Por Mabi Barros
“Assassinos da Lua das Flores”, longa de Martin Scorsese que estreou em 2023, arrematou dez indicações ao Oscar — entre elas Melhor Figurino. O filme retrata a tribo nativo-americana Osage, que enriqueceu por achar petróleo em suas terras, durante o Reinado do Terror, quando o povo originário foi brutalmente extorquido, manipulado e assassinado por homens brancos atraídos pela riqueza.
Em conversa com a Harper ‘s Bazaar, Jacqueline West, que assina o figurino da produção, comenta o processo de construção do guarda-roupa dos personagens de Leonardo DiCaprio, Lily Gladstone e Robert De Niro. Formada estilista, ela estudava história da arte quando começou a trabalhar com cinema, incentivada pelo marido: “Ele me dizia: ‘pegue o personagem e o leve para fazer compras em qualquer período da história que ele fizer parte’”
Leia a entrevista completa:
Harper’s Bazaar – Assassinos da Lua das Flores é sobre um período histórico bastante específico. Como foi seu trabalho de pesquisa?
Jacqueline West – Grande parte da minha pesquisa foi graças à tecnologia da época. Os filmes caseiros estavam começando a surgir, mas eles eram muito caros, cerca de $1.800 por minuto, equivalente a valores atuais — algo que só os Osage, por causa do dinheiro do petróleo, e a Família Real Britânica poderiam se dar ao luxo. Nenhuma outra tribo nativa americana fez tantos filmes quanto os Osage. Eles gravavam seus aviões, carros, viagem de compras para Nova York, Paris, há muitos vídeos também de quando eles foram para Washington D.C. conversar com o presidente Calvin Coolidge, deu para ter uma boa ideia de como eles se vestiam. Eu fiz muitas pesquisas na internet e Marty (Martin Scorsese) também tinha uma pesquisadora maravilhosa, Marianne Bower, que atuou como produtora do filme. Troquei muito material com ela e Jack Fisk, a designer de produção, com quem já fiz dez filmes.
Por causa do Covid eu passei cerca de quatro meses em casa fazendo minha pesquisa antes de viajar para Oklahoma. Cheguei lá com cerca de duas mil fotografias, todas em preto e branco, que eu tive que traduzir para cores, com a ajuda de jovens Osage que a produção contratou e trouxeram fotos de suas famílias da década de 1920. Eles são uma tribo muito única.
HB – Então você trabalhou com membros da tribo Osage?
JW – Muito de perto. Contratei algumas mulheres Osage para trabalhar em minha oficina comigo e minha costureira, Mindy Eiler, que é fantástica. Elas nos ensinaram a fazer tecelagem com os dedos, como para a faixa do chapéu que Leonardo DiCaprio usa, e o casaco do casamento de seu personagem. Esse tipo de tecelagem é exclusivo do Osage. Essas jovens aprenderam a técnica com suas avós, mães ou tias, é realmente obra de arte.
HB – Algum dos figurinos usados em cena é original da tribo Osage?
JW – Usamos muitos originais. Fizemos um trunk show. Acredito que mais de duzentos carros passaram pelo nosso estacionamento com artigos Osage, seja por linhagem familiar, por amizade ou proximidade de alguém que morreu durante o Reinado do Terror. Se algumas dessas pessoas fossem escaladas para o filme como pano de fundo, nós as deixamos usar os artefatos de sua família, para que elas sentissem essa conexão com seu passado.
HB – O que você queria comunicar com os figurinos originais?
JW – Essa pergunta passa por mim, pelo Marty, pela Jack Fist e pelo Rodrigo Pietro, diretor de fotografia. Marty queria algo autêntico, que os Osage pudessem fazer parte e que mostrasse quem eles eram. Tínhamos tábuas enormes com cerca de 3 metros de altura preenchidas de fotos. E eu dizia ao elenco: “Encontre um rosto que se pareça com o da pessoa que você está interpretando e vista-se exatamente como ela”, assim contaremos a história com precisão. E eles fizeram.
Os Osage eram únicos entre os nativos americanos das planícies. Eles tinham uma maneira muito diferente de se vestir, como as camisas de chita, a forma como decoravam seu contorno com fitas. Eles também usavam itens comerciais daqueles que passavam por suas terras, como peles, misturadas com contas da Tchecoslováquia, cetim moiré e sedas francesas, prata alemã.
HB – Como foi trabalhar com Martin Scorsese?
JW – Ele diz: “Me chame de Marty”. Ele é maravilhoso. Em primeiro lugar, sua paixão pelo cinema é contagiante, te pega no minuto em que você o conhece. Ele conversou com os Osage com bastante antecedência, para que eles soubessem suas intenções: contar sua história com precisão e retratá-las da maneira mais fiel possível, e isso foi passado para toda a equipe. Ele é muito colaborativo também, sempre aberto e entusiasmado com as ideias e perspectivas que ele não tinha tido. Ele realmente te encoraja em sua forma de arte e quer que você lhe mostre coisas que o manterão animado, o que é realmente maravilhoso.
HB – Lily Gladstone, Leonardo DiCaprio e Robert DeNiro tiveram alguma participação na construção do figurino de seus personagens?
JW – Ah sim, claro. Para mim a primeira prova de roupas de um ator — um bom ator — é quando o personagem ganha vida. Eu nem gosto de dizer personagem, porque a pessoa que é interpretada se torna tão real quanto qualquer um de nós. Trabalhar com o Leo (DiCaprio), por exemplo, é incrível, ele não é apenas um rosto bonito, é muito metódico com seu trabalho. Já trabalhei com ele antes em O Regresso, então já tínhamos um diálogo pré-estabelecido.
Primeiro, mostro aos atores todas as pesquisas que fiz para seus personagens Depois, lhes apresento o guarda-roupa que fiz para eles — os principais, claro. Quando eles vão para os ensaios e gravações, eu vou até seus trailers com eles para escolher o que vão vestir naquele dia, assim como alguém escolheria do seu próprio armário, levando em consideração para onde eles estão indo, o que estão fazendo, qual seu humor eles estão. O mesmo para Lily, estudávamos com a minha consultora nativo-americana como ela usaria determinado xale dependendo do que ela estava fazendo, com quem ela iria conversar.
HB – No filme dizia que os Osage gostavam de usar suas roupas étnicas com peças de marca. Quais marcas você usou nos figurinos?
JW – Na década de 1920 havia um balcão da Tiffany em Fairfax, o armazém geral do Osage. Eles compravam jóias Tiffany e as usavam com seus vestidos, debaixo dos cobertores. Eles provavelmente tiveram peças de todos os grandes designers da época. Usei diversas marcas, mas nenhuma em específico, além da Pendleton Mills, que reproduziu exatamente os mesmos cobertores de seus arquivos que os Osage usavam na época do filme, nas mesmas cores. Acreditam que foram feitos entre quatrocentos e quinhentos peças para o filme, com a mesma logomarca de 1920.
HB – Quais são seus próximos projetos?
JW: Agora estou com Duna – Parte 2 em cartaz. Depois disso vou tirar uma folga, acredito que mereço (risos).