Por Julia Flamingo
Uma reunião de 120 mulheres, que não poderia ser mais ruidosa, densa, incômoda e inspiradora, toma as galerias da Pinacoteca de São Paulo a partir deste sábado (18.08). A exposição “Mulheres Radicais (Radical Women)” tem doses cavalares de criatividade e um time feminino tão poderoso que deixaria qualquer Guerrilla Girl orgulhosa.
Criada originalmente para o Hammer Museum, em Los Angeles, ela chega para questionar a tradicional história da arte que não dá lugar à produção feminina. Enquanto uma das telas em preto e branco exibe a videoarte em que a baiana Letícia Parente costura com linha e agulha a frase Made in Brasil no próprio pé, uma série de fotos da argentina Graciela Carnevale mostra um grupo de pessoas trancado à força em uma galeria de arte. Ao obrigar os visitantes a participar de sua exposição, ela questiona imposições da ditadura.
A alguns passos, telas da colombiana Sonia Gutiérrez com estética pop retratam cenas de tortura. Em outra sala, a cantoria da poetisa Victoria Santa Cruz é registrada em vídeo para clamar pelo direito das minorias na sociedade peruana. Em forma de berros ou sussurros, os trabalhos realizados entre 1960 e 1985 por artistas latino-americanas demandavam o mesmo lugar emancipado para a mulher. E elas nem ao menos sabiam umas das outras.
Criada pela curadora de raiz venezuelana Cecilia Fajardo-Hill e pela pesquisadora argentina Andrea Giunta, “Radical Women” nasceu de uma pesquisa de sete anos sobre artistas latino-americanas que, em um contexto de ditaduras e censuras das mais diversas, enxergaram o próprio corpo como ferramenta política de experimentação e liberdade.
“Importante entender o ‘político’ como a libertação e exposição do corpo, erotismo, a relação do corpo com a sociedade e a natureza, o questionamento sobre padrões de beleza e, claro, a militância e resistência”, diz Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca, à Bazaar.
Entre os cerca de 200 trabalhos estão alguns assinados por nomes célebres, como o da cubana Ana Mendieta, com uma chocante série de fotos que reproduzem a cena de um crime de estupro e morte de uma colega da Universidade de Iowa.
Da argentina Marta Minujín, consagrada na Documenta de Kassel, em 2017, com seu Partenon de livros censurados, serão apresentados registros de La Menesuda, instalação gigantesca e imersiva que propõe situações como um casal seminu numa cama e uma ala para massagem e maquiagem. Lygia Clark, Lygia Pape, Anna Maria Maiolino e Lenora de Barros estão entre as 27 brasileiras presentes na mostra.
Mais surpreendente é conhecer trabalhos de artistas que não ganharam visibilidade merecida. A chilena Lotty Rosenfeld, por exemplo, denuncia em seu vídeo a ocupação dos espaços públicos pelos militares de Augusto Pinochet, ao transformar as faixas de rodagem das estradas em sinais de + (o símbolo era usado por ela nas palavras de ordem “No +”, ou no more).
O desejo sexual feminino é tema das esculturas da colombiana Feliza Bursztyn; em “Cama”, ela transporta a intimidade para o museu ao colocar formas que vibram embaixo de um cobertor vermelho. Vale destacar a cubana Zilia Sánchez e suas telas estiradas em formas que lembram seios e vaginas.
Além de influenciar gerações seguintes, esse grupo feminino redefiniu a linguagem artística. Foram pioneiras em criar estratégias para fazer fotoperformances, vídeos caseiros, captar imagens em movimento ou elaborar performances para as câmeras. “Com a censura política, essas mulheres precisavam conciliar atividades em escala doméstica com a produção artística. O vídeo proporcionou isso. Elas podiam criar suas obras sozinhas, em casa, sem precisar de um ateliê”, conta Jochen Volz, diretor artístico da Pinacoteca.
Pinacoteca: Praça da Luz, 2, centro, São Paulo. Tel. (11) 3324-1000. De 18 de agosto a 19 de novembro
Leia mais:
Dupla Osgemeos estreia mural gigante em Düsseldorf, na Alemanha
Frida Kahlo: exposição reúne pertences pessoais da artista