
Cantora se apresenta no Brasil pela primeira vez (Foto: Divulgação)
A soprano búlgara Sonya Yoncheva é uma das primeiras atrações do renovado Teatro Cultura Artística, no centro de São Paulo, ao lado do pianista escocês Malcolm Martineau. Berço da música clássica desde 1950, o local ficou fechado por mais de uma década após um incêndio, em 2008. Morando na Suíça há mais de 20 anos, a cantora está no Brasil pela primeira vez. À BAZAAR, ela reflete sobre a importância de celebrar grandes figuras da música clássica, como começou a sua jornada na ópera e como é possível se conectar com as novas gerações por meio das redes sociais. “Precisamos modernizar a forma de apresentar nossa arte, integrando tecnologias e elementos digitais que ressoam com as novas gerações.”
No palco, ela age como uma “diva”, mas na vida pessoal, é muito pé no chão. “Isso tem sido essencial para mim”, reforça. “Para mim, uma verdadeira diva é mais do que talento; é sobre como você se envolve com a sociedade, se comunica, se movimenta no palco, e irradia carisma.” Sonya revela suas superstições e rituais antes de entrar no palco, bem como os desafios que enfrentou durante sua carreira. Embaixadora de Rolex, enxerga o tempo com outro olhar. “Minha maior esperança é que, ao longo da minha vida, eu consiga deixar algo significativo, especialmente para meus filhos, e que as pessoas saiam dos meus shows com uma energia renovada.”
A cantora recebeu, recentemente, a “mais alta distinção do Ministério da Cultura” da Bulgária por suas contribuições à promoção da cultura de seu país. Veja, abaixo, a transcrição do papo:
Harper’s Bazaar – Você ouviu sobre a fama dos brasileiros, conhecidos pelo entusiasmo e paixão?
Sonya Yoncheva – Sim, ouvi! Recentemente, acompanhei os concertos de Diana Damrau no Brasil, e ela comentou que o público foi extraordinário, proporcionando a ela um dos melhores momentos de sua vida. Estou ansiosa para conhecê-los. Amo o país, ouvi muitas coisas boas, e, além disso, meu marido é argentino, então é sempre um prazer estar por perto.
HB – Os países nórdicos são conhecidos pela música pop. Por que escolheu a ópera?
SY – Desde criança, experimentei de tudo: cantei em corais, jazz, música pop, e estudei música formalmente. Minha jornada na ópera começou por acaso, enquanto trabalhava em um programa de TV na minha cidade natal. Quando me mudei para a Suíça, encontrei a professora certa, e em Genebra, estudei canto clássico. A conexão profunda que tive com essa professora tornou minha experiência ainda mais especial.
HB – As verdadeiras divas são aquelas que se aproximam do divino, certo? E você acha que o termo foi banalizado?
SY – Para mim, ser uma verdadeira diva é ter mais do que talento; é sobre como você se envolve com a sociedade, se comunica, se movimenta no palco e irradia carisma. Hoje, qualquer um pode se parecer como uma “diva” nas redes sociais, mas nada substitui a autenticidade de uma performance ao vivo. É essa autenticidade que distingue quem realmente merece o título.
HB – Quem é sua diva favorita?
SY – Há muitas! Fui profundamente influenciada por Maria Callas, Renata Tebaldi e Montserrat Caballé. Mas, para mim, a verdadeira diva sempre foi minha mãe. Ela foi o maior exemplo na minha vida.
HB – O centenário de Maria Callas deu uma atenção à música clássica? Como vê isso?
SY – Sim, acredito que sim. Celebrar 100 anos de Maria Callas ajuda as pessoas a compreenderem a importância dela e de outros ícones da música clássica. Essas personalidades moldaram a história da música e nos permitiram chegar onde estamos hoje. Lembrá-los é fundamental, pois transformaram o cenário musical. Eu ficaria muito feliz se, um dia, alguém se lembrasse de mim 100 anos após o meu nascimento e dissesse: “Sim, houve uma cantora aqui. Eu a ouvi quando tinha cinco anos.”

Foto: Hugo Glendinning
HB – Seus pais te incentivaram na música ou foi algo que sempre te interessou?
SY – Sim, meus pais me incentivaram muito. Eu era uma criança introvertida, e estar no palco era algo extraordinário e assustador para mim. Lembro de conversar com minha mãe e dizer: “Todos me perguntam o que serei quando crescer.” E ela, com muita certeza, me respondeu: “Você será uma artista e dedicará sua vida à arte.” Isso foi marcante, pois eu nem entendia o que significava na época. Minha mãe sempre acreditou no meu potencial artístico, enquanto meu pai, mais pé no chão, me lembrava de manter essa perspectiva. No palco, sou uma diva, mas na vida pessoal, sou muito pé no chão, e isso tem sido essencial para mim.
HB – Como os jovens podem se sentir atraídos pela música clássica?
SY – Acredito que dois pontos são essenciais. Primeiro, é fundamental que os pais apresentem as artes aos filhos desde cedo, não só para formar futuros artistas, mas como uma ferramenta poderosa para expressar sentimentos e ajudar na saúde mental. As escolas e os pais devem introduzir a música clássica, permitindo que as crianças decidam se gostam ou não. O segundo ponto é a necessidade de modernizar a forma de apresentar nossa arte, integrando tecnologias e elementos digitais que ressoam com as novas gerações, saindo dos moldes tradicionais que já não capturam mais a atenção deles.
HB – Você está preparando algo especial para os brasileiros, considerando a importância histórica do Cultura Artística no Brasil e o fato de o local ter ficado fechado por mais de 15 anos?
SY – Estou misturando obras dos meus compositores favoritos, Giuseppe Verdi e Giacomo Puccini, focando em suas composições dos primeiros anos, quando não eram famosos. Essas melodias, que mais tarde foram incorporadas em suas óperas mais conhecidas, como Tosca e La Bohème, serão os destaques. Na segunda parte, focarei em Puccini, celebrando os 100 anos de sua morte. É uma forma de mostrar a evolução desses compositores e apresentar ao público canções que podem parecer novas, mas que têm uma familiaridade intrínseca.
HB – Como você, enquanto artista e rosto da Rolex, vê a passagem do tempo?
SY – Para mim, o tempo passa de maneiras muito diferentes. Vivo muitas vidas em uma só, sendo uma personagem diferente em cada performance, e me movendo constantemente de uma cidade para outra. As distâncias e fusos horários já não têm tanto significado. Minha relação com a Rolex reflete esses valores, pois eles não são apenas uma marca de relógios, mas também grandes apoiadores do patrimônio cultural, ajudando a preservar e proteger o que herdamos. Compartilho desses valores e me sinto honrada em fazer parte dessa família. Minha maior esperança é que, ao longo da minha vida, eu consiga deixar algo significativo, especialmente para meus filhos, e que as pessoas saiam dos meus shows com uma energia renovada.
HB – Você mencionou a importância de atrair os jovens para a música clássica. Como você se sente em relação à proibição de filmagens e fotos durante as apresentações?
SY – Eu acho essa proibição completamente antiquada. Na minha opinião, é essencial permitir que o público registre e compartilhe suas experiências nas redes sociais. Vivemos em uma era digital, e isso pode ajudar a tornar a música clássica mais acessível e popular entre as novas gerações. Para mim, como artista, não faz diferença se as pessoas me filmam durante a apresentação. Eu, na verdade, adoro! “Não estamos mais vivendo na era dos CDs e DVDs,” precisamos evoluir. Alguns teatros ainda estão presos a essas tradições, mas acredito que isso precisa mudar para que possamos nos conectar melhor com o público jovem.
HB – Você tem algum ritual antes de entrar no palco? Algo que sempre faz para aliviar a tensão?
SY – Sim, tenho. Por anos achei que não, mas percebi que sou supersticiosa. Se o ensaio geral foi bom, insisto em usar as mesmas roupas na apresentação. Se não foi, permito-me mudar algo para renovar as energias. Também nunca faço postagens nas redes sociais antes da metade de uma estreia importante. Prefiro mostrar o melhor antes de ser comentada.
HB – Você ainda sente frio na barriga antes de uma grande apresentação?
SY – Sim, sempre. Antes de uma performance importante, acordo verificando minha voz, cuido dela o dia inteiro. A voz é sensível, depende de muitas coisas como sono, alimentação, clima. Às vezes, após uma noite ruim, a voz não está lá, e isso é uma luta constante.
HB – Qual foi o momento mais desafiador que você enfrentou?
SY – Recentemente, cantei em Baden-Baden (Alemanha) e depois dirigi cinco horas para casa. No dia seguinte, tinha um voo para Salzburg (Áustria), onde cantaria no evento de 50 anos de Placido Domingo. Após a viagem, perdi a voz e pensei em cancelar, mas minha voz voltou perto do meio-dia. Aluguei um jato particular, cheguei a tempo, fizemos um ensaio rápido e o concerto foi um sucesso. Foi estressante, mas no final, tudo deu certo.
HB – Quais são seus planos após a visita ao Brasil?
SY – Tenho concertos na Europa, uma grande turnê de Dido and Aeneas, Madama Butterfly em Barcelona e, depois, passarei três meses em Viena, na Áustria.

Teatro ficou fechado por mais de 15 anos e agora reabre as portas (Foto: Divulgação)