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Por Paula Jacob
Histórias de mulheres inspiradoras movem as cineastas premiadas Sharmeen Obaid-Chinoy e Trish Dalton, que, há mais de 20 anos, colaboram juntas em documentários sensíveis. O projeto mais recente, Diane Von Furstenberg – Mulher no Comando, já disponível no Disney+, só reforça o cuidado das diretoras em tratar de temas como trabalho, gênero e envelhecimento.
A protagonista dessa história, icônica estilista e empresária, propulsora do vestido envelope (ou wrap dress, no inglês), mostra um lado mais humano da sua trajetória, marcada por viagens, amores, maternidade, desafios de mercado e, claro, sociais. “Depois de fazer o documentário, fiquei impressionada o quanto uma mulher como Diane poderia ser tão fashionista e importante para a moda e, ao mesmo tempo, ter os pés no chão. Ela é bastante resoluta”, conta Sharmeen.
Para Trish, a grande surpresa foi descobrir a praticidade que a estilista fundadora da DVF encara seu dia a dia. “Ela conta no documentário que estava ensinando feminismo para as clientes enquanto vendia seus vestidos – sinto que ela faz isso até hoje”, diz. “Ela também incorpora essa característica e não demora mais que cinco minutos para se maquiar e sair de casa. Essa determinação sempre esteve focada no trabalho, não queria perder tempo com a sua aparência. É inspirador ver uma mulher em movimento, tudo no próprio ritmo.”

Trish Dalton e Sharmeen Obaid-Chinoy (Foto: Divulgação)
As entrevistas com ela e outras personalidades importantes para a história da moda (e de Nova York) são intercaladas com imagens de arquivo e um panorama sócio-político que ajuda a contextualizar as decisões de Diane von Furstenberg. A seguir, as diretoras contam mais sobre o processo de fazer o filme:
Harper’s Bazaar O que levou vocês a mergulhar na história de Diane von Furstenberg? Já sabiam alguma coisa sobre ela antes de fazer o documentário?
Sharmeen Obaid-Chinoy – Em 2012, no palco (risos), durante um prêmio de uma revista feminina que estava recebendo. Eu tinha acabado de fazer o Saving Face [curta-documental vencedor do Oscar] e uma das mulheres que estava no meu filme, uma mulher muito corajosa que teve ácido jogado no rosto, estava recebendo o prêmio comigo. Entramos juntas no elevador e começamos a conversar porque Zakia estava se olhando no espelho apesar das cicatrizes em seu rosto. E isso comoveu Diane – tanto que escreveu sobre no seu livro.
Mantivemos contato e nos tornamos próximas até que, durante a pandemia de Covid-19, ela me ligou contando que queria trabalhar comigo em um filme sobre mulheres ativistas. Quando tivemos a primeira conversa sobre essa ideia, chegamos a conclusão que, na verdade, as pessoas queriam ouvir a história dela. Mas Diane não estava pronta naquela época, por isso demorou ainda uns anos para tirarmos a ideia do papel. Só quando Fabiola Beckham, produtora do filme, ligou que embarcamos nessa – e trouxe a Trish comigo.
HB – E você, Trish?
Trish Dalton – Acho que o fascínio do projeto era fazer um filme sobre essa mulher tão empoderada e forte. Nós duas, Charmaine e eu, costumamos gravar histórias de mulheres superando adversidades, quaisquer que sejam, e a vida da Diane estava de acordo com os tipos de narrativas que queremos ouvir. Ela é uma dessas pessoas que você tem vontade de passar horas e horas conversando. É cheia de aprendizados, conquistas e, obviamente, poder, mas também tem inúmeros percalços no caminho. Ajudou muita gente durante a sua trajetória e inspira, até hoje, homens e mulheres com essa personalidade empoderada.
HB –Além das entrevistas, o documentário tem inúmeras imagens de arquivo. Como foi coletar todo esse material e juntar as peças para ficar com uma coesão narrativa?
SOC –Diane é uma colecionadora incrível. Se você for até a casa dela em Connecticut, no porão, há uma sala enorme cheia de caixas com seus diários e todas as entrevistas que ela já fez; tem álbuns de fotografia da família, cartas da mãe, vídeos de quando era jovem. Para nós, era como se estivéssemos em uma loja de doces (risos). Você abria uma caixa e tirava uma fotografia de Andy Warhol, abria outra, e tinha a imagem de um jantar no apartamento de Diane na Quinta Avenida, em Nova York. Cada um desses momentos mostravam a sua história. Trish passou bastante tempo olhando para isso.
HB – Deve ter sido muito divertido fazer parte disso.
TD – Foi muito, como Sharmeen bem definiu, uma loja de doces para documentaristas!

Sharmeen Obaid-Chinoy (Foto: Divulgação)
HB – E 2024 tem sido um ano com diversos filmes e séries sobre grandes estilistas, mas vocês fizeram um documentário com a personagem-protagonista ainda viva. Como é celebrar uma mulher como ela, ainda cheia de coisas boas para contar?
TD – Tivemos bastante sorte nesse sentido, porque é emocionante poder colocar na tela alguém contando a sua própria história e ver isso tomando forma. E Diane é brilhante por si só, nós só ligamos a câmera. O material de arquivo também é mérito dela, que fotografou e arquivou milhares de coisas ao longo da carreira. Essa combinação de fatores deixou o filme envolvente.
SOC – Ela é muito aberta e sem remorso sobre o que ela quer compartilhar, e o fato de que ela ainda está viva e fazendo coisas é inspirador. Nós, enquanto cineastas, temos a honra de poder contar a história de uma mulher que escolheu viver a vida em seus próprios termos, criando algo inspirador para outras mulheres. Ela seguiu o próprio coração, caiu, se levantou, encontrou outras oportunidades e seguiu em frente. Nós fomos o canal para que essa história fosse contada.
TD – No fim do dia, Diane usou as próprias palavras, e esse legado será preservado para que muitas gerações saibam dessa mulher que começou um negócio em uma época em que os homens precisavam assinar tudo para elas. Diane mudou a natureza do jogo.
HB – Pensando nessa nova geração, o que vocês esperam que o filme traga para as mulheres criativas com carreira em ascensão?
SOC – É importante que as pessoas percebam que é um filme intergeracional. Queremos que as conversas aconteçam entre avós e netas, por exemplo, para entenderem o quanto o mundo mudou dos anos 1960 e 1970 para cá. Usamos também elementos políticos de pano de fundo para contextualizar os momentos da trajetória de Diane, amarrando a história dela por meio disso também. Assim como ela, o mundo se reinventou.

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HB – Para pessoas criativas, a lição em tudo isso é: cresça, expanda e seja esponja dos ambientes em que você vive; mude o caminho quando não funcionar, seja resiliente. Não importa o que aconteça, você continua…
TD – Essa persistência é super inspiradora. O filme começa com ela decidindo morar em Nova York, vai lá e faz. Decide ir para tal caminho, desenvolver tal peça, criar tal produto, optar por tal abordagem de negócios, não importa, ela vai lá e faz. Uma abordagem, inclusive, que ela usa para ajudar tantas outras mulheres, com suas iniciativas e prêmios.
HB – Diane sempre esteve à frente de seu tempo, algo presente tanto na vida pessoal quanto profissional. Como foi mostrar essa complexidade dela?
SOC – Quando ela criou o vestido envelope, disse que a mulher vem antes da moda – pensando na praticidade da peça e o que a inspirou para tal. Sinto que essa frase resume bem a nossa intenção com o filme, que era mostrar a mulher incrível que ela é independente da sua profissão. Olhamos para isso da mesma forma que olhamos todos os outros filmes que fizemos: mulheres incríveis que enfrentam circunstâncias extraordinárias. Era importante para nós mostrar quem ela é além de ser uma designer de moda, como é a vida pessoal dela, aquele lugar que a torna mais identificável com a audiência. É como Fran Lebowitz fala: “Eu posso ser como Diane”.
TD – Exatamente. Tem esse lado que toda mulher consegue se relacionar, começo de carreira, próprio negócio ou mesmo tendo filhos, passando por divórcio e tentando trabalhar. Ela é um ser humano e passou por muitas coisas que o resto de nós também enfrenta. A idade também foi um tópico importante no documentário, algo que ela própria sugeriu.
HB – Essas cenas sobre a questão da idade são muito bonitas…
TD – Foi tudo ideia dela. Muitas entrevistas aconteciam de maneira despretensiosa, o Morris ligava a câmera e ela começava a contar coisas. E Fabiola contou sobre a sua inspiração para produzir este filme: Diane personifica a mulher mais velha, mas também a mulher poderosa, sexy, mãe, trabalhadora etc. Essa ideia de que temos que ser um tipo de mulher, ser magra, não ter linhas de expressão, tudo isso coloca as mulheres em caixas.
Aqui, temos a oportunidade de dizer não. As linhas em nossos rostos são o mapa da minha vida. As cicatrizes que eu tenho, a pigmentação que eu tenho é de correr atrás dos meus filhos ou de administrar um negócio. Os fios brancos no cabelo são do estresse de dar conta de tudo isso. É uma oportunidade para nós pegarmos a narrativa e mudarmos a maneira como vemos as coisas. Diane faz isso tão bem… Pega a caixinha imposta pela sociedade e uma marreta e esmaga ela (risos). “Não quero mais brincar nesta caixa, vou fazer a minha própria.” O que é lindo de ver.

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