Rosana Paulino celebra 25 anos de carreira na Pinacoteca
A artista paulistana ganha a maior individual dedicada à sua obra
by redação bazaarPor Julia Flamingo
Para Rosana Paulino, 2018 tem de ser visto como nosso 1922. Por ‘nosso’ ela se refere ao momento em que grandes instituições do País enalteceram a produção artística afro-brasileira.
Neste ano, em São Paulo, o Masp encabeçou uma programação marcada pela mostra Histórias Afro-Atlânticas e exposições individuais de artistas como Maria Auxiliadora, Emanoel Araújo, Aleijadinho, Sonia Gomes e Rubem Valentim.
O Instituto Moreira Salles apresentou fotografias em preto e branco do malinês Seydou Keïta, e o CCBB trouxe a mostra Ex Africa. Já o MAC Niterói apresentou a individual de Jaime Lauriano. Essas são só algumas das iniciativas de grande escala.
Para fechar o calendário, a paulistana Rosana Paulino ganha a maior exposição já feita sobre o seu trabalho, na Pinacoteca de São Paulo, e que inaugura neste sábado (08.12). “Rosana Paulino: A Costura da Memória”, celebra 25 anos de produção da artista, que luta incessantemente pelo reconhecimento do negro no cenário artístico nacional, investiga o lugar da mulher negra na sociedade contemporânea, o racismo e os estigmas deixados pela escravidão.
“A discussão avançou nessas duas décadas e meia. Mas estamos atrasados no que concerne à questão dos negros no Brasil? Muito!”, afirma. Para ela, o fato de tantos museus terem feito mostras dedicadas à produção negra é resultado da enorme pressão de artistas, curadores, críticos brasileiros, além de instituições e colecionadores internacionais. “Museus estrangeiros me perguntam: ‘Onde está a produção negra de vocês?’. Universidades fora do País também já me questionaram: ‘Quantos professores vocês têm no departamento de arte afro-brasileira?’. Minha vergonha é grande ao responder que o departamento nem sequer existe.”
Por isso, quando perguntado por Jochen Volz, diretor da Pinacoteca, sobre quem deveria ser a artista brasileira a fechar o calendário dedicado às mulheres na instituição, os curadores Valéria Piccoli e Pedro Nery anunciaram, de imediato, o nome de Rosana Paulino.
Mais de 140 obras da mostra reúnem discussões sobre gênero, negritude e ciência. A marcante instalação “Parede da Memória” é composta por 1.500 patuás (amuletos usados por religiões de matriz africana) com antigos retratos de família, em uma investigação da artista pelos seus ancestrais.
Mas a repetição das imagens é uma denúncia à invisibilidade e ao anonimato dos negros. Não menos impressionante, a série “Bastidores” também recebe os visitantes da mostra com diversos suportes para bordar onde estão impressas imagens femininas cujos olhos e bocas foram costurados, e indicam o emudecimento imposto às mulheres negras.
A visita semanal de Valéria Piccoli e Pedro Nery ao ateliê da artista, em São Paulo, foi um privilégio exaustivo: eles revisitaram toda a produção feita desde 1993 e tiveram grandes descobertas, como os cadernos de desenhos que serão mostrados pela primeira vez.
“É muito bonito poder ver e partilhar todos os caminhos de pesquisa que me trouxeram até onde estou hoje”, conta a artista, professora e pesquisadora de 51 anos, que mergulha em livros de biologia, antropologia, história e ciências sociais para produzir colagens e gravuras que questionam temas como o racismo científico – teses absurdas que tentam, por meio da “ciência”, provar a superioridade da raça branca sobre as demais.
Rosana participou pela primeira vez de uma coletiva da Pinacoteca em 1995, quando o então curador da instituição, Emanoel Araújo (atualmente diretor do Museu Afro Brasil), foi responsável por impulsionar sua obra no universo artístico. “De lá para cá, vem aumentando o número de artistas, críticos e curadores negros que mostram que o lugar da nossa produção no Brasil não está apenas ligado a religiosidade, arte naïf ou artesanato. Eles querem seu reconhecimento como artistas contemporâneos”, comenta ela.
Fora do País, a produção afrodescendente ganha o reconhecimento merecido. Em dois importantes rankings recém-publicados do mundo da arte, artistas negros estão no topo. A Power 100, lista organizada pela revista ArtReview, indicou o pintor americano Kerry James Marshall como o artista contemporâneo mais influente do mundo.
Já a NextGen Artists mostrou que a nigeriana Njideka Akunyili Crosby é o nome de até 40 anos com a carreira mais promissora do globo. Com Rosana Paulino e outras mostras importantes de 2018, esperamos não precisar de mais 25 anos para isso acontecer por aqui.
Pinacoteca: Praça da Luz, 2, Luz, São Paulo
De 8 de dezembro de 2018 a 4 de março de 2019