Foto: Leandro Emede

Laura Pausini separou um tempo para falar com Harper’s Bazaar Brasil às vésperas do lançamento do álbum Anime Parallele (Almas Paralelas), no fim de 2023, por Zoom, direto de Roma, na Itália, onde mora. “Gostaria de falar diretamente, olhando você”, diz sobre um possível encontro tête-à-tête. A pandemia pode ter encurtado distâncias, com bate-papos a uma telinha de proximidade, mas não mata as saudades como a dela, que tinha em voltar ao Brasil. “Da próxima vez, espero te encontrar ao vivo”.

A aguardada visita ao País acontece neste fim de semana (dias 2 e 3 de março), onde tem dois shows programados no Espaço Unimed, na capital paulista. c

Qual foi a coisa mais emocionante e que guarda no coração sobre o Brasil?

Bom, eu voltei muitas vezes ao Brasil. Lembro que, a primeira vez, foi muito impactante. Porque eu escutava muita música brasileira, mas nunca tinha podido viajar até o Brasil quando era pequena. Me encontrei caminhando pelas ruas do Rio de Janeiro e fiquei como se me lembrasse o nome das ruas e dos lugares. Foi muito estranho, porque eu era como se já conhecesse. E não falava nada de português. Mas, imediatamente, entendi tudo o que falavam comigo. Comecei a pensar que, na minha vida passada, fui uma brasileira. Não é possível. Me sinto tão em casa todas as vezes que vou para aí. Mas, realmente, o que mais me impactou foi que eu lembrava de algumas partes da cidade. Foi muito importante!

Quando foi a última vez que você veio para o Brasil?

Estive no Brasil em 2018, quando levei uma turnê para São Paulo, Brasília e Recife. A última vez muito legal.

Vamos falar do álbum? Qual a emoção de lançar um disco depois do momento pandêmico?

Obrigada pela pergunta, porque faz cinco anos que lancei meu último álbum Fatti Sentire (2018) e nunca tinha ficado tanto tempo entre um e outro. Preciso dizer que muitas coisas aconteceram na minha vida nos últimos anos. Coisas incríveis, como ganhar o Globo do Ouro (pela faixa Io Sì (Seen), composta por Laura, Diane Warren e Niccolò Agliardi para o filme italiano Rosa e Momo), ser indicada para o Oscar até estrear um documentário sobre a minha vida.

Mas, também, passei por um momento de grande insegurança, medo e frustração, pensando sobre o meu futuro. O futuro como mulher, como mãe e como cantora, também. Me perguntei como seria depois desses prêmios, porque há novas responsabilidades. E me questionei se, realmente, seria capaz de me desafiar diariamente, com tudo o que está acontecendo hoje, como a guerra e acima de tudo, comigo mesma. Fiquei – pode usar essa palavra – congelada por um período. Porque tinha certeza que só estava protegida quando estava em casa. Fora, não ficava.

Recuperei a minha forma depois que pessoas mais próximas a mim me orientaram, e comecei a me desafiar novamente. Escutei muita música para estar pronta ao ponto de colocar a minha voz, e, também, meu rosto antes do julgamento de todos. E quero falar disso, porque eu nunca me acostumei a estar no front (stage). Durante a pandemia, foi uma concentração de dias sobre as redes sociais e foi muito impactante para mim. Hoje, é tudo muito rápido, tudo imediato e é tão fácil criticar em vez de elogiar. Então, nesse período da pandemia estava constantemente com medo.

Como é, para você, celebrar este novo momento?

Passava os dias escutando muita música nova, escrevendo e escutando. Improvisadamente, as músicas vieram. E, então, agora, após muito tempo, finalmente, estou aqui feliz contando e cantando sobre tudo. O meu último álbum, Anime Parallele (lançado em outubro de 2023, pela Sony Music), significa almas paralelas. E é um álbum conceitual, que conta 16 histórias de pessoas reais, mas diferentes entre si. É um disco que celebra a diversidade e, mais do que nunca, o direito individual de cada um. Na minha opinião, temos que ser respeitados por sermos cidadãos, mas, de almas diferentes. Este é o conceito do disco.

Foto: Leandro Emede

E você descobriu algo diferente, um espírito animal, com este trabalho?

Bom, eu tratei de olhar os outros como se eu estivesse voando e descobri que nós somos muito pequenos, estamos passando um tempo nessa terra. E estamos de passagem. Normalmente, quando eu pensava sobre a minha vida, pensava que tudo estava caminhando na mesma direção. Mas não é assim. E descobri, mais profundamente, durante a pandemia e durante a escrita do disco. Especialmente, imaginando que voava.

Ver as coisas por uma perspectiva de fora, era meio isso?

Sim e tratando, também, de entrar dentro das almas das pessoas que são muito diferentes de mim. Tratei de ler muitas coisas, não somente livros, sobre coisas verdadeiras, que chegaram pelo meu fã-clube. Meu pai faz a gestão disso tudo. Lendo, descobri tantas pessoas que escutam a minha música, sendo muito diferentes de mim. Pelas ideias, sonhos, religião e cultura, logicamente. Mas é incrível, como eu posso ser uma condução, uma pessoa que fala através da música de coisas que estão muito longe de mim. Sempre pensei que as pessoas que me ouviam eram iguais a mim.

Às vezes, a pessoa se projeta em você, vê aquilo ali como uma válvula de escape. Não necessariamente, acredita em tudo o que você está passando…

Nós vivemos em um mundo que divide lugares, mas não, necessariamente, ideias. Digo isso muitas vezes porque queria clamar, pelas ruas e calçadas, para que exista respeito e amor entre as pessoas. Gostaria que os ouvintes tivessem o desejo de cair de amor, como os seres humanos que vivem, simultaneamente, como almas e seguem em paralelos. Não é necessário cruzarmos ou nos encontrarmos. É um trabalho difícil amar e respeitar gente que é muito diferente.

Ainda mais quem tem pensamentos diversos…

Isso mesmo. Se todos começarmos a nos concentrar na palavra amor, acredito que o ódio possa deixar nossa vida. Porque, somente através do respeito e encontrando uma tipologia de amor, muito de fraternidade, deixamos o ódio ao mesmo tempo.

Foto: Leandro Emede

E, vale ressaltar, o Brasil acabou de passar um momento muito difícil.

Na Itália acontece o mesmo. Mas eu acredito que, se ninguém falar disso, ninguém começar… Muitas pessoas fazem isso através de livros, filmes, música, também. E agora, fico mais responsável. Provavelmente, porque agora sou mãe, é uma mensagem que quero falar. Pode ser que falar de amor de uma maneira tão grande e universal, pode ser que não seja muito de moda, né? É muito importante fazer agora, nesse momento histórico. É muito importante. Todos os dias nos levantamos com uma guerra nova, com ódio ou violência sobre as mulheres. Devemos trazer uma novidade, como uma mensagem de carinho, afeto e amor. Se não falarmos disso nas partes mais culturais, como música e arte, em geral… A parte cultural pode ser muito influente na vida das pessoas, porque toca a alma.

Uma coisa chama a atenção neste álbum, já que você falou sobre essa coisa volátil das redes sociais, é que 99% delas têm duração superior a três minutos. Você teve algum pensamento por trás disso?

Sim (gargalha). Imagina que, há algumas semanas, aqui na Europa, perguntaram para mim de cantar no show a minha nova canção, mas cortando a dois minutos. Porque três é muito grande. “Mas o que está falando?”, respondi. Uma canção precisa dos seus minutos para ser completa. No passado, já fiz canções de 6 minutos. As pessoas estão demasiadamente rápidas. Às vezes, se você olhar no YouTube, as pessoas olham muito menos os videoclipes. Agora, também, funciona muito a versão speed. A mesma voz, corrida (faz barulho de aceleração com a boca). Eu não suporto isso, desculpa. Pode soar um pouco boomer, mas não pode não pode justificar.

Você cantou em português, com Tiago Iorc e Simone e Simaria. Tem mais alguma coisa a caminho em português, já que você tá lançando álbum também em espanhol?

Amei cantar com o Tiago Iorc porque fazia muitos anos que esperava uma canção justa para poder fazer um dueto com ele. Adoro a música dele e sua habilidade para escrever. Pedi a ele para fazer uma letra para a minha música, escutando a versão italiana, mas, ao mesmo tempo, fazendo uma versão que ele sentia muito forte dentro dele. Eu adoro me envolver em diferentes estilos, como você já mencionou Simone e Simaria. Cantei também com Gilberto Gil, Sandy e Ivete Sangalo. Espero cantar por muito tempo em português.

Adoro português, é o meu idioma favorito, mais do que o italiano e todos os outros. As pessoas que me seguem desde o princípio, sabem que eu fico com um pouco mais de amor pelo idioma brasileiro, que é português, mas brasileiro é melhor (risos). Nossa, eu fico muito apaixonada por esse idioma. Então, gostaria muito de cantar mais e mais e mais. Agora, amo a canção que fiz com o Tiago, porque amo Tiago e amo que essa palavra que ela escreveu. É tão fofa. Sinto, muito forte, dentro de mim. Todas essas palavras que ela escreveu de forma muito verdadeira.

O que se pode esperar do setlist?

A música Durar (Uma Vida com Você), fará parte dos shows que farei em São Paulo, nos dias 2 e 3 de março. Quero contar tudo o que passou durante a preparação da turnê. Porque comecei em fevereiro (do ano passado) depois de quatro anos desde a minha última. E começamos 2023 como uma maratona ao vivo. Foram três cidades: Nova York, Milão e Madrid em 24 horas para celebrar meus 30 anos de carreira, no mesmo dia em que fiquei conhecida, em 27 de fevereiro, 31 anos atrás.

No Verão passado, nós fizemos duas premières ao vivo em praças na cidade de Veneza, na Itália, e em Sevilha, na Espanha. Apresentar um show dedicado à minha história, mas também à cultura das praças. Desde dezembro, passei pela Itália e toda a Europa, e entre fevereiro e abril, estaremos entre América Latina e Estados Unidos. Vai ser um pouco diferente do que fiz nos teatros e praças, mas é um percurso dentro da minha carreira, logicamente. Porque não se pode celebrar 30 anos sem cantar todas as canções famosas, como La Solitudine, Non Che, Strani amore. Todas as canções que cantava quando era mais jovem até chegar a Durar (Uma Vida com Você), que espero poder cantar com o Tiago em São Paulo.

Foto: Leandro Emede