Por Ana Carolina Monteiro
Por dois anos, Emma Cline morou em uma edícula nos fundos da casa de uma amiga, no descolado bairro do Brooklyn, em Nova York. Ela mesma construiu os degraus que levam ao colchão inflável que fica no mezanino improvisado. Foi nesse espaço claustrofóbico, que mais lembra o cenário do filme O Quarto, sem internet ou distração alguma, que a californiana de 27 anos escreveu seu aguardado livro de estreia, The Girls, com lançamento internacional neste mês (R$ 49,90 o e- book, na Amazon) e, em breve, no Brasil pela editora Intrínseca. A expectativa se deve à disputa acirrada que a obra gerou entre 12 editoras em um leilão no qual a Random House, maior grupo editorial do mundo, desembolsou US$ 2 milhões para garantir o título.
A soma surreal para uma jovem estreante (25 anos na época) é para um pacote: The Girls, um livro de contos e outro romance. Na paralela, o produtor Scott Rudin, nome por trás de filmes como A Rede Social, Ex Machina e Grande Hotel Budapeste, garantiu os direitos da adaptação para o cinema antes mesmo de o manuscrito ser arrematado no tal lance milionário.
Ficções com a palavra “garota” no título têm sido recorrentes nos últimos anos, principalmente thrillers policiais escritos por mulheres (e normalmente com protagonista forte ou narradora de caráter duvidoso). Coincidentemente ou não, os maiores exemplos dessa tendência editorial viraram best-sellers instantâneos, como A Garota no Trem, da britânica Paula Hawkins, e Garota Exemplar, da americana Gillian Flynn. Embora bem diferentes, histórias com um desses elementos acabam sendo rotuladas injustamente. The Girls tem garotas (check!) e crime (check!), mas passa longe do gênero acima. Nele, acompanhamos a articulada adolescente Evie Boyd, de 14 anos, na Califórnia hippie do final do anos 1960. Confusa, entediada, carente e abalada pela recente separação dos pais, ela se encanta pela exótica Suzanne, que conheceu em um parque. A nova amizade leva Evie a uma fazenda precária onde uma comunidade vive sob as regras de um carimástico líder chamado Russel. É ali que ela vai se sentir aceita e encontrar a atenção que tanto procurava, mesmo que, para isso, acabe enveredando por um caminho violento.
A história é inspirada na seita de Charles Manson, que há mais de 40 anos convenceu seus seguidores a, entre outros absurdos, assassinarem a atriz Sharon Tate, casada com o diretor Roman Polanski e grávida de 8 meses. Com uma narrativa que intercala a fase teen e a fase adulta de Evie, contada em primeira pessoa, Cline foca mais na amizade entre as meninas do grupo de seguidores que no guru espiritual, tentando entender o outro lado: o que fez essas jovens deixarem tudo para trás? Com o que elas querem se conectar? Dois anos após o buzz, pouco ainda se sabe sobre a nova garota de ouro da literatura americana. Avessa às redes sociais, Emma Cline não dá muitas entrevistas, não tem blog – instrumento básico para a maioria dos escritores dessa geração – e sua página no Facebook é atualizada não por ela, mas pela editora. Preferiu seguir o caminho tradicional: tem mestrado em Escrita Narrativa na Columbia University, trabalha para a conceituada revista de alta-cultura The New Yorker e, em 2014, teve um conto publicado (e premiado) pela conceituada publicação literária Paris Review. Sua vida, pelo menos até o momento, continua tão low profile quanto: ela ainda mora no Brooklyn e a uma quadra do antigo “puxadinho”, agora promovido a escritório oficial.



