Por Leandro Muniz
Bexigas tramadas para fazer um vestido. Silicone aplicado obsessivamente com o polegar em um outro. Texturas de blusas e calças baseadas nos gomos de pitangas. Tafetá plissado modelado em um uniforme de basquete. Dentes de leite moldados em resina e bordados em camisetas. Acrescente a isso o interesse pelos fungos, sua paleta complexa (dos tons mais rebaixados aos psicodélicos) e a inteligência de crescer subterraneamente, muito além daquilo que se vê na superfície.
Múltiplas referências são cruzadas nas roupas do estilista Diego Gama, não para criar narrativas fechadas ou discursos claros sobre suas origens (ele é de Nova Friburgo, região serrana do estado do Rio de Janeiro); história (sua família é de jogadores de basquete e ele começou sua relação com as roupas desenhando uniformes); condição social (negro, LGBT); ou circuito social (as cenas noturnas de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo); mas como um reconhecimento residual dessas diversas experiências e porque elas podem contribuir para a criação de outras histórias.
Atuando também como professor, sua marca homônima tem agora sete anos e transita entre peças comerciais, como camisetas e bermudas amplas estampadas, outras de pura experimentação, como roupas feitas de musgo, subvertendo movimentos do corpo ou gerando outras possibilidades.
Seu interesse pelo streetwear é tensionado com o uso de materiais não convencionais, como silicone, e muitas vezes não têxteis, como a resina. Aspectos daquela modelagem, no entanto, estão sempre presentes, nos ombros relaxados, mangas amplas, bermudas e calças largas. Os movimentos dos corpos dos jovens negros que usam essas roupas na cidade, portanto, estão implícitos nas peças de Gama, mas colocados em um lugar especulativo, que questiona as expectativas sobre esses sujeitos e suas ações. Seus desfiles, em geral, escapam dos moldes tradicionais, para se concretizarem como verdadeiras performances, com intervenções sonoras e luminosas, além de movimentos inusitados do corpo e do conjunto de participantes.
As dúvidas e questionamentos sobre o objeto-roupa também estão em seu modo de produzir: lento e com forte fazer manual. Padronagens e estampas que poderiam ser feitas rapidamente por uma máquina, são feitas ponto a ponto, à mão, gerando irregularidades e indícios dessa ação, em uma dilatação temporal que problematiza o próprio funcionamento da indústria. Um tempo que nem sempre responde à aceleração das temporadas e trocas do mundo da moda, ampliando as relações entre experimentação, execução e circulação.
As silhuetas, embora não sejam exatamente oversized, são constituídas por linhas retas ou por uma geometria clara, que toca, mas não prende o corpo, delineia certos pontos, como os ombros ou a cintura, mas não os enfatiza, fugindo da política de gênero da qual a roupa é um dos primeiros códigos. E para além de gêneros – quaisquer que sejam –, para além de padrões corporais, essas roupas também parecem além de um tempo definido: foram feitas agora, no futuro, ou são fruto de uma projeção do futuro feita no passado?
Aqui, o grande trunfo: a modelagem como possibilidade de ficcionalizar os corpos, para além de suas formas naturais. Em termos práticos, isso significa toda a liberdade de formas e composições que uma silhueta pode criar. Em termos simbólicos, Gama mistura narrativas pessoais e coletivas, ampliando os usos que objetos tão próximos de nós, como as roupas, podem proporcionar.