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Por Paula Jacob
Michel Franco faz uma dobradinha com Jessica Chastain após o melancólico “Memória” (2023) para um thriller psicológico com “Sonhos”, que estreou esta semana no Brasil. O filme acompanha Jennifer McCarthy, uma herdeira socialite que transformou o império financeiro de seu pai em fundação cultural. Além da frente de artes plásticas, ela também comanda a frente que patrocina dançarinos mexicanos para conseguirem espaço na concorrida cena do balé clássico na Califórnia.

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A história começa com Fernando, um jovem cruzando a fronteira entre México e Estados Unidos de maneira ilegal. Consegue algumas caronas gentis até chegar numa mansão em São Francisco. Bem à vontade, ele sabe os códigos para acessar o interior da casa com ares modernistas. Com o cair da tarde, vemos a personagem de Chastain chegar e, no lugar de expulsá-lo, logo o admira dormindo em sua cama.
Pouco depois, entendemos que ambos vivem uma relação escondida de todos à sua volta, da academia de balé, da fundação, da família de Jennifer. Nesse desbalanço, o dinheiro dela manda em tudo: onde ele vai dormir, como vai se vestir, o que vai comer. Num primeiro momento, para ele, faz sentido a dinâmica, mas a partir do momento que é aceito na companhia de dança da cidade, as coisas começam a mudar. O controle simbólico dela sobre ele se dissipa e as decisões passam a ser compartilhadas, mesmo a contragosto.

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Somos colocados no centro dessa relação afetiva também por meio de flashbacks na residência mexicana dela, um respiro de Barragán. Apaixonados, eles se amam sem hora para começar ou terminar, num verdadeiro vórtex de jogos sexuais. Eles parecem viver o tempo todo entre desejo e repulsa, entre vontade e medo (e as cenas de sexo acompanham essa atmosfera) – algo recorrente nos filmes de Franco.

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De volta ao presente, a excelência e dedicação de Fernando colocam ele no centro das atenções e não demora para alçar o papel masculino principal na próxima apresentação da academia. Com o reconhecimento, chegam também os cochichos de sua condição ilegal no país e ameaças de denúncia e prisão. O clima na vida pessoal também não é dos melhores, e a manipulação emocional é condicionada de ambos os lados.
As pendências da escola de balé mexicana fazem com que ambos retornem para lá, mas no lugar da dinâmica que vimos anteriormente, Fernando se apossa da sua masculinidade e a leva às últimas consequências. Sua amada, então, é feita de prisioneira na própria casa, passando por humilhações diárias, como parte de uma punição sádica por decisões tomadas à queima roupa.

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O aspecto de thriller psicológico que sondava todo o filme, e o deixava interessante, evapora para dar lugar a uma sequência de cenas sem nenhum filtro estético, colocando o corpo da mulher, mais uma vez, como espetáculo da dor. É visível o questionamento do cineasta diante da crise imigratória nos Estados Unidos, da falsa ideia de filantropia da branca-rica-mimada, da vida sem consequência para quem pode pagar por qualquer coisa, da exotização de corpos latinos e da hierarquia dentro de relacionamentos. Porém, tudo isso perde a força quando a crítica não alcança a sensibilidade da questão feminina e usa, mais uma vez, cenas de violência de gênero como um plot twist deturpado e fetichizado. Aos espectadores, resta o gosto amargo na boca e a dúvida sobre o propósito de tudo isso.

