas da personagem e o contexto da década de 1960?

HV: Na temporada anterior, a personagem foi vivida por uma atriz que admiro muito: Kênia. Eu pude, com muito respeito, beber bastante na fonte do trabalho dela. Tive pouquíssimo tempo de ensaio e me preparei ouvindo, lendo e ensaiando dia e noite para trazer também a minha versão da Aurora. Cada dia tento entrar em cena com um detalhe diferente! É uma jovem negra nos anos 60, tem muita complexidade aí.

HBB – De que forma você acredita que essa montagem dialoga com o público contemporâneo?

HV: Esse é um espetáculo já montado anteriormente, que teve outras temporadas. O Bruce desenhou tudo de forma bem criteriosa. Existem novos elementos e uma nova perspectiva para esse clássico. Ao trazer uma família negra para o centro da história, a montagem oferece um novo olhar para o texto de Nelson Rodrigues, ressignificando a narrativa além de abrir espaço para importantes discussões sobre representatividade.

Heslaine Vieira – Foto: Vinícius Mochizuki

HBB – Como você percebe a evolução da representatividade da mulher negra nas artes no Brasil desde que começou sua carreira?

HV: Quando eu comecei, era totalmente diferente. Comecei aos 12 anos, vendo pouquíssimas mulheres e pessoas negras em destaque, prosperando e tendo histórias bem desenvolvidas. Existiam muitas histórias únicas, isoladas. De pouco tempo para cá, pude observar grandes mudanças. A geração mais nova que a minha já tem muito mais oportunidades de se desenvolver e crescer, e existe uma nova perspectiva de personagens com destaque! Fico feliz de ter conseguido ver, ao longo dos anos, uma mudança significativa nas telas e nos palcos.

HBB – Você acredita que interpretar personagens complexas, como Aurora ou Soraya Terremoto, contribui para ampliar a visibilidade da mulher negra na dramaturgia e na TV?

HV: A diferença que existia passava pela falta de oportunidade. Quando temos a chance de viver personagens complexos e mostrar nosso trabalho, isso começa a diminuir. Como alguém vai ter visibilidade se não está em um personagem relevante, que tenha camadas para mostrar talento e entrega? Não é possível! Estou lendo agora o livro da Viola Davis e vejo o quão similares foram minhas questões e as de diversas outras mulheres em relação ao mercado como um todo. Digo isso porque ela é uma grande referência para mim. Fico muito feliz de ver que estamos ganhando a notoriedade que merecemos.