
Teo posa com a obra de Paulo Roberto Leal ao fundo – Foto:
“P… que pariu”, exclama Teodoro Bava com a risada nervosa de quem acabou de descobrir que, por dois meros milímetros, não vai conseguir encaixar uma placa nos últimos momentos de reforma no apartamento. “Desculpe. Aqui, não tem cerimônia, mas você sabe como essas coisas são difíceis. Não acabam nunca.” Aos 27 anos, ele, que se formou em Relações Internacionais, já foi modelo, empresário de sustentabilidade e agora é sócio da consultoria de arte KURA, está nos finalmentes da empreitada que é chamar de lar a cobertura nos Jardins, em São Paulo, onde vive com o marido, Eduardo Baptistella. Não fosse pelo calor tropical – e pela paisagem verde que transforma um janelão em tableau vivant –, poderia ser um desses chalés de esqui
escandinavos, com paredes e teto triangular revestidos de madeira, lareira de lenha suspensa e piso rústico de pedra. Quando chove e a névoa esbranquiçada muda a luz do ambiente, até dá para fingir um cenário nórdico, mas não é isso que o casal, junto há seis anos, quer. Mesmo já tendo vivido em Milão, são brasileiros orgulhosos e, em verdade, não poderia ser diferente. Teo
é sobrinho-bisneto de Ubi Bava (1915 – 1988), o arquiteto, professor e artista do movimento abstrato-geométrico, pioneiro do cinetismo, que fez parte da vanguarda “rebelde” que queria romper com o neoconcretismo da pintura ultra rígida. Ufa! Mas não por ufanismo sem causa. Ao contrário, são essas histórias de família que “me catapultaram de forma violenta para o mundo da arte”, afirma.

Sala inspirada em cabanas nórdicas tem sofá e poltrona Minotti e mesas Simone Coste – Foto:
Quem entra no “apê”, assinado pelo arquiteto Felipe Hess e bem decorado com móveis (“paixão do Dudu”) e quadros (“paixão minha”), não imagina que a vida na arte chegou aos poucos para Teodoro. “Eu tive vários desvios antes de estar onde estou hoje”, explica, lembrando da juventude recente em que trocou um contrato de modelo no Japão para fazer faculdade e seguir carreira no mercado de cosméticos veganos e sustentáveis. Ele mesmo é vegetariano ativista e ainda briga com os “vândalos que jogam bituca de cigarro na rua”, mas foi durante a pandemia que se viu apegado aos “avós boêmios” e curioso pela coleção de 400 obras penduradas na casa deles no Pacaembu. “Passei um período morando em Campos do Jordão e comecei a ligar para o meu avô e descobrir de onde vinha tudo aquilo”. Advogado por formação, seu avô, Idéo Bava Filho virou decorador por estímulo do sogro e pela veia estética que puxou do tio Ubi – de quem se tornou o único herdeiro –, que foi
galerista, amigo de Anna Maria Maiolino e Mira Schendel, e, antes de falecer, há dois anos,
contou tudo para o neto interessado, com quem fundou o Instituto Ubi Bava em 2022.
“Nossas conversas salvaram a memória do Ubi”, diz Teo, “e me lançaram em uma jornada
de pesquisa, sem muita metodologia, que se tornou a base do projeto com quase 300
obras mapeadas, apesar de eu estimar 600 produzidas entre os anos 1950 e 1980”. Leigos
podem até se surpreender com o número, mas Teo brinca que são “pouquíssimas, já que
Ubi não era um artista full time”. Vários dos trabalhos estão ilustrados em um livro que Teo
publicou no fim do ano passado e alguns muitos até estão expostos no apartamento, onde
sensibilizam o cotidiano com o marido. “Arte não é só sobre comprar, entende? É sobre
convivência também. E esse interesse, juntamente à arquitetura, é algo que nos uniu.”

O window seat serve como lugar de descanso com vista para o Jardim Europa; o espaço é emoldurado pelos nichos com itens carregados de história – Foto:
No quarto, guardam a “antiguidade” da coleção: uma pintura pequena, da década de 1940, que Ubi fez da Ponte Pênsil de São Vicente (os Bava chegaram em Santos depois de emigrarem do sul da Itália). Outra, que decora o corredor, também é do tio-bisavô e foi arrematada em um leilão recente, mas nem tudo passa pelo sangue. Em outros cômodos, há obras de Wanda Pimentel (“mais relevante que a Tarsila”), Alex Cervený (“um amigo”), Rebecca Sharp (“surrealista que pintou uma manga vestida de pérolas”), Paulo Roberto Leal (“contemporâneo do Ubi”) e Rodrigo Cass. Deste último, seminarista transformado em artista, a obra é em concreto sobre linho e Teo a apelidou de “Deus escreve certo por linhas tortas”. É um colecionador ateu convicto, mas enxerga a “experiência religiosa” no trabalho e defende que é “possível conhecer alguém através do que está pendurado na parede”. Exatamente por isso, quis ter apenas nomes brasileiros no acervo, mas “mordi minha língua”. No ano passado, em uma viagem, o casal comprou uma obra “vermelha alucinante” da franco-libanesa Christine Safa. “Ainda não trouxemos ela para o Brasil porque o nosso País é muito inseguro para o mercado de arte. As taxações são absurdas.”

Teo veste moletom Christian Dior e posa no quarto, diante da Ponte Pênsil de São Vicente pintada por Ubi Bava nos anos 1940 – Foto:
Com um suspiro, Teo muda para outros assuntos da casa. Passeia entre sofás e cadeiras Minotti e Jader Almeida, mesas Simone Costa e um bar vintage de Zalszupin até chegar ao pé da escada que leva para o andar de cima do apartamento. Lá, um piano-bar serve de reduto para soirées intimistas, onde Eduardo toca o instrumento debaixo de um escritório no mezanino. Por uma outra janela, Bava admira a vista mais uma vez e lembra, com naturalidade, de quando os condôminos (o marido é síndico) compraram o terreno vizinho para transformar em estacionamento a fim de atender os restaurantes da região. “Imagine se construíssem um prédio aqui? Perderíamos a paisagem!”, ri e, com ironia, dispara: “ainda assim, acho a casa mais bonita à noite”.
Em última reflexão, Teo responde se acha que brasileiro tem bom gosto. “Muito! É eclético e excepcional. Mas…”. Mas o quê?! “Não posso dar essa palavra final.”