Foto: Priscila Nicheli / Styling de Samantha Szczerb / Beleza de Titto Vidal

Jeniffer Dias está com a agenda lotada. Este ano foi muito especial para ela, que, além da série “Rensga Hits!”, do Globoplay, onde faz a cantora sertaneja Thamyres – dupla com seu irmão gêmeo Theo (Sidney Santiago) -, gravou a série “Spider”, da Paramount+, que conta a vida do lutador de MMA Anderson Silva, e “Mussum, o Filmis”, sobre o humorista Mussum, morto em 1994. No filme, ela contracena com o próprio noivo, o também ator e humorista Yuri Marçal, que faz uma das fases de Mussum no longa-metragem.

Além disso, também para 2023, Jeniffer vem com um projeto teatral em que vai contracenar com Marçal. O projeto está sendo escrito e deve ganhar corpo até meados do ano que vem. Ah, e vem “Dona Vitória”, longa em que contracena com Fernanda Montenegro, a quem carinhosamente chama de Dona Fernanda. “Contracenar com a Dona Fernanda me colocou em um lugar de gratidão muito grande, como ela me olhou nos olhos, como falou comigo, a atenção que me deu”, conta.

Carismática e talentosa, Jeniffer não tem medo do que pode vir pela frente, a ideia é se aprofundar na arte de atuar e de escrever, sim, para 2023 ela tem planos de fazer um curso de roteiro, e acha importante que as pessoas pretas estejam em local de protagonismo não só na frente da tela, como por trás dela.

Leia a seguir entrevista que Bazaar fez com a atriz via Zoom.

Vem segunda temporada de “Rensga Hits!”?

Sim, vem duas, vamos gravar as duas juntas, não sabemos exatamente a data, mas estamos reservados para isso. Também não sabemos ainda se será no Rio ou em Goiânia, a exemplo da primeira.

Foto: Priscila Nicheli / Styling de Samantha Szczerb / Beleza de Titto Vidal

Como foi fazer a Thamyres?

Foi maravilhoso. Primeiro foi um desafio, porque eu sou uma menina carioca que cresceu no meio do samba, e a Thamyres é uma mulher que vem do sertanejo e do centro-oeste, então eu mergulhei nesse universo de cabeça. Eu me lembro que quando chegou o teste meu empresário disse que eu teria que gravar uma música sertaneja, e pensei que eu nem sabia uma (risos), e a primeira música que me veio foi “Evidências”, de Chitãozinho e Xororó, porque cresci com meus avós escutando, então era muito presente. A produção gostou de minha interpretação e sugeriram um teste, e encarei essa nova etapa. Fui aprovada e tive que conceber uma cantora sertaneja de sucesso. Fui para Goiânia, onde morei por três meses para fazer prosódia, para pegar o sotaque deles, e aulas de canto. A música é muito presente para mim, meu pai [Ernani Ribeiro] é músico, ele tinha um grupo de pagode nos anos 1990, o Pirraça, e eu ia com ele e cantava uma música aqui, outra ali, mas nunca pensara que isso seria uma profissão para mim, ser cantora. Quando tem roda de samba lá em casa eu canto. Estou fazendo aulas de canto de violão, porque acho que a Thamyres volta nessa segunda temporada cantando e tocando violão. Ela é artista desde pequenina, está muito inserida nesse universo, ela compõe. Então a Jeniffer vai ter que mostrar que está atrás disso. A personagem Thamyres é complexa, porque ela não é só um mulherão, uma mulher forte, ela é muitas coisas. Ela é forte, empoderado, sensível, dá para ver como desaba quando vai se separar do irmão gêmeo, que são uma dupla, Theo (Sidney Santiago) e Thamyres. Ela luta muito para que o irmão cresça e leve as coisas mais a sério, mas não consegue. Thamyres foi passada para trás pelo simples fato de ser mulher, embora ela tenha a voz mais bonita, seja a compositora da dupla, ela ganhava menos que o irmão, e descobre isso. A luta dela era sobre isso também, mas não só sobre isso, o irmão é o amor da vida dela. A série foi incrível também porque permite que os personagens sejam um pouco de tudo, além de tocar em temas importantíssimos como homofobia e desigualdade salarial. Estou muito ansiosa para começar a fazer a segunda e terceira temporadas. Eu, como espectadora, assisto a tudo o que faço, porque tem coisas que eu vejo e penso que posso melhorar para a próxima temporada. 

Como foi gravar o filme “Barba, Cabelo e Bigode”, na Netflix?

Para mim foi muito interessante gravar porque é um elenco que eu sou fã, não que de “Rensga Hits!” eu não seja, muito pelo contrário, mas nesse filme o elenco é majoritariamente preto. O diretor é o Rodrigo França, que é um grande amigo e é o primeiro filme dele. Suei a camisa para passar no teste, mas passei. Eu fiquei muito feliz porque contraceno com a Solange Couto, que eu cresci assistindo na TV, sou filha dela no longa, e a maioria das minhas cenas são com ela. Então foi uma honra fazer parte disso, eu aprendi muito com a Solange, ela é do tipo de atriz generosa. Fico torcendo para que tenha uma continuação. 

Como é sua personagem?

Eu faço uma jovem que está nos primeiros períodos da faculdade, é uma família preta da Penha, subúrbio do Rio. A minha mãe tem um salão de beleza que está decadente, que está para fechar, então a gente passa o tempo todo pensando em estratégias para que isso não aconteça. O meu irmão que é o protagonista, Richarlisson, Lucas Penteado, fica o tempo todo pensando em como fazer para o salão não fechar. E a Danielle, que é minha personagem, é uma menina superempoderada, que tem um namoradinho que a mãe não gosta muito. Ela é uma personagem bem espertinha, inteligente e malandra também, que tem uma energia hilária. Esse é um filme que eu guardo no coração. Eu lembro da minha família quando assisto ao filme. Foi uma loucura, porque eu gravava o filme no Rio e corria para Goiânia para gravar “Rensga”, ficava nesse bate e volta.

Foto: Priscila Nicheli / Styling de Samantha Szczerb / Beleza de Titto Vidal

E como é essa intercalação de personagens?

Ah, é tranquilo, quando a gente está estudando aprendemos a separar uma coisa da outra, e eu vi que me dou muito bem fazendo isso [gravando duas personagens simultaneamente]. Porque quando a gente entra em cena, parece que fomos abduzidos, e quando acabou a cena, é fim, a gente já parte para outra produção. Dá para separar perfeitamente, são duas histórias, dois cenários, tudo diferente. Foi uma experiência incrível, nova, e já estou pensando quando isso vai acontecer novamente (risos).

E “Mussum, o Filmis”, você faz uma das mulheres do comediante?

Sim, quando eu acabei “Rensga Hits!” eu já comecei a gravar “Mussum, o Filmis”, eu faço a primeira esposa, a Leni, e é incrível porque eu contraceno com o meu noivo na vida real (Yuri Marçal), que é Mussum na primeira fase, então contracenamos o tempo todo juntos. Estou muito ansiosa para ver o resultado. Todos nós da minha família, e o Yuri, somos todos muito fãs do Mussum, que é uma referência e abriu muitas portas.  

Como é para você participar de um filme que homenageia um ícone como Mussum?

Nossa, é uma honra. Meus filhos vão assistir, vão se sentir representados, as minha afilhadas vão se sentir representadas quando assistirem. Assim como quando eu fiz Dandara, que era uma garota retinta em “Malhação”. Eu sempre peço para que meus personagens mudem alguma coisa, sobretudo neste momento que estamos vivendo, e que seja referência para as crianças, para os jovens, então fazer “Mussum”, para mim, foi muito especial. 

Logo depois de “Mussum”, eu passei em um teste para contracenar com a dona Fernanda Montenegro, é o que está rodando agora, “Dona Vitória” [inicialmente dirigido por Breno Silveira, que morreu durante as filmagens]. Quando o Breno morreu, as gravações foram interrompidas ataque se achasse um novo diretor. Nesse meio tempo eu passei para o teste de “Spider”. Aí encontraram o Andrucha Waddington, que de continuidade ao filme “Dona Vitória”.  Contarcenar com a Dona Fernanda me colocou em um lugar de gratidão muito grande, como ela me olhou nos olhos, como falou comigo, a atenção que me deu. 

Você finalizou as gravações de “Spider”, da Paramount+, conte sobre isso.

Eu faço a Sandra, prima do Anderson Silva, o Spider,  e foi a primeira vez que eu dividi uma personagem com outra atriz, porque sou muito ciumenta com as minhas personagens, mas como tem muitas fases, cada uma faz a sua. Eu aprendi que tem que ser muito grande para dividir alguma coisa que a gente acha que é nossa. “Spider” me ensinou muito sobre isso, ademais, o elenco da série é  majoritariamente preto. Meu pai na trama é seu Seu Jorge, eu aprendi muito com ele, é um ator muito potente, generoso, engraçadíssimo. Também contracenei diretamente com a Tatiana Tiburcio. A Tati é uma atriz que eu admiro há muito tempo, ela, para além de ser uma grande atriz e amiga, é uma preparadora maravilhosa, então estar em cena com ela foi muito incrível. Também contracenei direto coma Larissa Nunes, outra grande atriz… Tem tanto trabalho que fiz para ver no ano que vem que estou ansiosíssima. São obras que as criancinhas pretas vão ver e se sentir representadas. Quando eu era pequena não queria ser atriz justamente por isso, porque não via na TV pessoas como eu, pretas, era um ou outro, então eu achava que não ia ter espaço. Quanto mais histórias a gente tiver com gente preta, inspiramos novas pessoas a estudarem e a entrarem para a área. Não só atuação, mas para eles entenderem que são grandes também. 

Foto: Priscila Nicheli / Styling de Samantha Szczerb / Beleza de Titto Vidal

Conte sobre o Projeto 111, como surgiu?

Antes de falar do projeto, preciso dizer que eu sou uma pessoa que começou a ler livro no teatro, e um livro que abriu muito a minha cabeça foi “Um Defeito de Cor”, de Ana Maria Gonçalves, é uma obra que eu dou de presente. Eu até me emociono, porque esse livro me fez ver a mim de forma diferente enquanto uma mulher preta, de me impulsionar como uma mulher empreendedora e criativa, a não esperar nada e fazer com o que tenho. Aí um dia eu estava em casa e a Luiza Loroza, outra grande amiga, me ligou me chamando para ir ver uma peça dela no centro do Rio. Era uma peça que falava sobre a Yabás, que são as orixás femininas, e eu me emocionei muito, ainda mais agora que sou do candomblé. Enfim, acabando a peça, subimos para o terraço e tive a ideia de fazer um projeto ali, perguntei a ela e a Lorena Lima o que achavam. Um mês depois nasceu o Projeto 111, que é uma proposta de residência artística e cultural, onde a arte é valorizada. A ideia era trazer artistas ligados ao teatro, mas que não eram vistos, para ganhar notoriedade, e também fazer com que pessoas que são de longe, como eu, que sou de Niterói, pudessem estar nesses eventos. A entrada era voluntária, cada um pagava o que podia, e o dinheiro era todo divido entre os artistas participantes, que eram artistas que cantavam no metrô, que faziam poesia na rua, DJs em início de carreira, e artistas grandes, já reconhecidos, que faziam o intercâmbio entre os que estavam começando e os já estabelecidos. Nós tivemos que parar por conta da pandemia, e o prédio onde fazíamos também fechou. Então, neste momento, estamos procurando novos espaços para fazer isso acontecer de novo, porque a gente não precisa de muita grana, a gente precisa de um espaço para fazer isso acontecer. Meu objetivo para 2023 é conseguir esse espaço, minha meta é conseguir isso depois do Carnaval, vamos ver. 

Você pensa em dirigir?

Na pandemia, eu e o Yuri montamos um curta, que eu dirigi ao lado de uma grande amiga, a Natália Cruz, que está em fase de montagem, mas já conseguimos escrever um curta inteiro. No ano que vem começo um curso de roteiro, e pretendo dirigir sim, porque eu e o Yuri pretendemos fazer juntos um espetáculo no palco, nós estamos construindo esse texto com os roteiristas, escritoras. O ano que vem vai ser muito movimentado para mim, porque além de “Rensga Hits!”, eu vou me iniciar no candomblé, para o que terei que me afastar por um tempinho, 

Foto: Priscila Nicheli / Styling de Samantha Szczerb // Beleza de Titto Vidal

Como você a representatividade preta atualmente no audiovisual?

Olha, eu vou te dizer que a gente está evoluindo, estamos em um bom caminho, apesar de achar que nós temos muitas barreiras para derrubar. Se a gente for olhar de dez anos para cá, só tinha uma, a Taís (Araujo), e agora tem outras que vão fazer protagonistas, como Sheron (Menezes, que vai fazer “Vai na Fé”, da TV Globo), a Roberta Rodrigues… Isso já me deixa mais feliz, com uma perspectiva mais positiva para o futuro. Eu acho que a gente está indo para um bom caminho e espero que isso não mude. Antes você via algo no audiovisual, um elenco de 30 pessoas, duas eram pretas, hoje isso está diferente. Como espectadora, eu não vou dar mole, a gente tem que ir para as redes sociais, falar, mostrara, e acho que tem de ser assim daqui para frente. O que tenho visto também é que as pessoas estão mais interessadas em contar as nossas histórias. Mas nós temos que escrever também as nossas histórias. Que cada vez mais nós sejamos protagonistas das histórias que nós estamos escrevendo. 

Foto: Priscila Nicheli / Styling de Samantha Szczerb / Beleza de Titto Vidal

Como cuida da beleza? Tem algum ritual?

Meu processo é mais de dentro para fora. Eu tenho um ritual diário, que é não fazer nada antes de fazer a minha reza, que eu acho importantíssimo, tomar a minha água, depois meditação e academia. Aí tomo meu banho gelado, depois o café da manhã. Eu venho de um processo de transição capilar, passei muito tempo alisando o meu cabelo, machucando a minha raiz, então tenho usado laces, cada uma de um jeito. Esse processo de transição é doloroso porque a gente se aprende a se amar, é libertador.