
Juliette Binoche dá vida à Coco Chanel na primeira temporada de The New Look, do AppleTV+ (Foto: Divulgação)
The New Look, a nova série do Apple TV+ que estreia nesta quarta-feira (14.02), traz como protagonistas Coco Chanel (Juliette Binoche) e Christian Dior (Ben Mendelsohn), tentando sobreviver durante a ocupação nazista em Paris. Enquanto Dior está no auge, com o lançamento da coleção que dá o título à série, Chanel passa por um dos momentos mais sombrios de sua vida, ao ter um affair com um oficial nazista no Hotel Ritz e ter sido acusada de colaborar com o regime de Hitler. “Somos todos complexos”, conta Juliette Binoche à Bazaar, que interpreta a icônica estilista, em entrevista exclusiva.
Para Juliette, “Chanel tinha um desejo de liberdade dentro dela, uma vontade de conquistar o mundo e de ser ela mesma. E de se educar, porque ela não teve uma educação. Chanel teve diversos amantes durante sua vida, entre eles artistas, aristocratas, e alemães, por que não? Ela não fazia um julgamento moral. Spatz (o oficial nazista interpretado na série por Claes Bang) era um gigolô. Na época em que eles viveram o romance, durante a Segunda Guerra, Spatz tinha mais oito relacionamentos. Os dois estavam morando no Ritz e simplesmente aconteceu. Mas ele não foi o grande amor da vida dela. Acho que ela estava em busca de diversão.”

Juliette Binoche e Claes Bang em cena de “The New Look” (Foto: Divulgação)
Sobre esse aspecto sombrio da vida de Chanel, John Malkovich – que interpreta o empresário Lucien Lelong – acrescenta: “acho que as pessoas vão se surpreender ao descobrir essa parte da história de Chanel, porém no mundo de hoje existem muitas pessoas que são fãs de Hitler, infelizmente. E não acho que esse número esteja baixando. Juliette estava me explicando, outro dia, que Chanel era órfã e que um dos motivos pelos quais ela teve essa relação com um oficial nazista, foi para salvar seu sobrinho, o único membro vivo da sua família. As pessoas fazem qualquer coisa para salvar suas famílias quando não têm outras alternativas”.
Segundo o produtor executivo Lorenzo Di Bonaventura: “Juliette fez uma pesquisa enorme sobre quem era Chanel. Ela atuou de tal forma que faz com que nem prestamos tanta atenção na forma como ela se veste. E sim, na personagem. É uma personagem extremamente complexa. Se você olhar para sua vida, e não apenas para o período retratado na série, Chanel fez coisas sem precedentes, que são incríveis. Esse é um dos desafios ao contar uma história real, baseada em pessoas verdadeiras: você realmente quer transmitir quem eles eram. Talvez, Chanel não gostasse dessa parte da sua biografia, mas faz parte da enorme complexidade de quem ela era.”

John Malkovich como o empresário Lucien Lelong (Foto: Divulgação)
Curiosamente, Dior e Chanel nunca se encontram durante os dez episódios da série. Para Ben Mendelsohn (que interpreta Christian Dior) a relação entre os dois era cheia de nuances: “Chanel já era um titã, enquanto Dior não era ninguém. Coco Chanel foi o maior ícone da sua época, e talvez de todos os tempos, no mundo da moda contemporânea. Mas o que aconteceu no período do pós-guerra, é algo que vamos descobrir se tivermos uma segunda temporada. Mostramos isso no início da série, quando Dior se torna uma figura proeminente, em um curto período de tempo. E Coco está fora. Ela sai de cena nesse período. Portanto, nessa época, Dior tinha tudo nas mãos. Acredito que ele estaria disposto a passar por cima das questões pessoais entre eles. Coco deu uns belos foras em Dior. Coco achava que faltava um je ne sait quoi em Dior.”
Binoche não fez nenhum pré-julgamento em relação à sua personagem. “Quando começo um filme ou uma série, sei que vou explorar um ser humano. Você tem que entender de onde essas pessoas estão vindo. Como foi sua educação, ou sua falta dela. Além da época e do período histórico em que vivem. São questões importantes para encontrar a verdade daquele personagem. Com Chanel, sabia que tinha muito para aprender. Ela teve muitas vidas. Teve uma infância pobre e traumática. E se tornou esse ícone da moda e da liberação. Esse contraste foi imenso. Foi fascinante interpretá-la, mas precisei de um tempo para entendê-la. Os livros sobre ela são muito contraditórios. Alguns, a retratam como essa pessoa incrivelmente criativa, e a colocam nesse lugar de liberdade. Enquanto outros, a mostram como esse monstro sombrio, lidando com os alemães etc. E como ela era má e manipuladora. É fascinante ver como os pontos de vista sobre ela divergiam. Para mim, foi muito intenso tentar entender esses dois lados. Mas, não foi fácil.”

The New Loop, a icônica silhueta, que marcou a moda e dá nome à série (Foto: Divulgação)
Costurar as tramas
O showrunner, diretor e criador da série é Todd A. Kessler (de Damages, com Glenn Close, Os Sopranos e Bloodline). Segundo ele, “foi difícil costurar as tramas. E conseguir manter as ambiguidades. E não reduzir as coisas em preto e branco. Não existem heróis ou vilões nessa série. Queremos fazer o público entender essas zonas cinzentas por onde transitam os personagens. E tentar fazer o público se perguntar: “nessa situação, o que eu teria feito?”. O que mais nos atraiu foi justamente essa ambiguidade. Não existe apenas um caminho para a sobrevivência. As pessoas podiam ter feito escolhas que poderiam ter sido mais ‘éticas’, e ser assassinadas. Isso é sobrevivência? Se a meta era sobreviver, estamos mostrando como as pessoas conseguiram isso.”
A britânica Maisie Williams (de Game Of Thrones), que interpreta Catherine Dior, a irmã mais nova de Christian que inspirou o perfume Miss Dior, conta sobre a primeira vez que visitou a maison, em Paris : “Visitar o local onde Dior desenhou aquelas roupas e respirar história, foi de tirar o fôlego. Foi muito surreal. Sou muito fã de moda, me senti uma garota de sorte.” Maisie colaborou, recentemente, com a marca Coperni, para quem desenhou a primeira ecobag da marca, além de ter estudado moda na faculdade.

A moda dá a vez para os dramas pessoais dos personagens na trama do AppleTV+ (Foto: Divulgação)
Ligação com a moda
Ao interpretar o empresário Lucien Lelong, John Malkovich mostra uma ligação pessoal intensa com a moda. “Não acho que a moda seja mais frívola do que qualquer outra coisa. É algo que pode trazer prazer para muitas pessoas. Já trabalhei como designer, desenhei 24 coleções. Tive três linhas de moda diferentes (entre elas a marca Technobohemian). Desenhei coleções masculinas. Já trabalhei com designers conhecidos, e com alguns menos conhecidos. Já criei figurinos para o teatro. E sou um grande colecionador de tecidos, portanto, tenho uma ligação bem próxima com o mundo da moda”.
Já Ben Mendelsohn não era tão chegado a este universo: “The New Look mudou completamente minha noção sobre o que é moda. Achava que moda era algo para os descolados da cidade que ficam tomando café, pessoas cool, meio blasé, como na música de David Bowie (Fashion). Porém, agora entendi que moda é algo bem mais profundo. É algo que contribui para o zeitgeist e traz um sentido de quem nós somos e onde estamos. E quais são nossos interesses. O que podemos nos tornar? É algo vital, mas eu nunca tinha entendido dessa forma.”
Uma das personagens mais influentes do mundo da moda que aparece na série é Carmel Snow, a editora-chefe da Harper’s Bazaar à época. Glenn Close, que já havia trabalhado com Kessler em Damages, se tornou uma amiga íntima. “Se Glenn tivesse me dito que gostaria de fazer o papel de Christian Dior, eu teria dado a ela”, conta o showrunner. Por sorte, Close se interessou na hora por Snow. Aindam segundo Kessler, a influência de Carmel Snow foi tão grande, que mudou o percurso da segunda metade do século XX até as primeiras décadas do século XXI, ao identificar o talento de Christian Dior. “E o que aquilo significava. Carmel tinha um olhar bastante específico, que influenciou todas as nossas vidas.”

Glen Close no papel da memorável Carmel Snow, editora-chefe da Harper’s Bazaar americana (Foto: Divulgação)
Enquanto Chanel criou o icônica fragrância Chanel Nº5, imortalizado quando Marilyn Monroe disse que usava apenas cinco gotas do perfume para dormir, o monsieur criou seu Miss Dior, com uma fragrância inspirada nas flores do jardins da casa de seus pais. A referência para o perfume foi sua irmã Catherine Dior. Maisie Williams conta que, “Catherine sempre dizia que quando sentiu o perfume foi a primeira vez que conseguiu se transportar para o período antes da guerra. O perfume a levou de volta para o jardim da casa dos seus pais. Quando eles cresceram, sentiam aqueles perfumes. Era como estar em casa. Achei isso lindo. Nessa época, eu havia me mudado pela primeira vez para uma casa com um jardim. Então, ficava cheirando as flores para sentir como era trabalhar com a terra. E poder admirar a beleza da natureza. Isso foi algo que Christian e Catherine tinham neles. Christian sempre admirava as flores do jardim da sua mãe. E Catherine acabou ganhando a vida, criando e vendendo rosas pela França. Senti que precisava treinar meus dedos verdes (green thumbs, em inglês, que significa levar jeito para plantas). É assim que fala? (risos).”
Christian x Catherine
A ligação entre Christian e Catherine é um dos pontos centrais da trama. Dior se vê forçado a desenhar modelos para as esposas dos oficiais nazistas para se manter, enquanto Catherine é presa pelos nazistas e enviada a um campo de concentração para mulheres. Mendelsohn conta como era a relação entre os dois irmãos: “Era uma fusão total. Provavelmente, Christian era o mais apegado. Ele se apegou a Catherine, assim como um marinheiro se apegaria em uma boia salva-vidas. A ideia era de que Christian fosse a parte funcional ou o adulto da relação. Ele adora Catherine. Acho que isso é mais complicado para ela. Mas eles eram irmãos. Eles se irritavam mutuamente. Eles brigavam, mas precisavam estar presentes um para o outro. Christian teve de lidar com o ateliê, enquanto ela foi levada para o campo de concentração pelos alemães.”

Maisie Williams interpreta a irmã de Christian Dior na série (Foto: Divulgação)
Para Maisie, o fato de ela ser a irmã mais nova em uma família com quatro irmãos, enquanto Ben é o irmão mais velho na sua família, facilitou no trabalho. “Eu e Ben temos famílias parecidas. Eu sou a mais jovem e ele é o mais velho. Existem muitas semelhanças entre nossas histórias e a de Christian e Catherine. Isso nos ajudou a criar a narrativa dos irmãos. Foi real e honesto. Fiquei passada com a forma de Ben trabalhar. Ele tem uma grande liberdade quando atua. Ele não tem filtro. E creio que é o tipo de energia que cada um tem com sua família. As pessoas com quem eu mais brigo são da minha família, mas não existe ninguém além deles por quem eu me jogaria na frente de um trem, caso fosse necessário. Então, para conseguir isso com um ator que você nunca conheceu antes você precisa mergulhar em certas partes da sua vida. Nós dois fizemos isso e foi ótimo.” O resultado desse trabalho você pode conferir a partir de agora em The New Look – já disponível no streaming da Apple.