
Foto: Maltoni
Thai de Melo Bufrem já havia provado que tudo bem mudar o rumo da vida profissional mesmo quando se está consolidada, tendo filhos e conquistado feitos pessoais. Jornalista de formação, ela arriscou sair da loja de luxo – onde trabalhava como vendedora – para se dedicar a esquetes nas redes sociais com aquilo que sabe fazer de melhor: vender histórias com uma pitada de bom humor e epônimos (criação de palavras a partir de seu nome). Caiu nas graças do público da moda, foi capa de revista, viajou para fashion weeks e, com números crescentes, mostra que manteve o pé no chão apesar das tentações da vida pública. Aliás, em tempos de redes sociais, quem não quer ser amado, mimado e seguido?
A influenciadora traz uma autoficção em Como é que eu vim parar aqui, com direção de Bruno Guida e produção de Dani Angelotti, em cartaz no Teatro Unimed, em São Paulo. Ela passeia por temas que a gente já viu em suas redes sociais: maternidade, a busca por se encaixar (ou fugir) dos padrões, o fato de ela ter mais de 1,80m de altura, as fragilidades da infância e, claro, a relação com o anonimato do marido e a moda. Mas nem por isso o espetáculo deixa de apresentar um viés inédito. É ela no palco, mas ao mesmo tempo não é; as histórias são verídicas ou criadas? É essa teia de tramas que faz o público se questionar e se identificar com Thai em cena.
O alívio cômico tem um estopim ainda mais divertido quando ela expõe o grupo de mães da escola. E traz reflexões abertas sobre um assunto que sempre externou: ela nunca planejou ser mãe. E isso não a faz mais ou menos competente no papel da vida real. “Você já disse isso a algum pai”, questiona quando alguém da escola a confronta para não se mudar de cidade a fim de acompanhar o desenvolvimento dos filhos de perto. Ela trocou Curitiba, onde os filhos Marcelorenzo (junção de Marcelo e Lorenzo) moram com o pai, Marcelão, para focar no trabalho como influenciadora e criar conteúdos na cidade de São Paulo, onde acontecem boa parte dos eventos com os quais ela se conecta.

Foto: Maltoni
“As portas ficarão trancadas para a segurança de vocês e a minha”, brinca ela no início da apresentação. Quando se fala em monólogo, você pode imaginar em leituras sérias, como Fernanda Montenegro lendo Simone de Beauvoir, ou a sua filha, Fernanda Torres, entoando os versos de A Casa dos Budas Ditosos (de João Ubaldo Ribeiro), em textos rebuscados e assuntos tidos como tabus. Mas quando se imagina Thai no palco, o riso fica frouxo com as punchlines encontrando seus destinatários. Ou, melhor, destinatárias. Porque muitas das falas poderiam ser ditas por qualquer mãe em diferentes idades, que precisam equilibrar diversos pratinhos no decorrer de suas trajetórias.
O figurino, assinado por Alexandre Herchcovitch e Flavia Laffer, é funcional – cada milímetro tem um motivo. Ela entra em cena pendurada em uma parede de velcro, e vários apetrechos vão se moldando à narrativa. Por ela ter ganhado público no nicho de moda, as correlações com o tema são ínfimas, se comparadas aos outros dilemas que escancara no palco. Desde a sua saída de Roraima, seu estado-natal, passando pelos dramas de infância até os procedimentos estéticos para se encaixar no padrão – tudo faz parte dos questionamentos do espetáculo.
Outra coisa que chama a atenção são os movimentos corporais. Thai exagera de acrobacias, aproveita a hipermobilidade de seu corpo, e arrisca uns passos de dança em coreografias que a levam a se estirar no chão e aproveitar cada centímetro dos seus 1,80m. E, por falar em proporções, os roteiristas acertaram ao cravar o espetáculo entre 40 e 50 minutos. Em parceria com a escritora Juliana Rosenthal, Thai foge do estereótipo influencer-comediante. Poderia ter seguido um script simplista (como são suas esquetes no Instagram) ou apostar em um caminho mais fácil, como o stand-up comedy. Mas o monólogo tem fluxo de consciência, e o tempo passa correndo.
Assim, não é preciso uma pausa estratégica para correr ao banheiro ou pegar o celular para rolar a tela do feed.

Foto: Maltoni
ESTREIA
Durante a pré-estreia, na última quarta (07.08), a influencer falou ao público, formado por bastiões da moda e figuras bastante paulistanas, como o DJ Zé Pedro, Adriane Galisteu, Theodoro Cochrane e mais. Bastante emocionada, com os olhos marejados, brincou: “Mais corajosa do que eu, só vocês que vieram.” Agradeceu à equipe que “topou este desafio” de estar com uma não-atriz e compartilhou o fato de estar no palco diante do público pela primeira vez. “Espero que vocês saiam daqui com mais forças para viver as primeiras vezes das vidas de vocês”, agradeceu e foi aplaudida de pé. Por fim, chamou à equipe que fez parte do espetáculo e a ajudou a arrematar cada fragmento para dar corpo a Como é que eu vim parar aqui?.

Foto: Reprodução/Instagram