Por Mabi Barros
A série “The New Look”, da Apple TV+, reúne Christian Dior (Ben Mendelsohn), Coco Chanel (Juliette Binoche), Pierre Balmain (Thomas Poitevin), Cristóbal Balenciaga (Nuno Lopes), entre outros grandes nomes da moda em uma produção que acompanha essas personas em um cenário de Guerra Mundial, na França. Apesar do seriado ser inspirado em fatos reais, o showrunner Todd A. Kessler tomou diversas liberdades criativas ao narrar a história dos personagens no período.
Abaixo, esmiuçamos os principais eventos dos três primeiros episódios de “The New Look”, já disponíveis na plataforma de streaming, e te contamos o que é fato e o que é fake na trama. Veja:
Dior era supersticioso?

Ben Mendelsohn como Christian Dior, em “The New Look” (em “The New Look” – Foto: Divulgação/Apple TV+
Nos primeiros minutos da série, vemos Christian Dior consultando uma taróloga pouco antes de subir ao palco em um evento que homenageava seu trabalho, organizado pela Universidade Sorbonne. Ao tirar a carta da morte, o estilista fica reticente a enfrentar a plateia. No mesmo episódio, ele também conta que uma vidente leu a palma da mão de seu irmão, quando ele tinha 14 anos, e alegou que ele seria muito pobre e que, um dia, daria muito prazer às mulheres.
Segundo o site WWD, a previsão quanto ao futuro de Dior foi diferente. A vidente teria visto que o jovem passaria por um período de dificuldades financeiras, mas que eventualmente seria rico. Embora não seja possível confirmar que ele tenha se encontrado com uma consulente antes de sua homenagem na Sorbonne, o estilista cresceu, sim, supersticioso. Durante a vida adulta, ele confiava nas previsões de Madame Delahaye, famosa entre a nobreza parisiense. “Sem ela, ele não fazia nada. Nada, nada, nada”, relatou Pierre Cardin, que encontrou a mística no escritório de seu mentor.
Dior também era obcecado por números, sempre apresentando treze modelos quando lançava suas coleções, conforme contou Victoire Doutreleau, uma de suas modelos preferidas, ao WWD. Fissurado no número oito, o designer fundou sua primeira maison 8º arrondissement, bairro em Paris, no dia 8 de outubro.
Catherine, irmã de Dior, foi presa pela Gestapo?
Durante a ocupação alemã na França, a irmã caçula de Crhistian Dior foi presa pela Gestapo, polícia secreta da Alemanha nazista, por fazer parte da Resistência Francesa. A musa do perfume Miss Dior se juntou à inteligência de seu país em 1941 e, em novembro de 1944, foi presa em Paris enquanto colhia informações para o Dia D, data em que as tropas dos países Aliados retomaram a França das mãos de Adolf Hitler.
Catherine morava em Paris antes da ocupação nazista. Lá, ela trabalhou como vendedora de uma boutique. Com a chegada das tropas de Hitler, no entanto, a jovem voltou a morar na casa da família em Callian, segundo a edição de março de 2019 da Harper’s Bazaar do Reino Unido. Para ajudar a família, conseguiu um emprego vendendo legumes duas vezes por semana em uma região próxima a Cannes, onde conheceu e se apaixonou por Hervé des Charbonnieres, que na época era casado e pai de três filhos — o que não impediu que eles dessem início a um caso. Como um dos membros fundadores da Rede de Resistência F2, ele quem recrutou a jovem, então com 21 anos, para fazer parte do grupo de origem anglo-polonesa. Para executar tarefas relativas à resistência, ela usava o apartamento de Christian na capital francesa como base — embora nunca tenha envolvido o irmão no movimento.
Catherine (Maisie Williams) aparece na série pela primeira vez em algum momento de 1943, e não fica claro quanto tempo depois ela foi presa — embora, pelo desenrolar da produção, não pareça mais de um ano. Hervé (Hugo Becker) também morava na capital francesa, solteiro. Sua alta patente dentro do movimento não é mencionada.
Depois de capturada, a irmã de Christian é torturada a fim de conseguir nomes de outros membros da resistência. Com a aproximação dos Aliados, no entanto, as tropas de Hitler voltam para territórios Nazistas, levando a jovem para trabalhar nos campos de concentração femino de Ravensbrück e no campo de trabalho forçado de Leipzig. Durante o período, Catherine teve sua cabeça raspada, sofreu de frio extremo, pneumonia, disenteria, tuberculose e desnutrição.
A jovem, no entanto, sobreviveu à captura e foi libertada após a derrota dos alemães ao final da Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, ela testemunhou no julgamento de quatorze pessoas acusadas de crimes de guerra, e foi condecorada pela Croix de Guerre, a Medalha do Rei pela Coragem na Causa da Liberdade, a Legião de Honra, entre outros títulos e medalhas por sua atuação durante o período.
Catherine Dior dedicou o resto de sua vida a trabalhar como florista e a preservar o legado do irmão, que morreu em 1957. Ela viveu até os 90 anos, falecendo em 17 de junho de 2008.
Coco Chanel se aliou ao movimento nazista?
O passado nazista de Coco Chanel é um dos pontos mais controversos da história da moda, que leva consumidores a questionarem até hoje a compra de produtos na marca. Em The New Look, a estilista francesa se envolve com o partido alemão como retribuição por libertarem seu sobrinho, André Palasse, que havia sido capturado como prisioneiro de guerra após lutar pela França contra o exército de Hitler.
Historiadores da Moda, no entanto, sugerem outra ordem para os fatos. Segundo o livro Sleeping With The Enemy: Coco Chanel Secret War (Dormindo com o inimigo: a guerra secreta de Coco Chanel), escrito pelo jornalista Hal Vaughan, o caso da estilista com o agente alemão Hans Günter Von Dincklage, referido na série pelo codinome Spatz (Claes Bang), começou antes da soltura de seu sobrinho. Foi o affair, inclusive, que viabilizou que André Palasse voltasse aos cuidados da tia, que o criou desde pequeno.
Chanel, no entanto, tinha outros interesses junto aos nazistas que perpetuaram a colaboração entre eles. Apesar da estilista ter fechado suas boutiques no começo da Segunda Guerra Mundial — conforme contado na série — ela vivia da renda de seu perfume, o Chanel Nº 5. Contudo, a fragrância era vendida em sociedade com os judeus Pierre e Paul Wertheimer.
Antes da Guerra eclodir na Europa, os irmãos fugiram para os Estados Unidos, deixando Chanel em uma situação financeira complicada. Segundo as Leis Arianas de Hitler, porém, os Wertheimer estariam destituídos de todas as suas posses — inclusive a patente sobre o Chanel nº 5. A fim de se tornar a única dona da fragrância, ela concordou em agir como agente do partido nazista.
Uma de suas missões foi tentar entrar em contato com Winston Churchill, então Primeiro Ministro do Reino Unido, para entregar a ele um armistício dos alemães, que àquela altura já previam a derrota na Segunda Guerra Mundial. Chanel era amiga íntima do político, tendo frequentado jantares e ido caçar com ele antes do período bélico.
Documentos divulgados em 2014 comprovam a participação de Coco Chanel como agente da Abwehr — a inteligência militar alemã. Como mostrado no seriado, a estilista recebeu o codinome de “Westminster”, por causa de seu antigo relacionamento com o Duque de Westminster do Reino Unido.
A série também mostra um fim não tão romântico ao affair de Coco e Spatz. A estilista tenta entregá-lo à Resistência Francesa, mas o alemão foge antes. O romance entre os dois, no entanto, sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, tendo Dincklage seguido Chanel no exílio na Suíça no pós-Guerra. Lá, sim, eles terminaram.
Apesar das tentativas da estilista de tirar sua empresa da mão dos Wertheimer, os irmãos compraram a parte de Chanel na marca após sua morte aos 87 anos em 1971. Hoje, a maison é inteiramente da família judia.
A amizade entre Dior, Balmain e Balenciaga era real?
Christian Dior, Pierre Balmain e Cristóbal Balenciaga são retratados como bons amigos em The New Look, tão próximos que frequentam o bar juntos depois do expediente. De fato, Dior e Balmain trabalharam juntos no ateliê de Lucien Lelong (interpretado na série por John Malkovich) — então presidente da Alta Costura da França. Para sobreviver durante a ocupação alemã da França, Lelong forneceu vestidos às esposas dos oficiais nazistas sem o conhecimento de seus pupilos, em uma tentativa paternal de salvaguardá-los.
O site do Instituto Balmain esmiúça a relação entre os dois estilistas: “Apesar de Dior e Balmain terem personalidades bastante diferentes e Dior ser dez anos mais velho que Balmain, os dois se tornaram bons amigos e aliados. Também, o temperamento sereno de Dior ajudava a acalmar os ânimos quando Balmain e Lelong entravam em uma de suas frequentes discussões. O talento combinado de Dior e Balmain transformou a maison de Lelong ‘de um lugar onde uma mulher poderia comprar um vestido para onde ela precisava comprar um vestido’, disse Balmain em sua autobiografia”.
Já Cristóbal Balenciaga recebeu o apelido de “The Master of Us All” (mestre de todos nós, em tradução livre) de Christian Dior, de quem era amigo, segundo a historiadora Mary Blume.
Fontes históricas apontam que Dior parece ser o elo que une Balmain e Balenciaga. Há indícios que os três se encontraram no cenário da moda francesa durante e depois da Segunda Guerra Mundial, mas nada indica que eles eram um grupo de amigos.
E a rivalidade entre Chanel e Dior?

Juliette Binoche dá vida à Coco Chanel na primeira temporada de “The New Look”, do AppleTV+ – Foto: Divulgação
A rivalidade entre Coco Chanel e Christian Dior pautou a história da moda do pós-Guerra. Nos primeiros minutos de The New Look, vemos uma septuagenária Coco Chanel dando uma entrevista sobre sua saída da aposentadoria após 15 anos. Enquanto isso, Dior responde, na Sorbonne, às perguntas dos alunos. Ambos os cenários foram construídos na série para pautar as falas dos estilistas um sobre o outro.
Dior lançou sua primeira coleção em 1947. Inspirado na Belle Époque, os modelos esbanjaram silhuetas estruturadas, quadris acolchoados, cinturas marcadas e camadas sobre camadas de tule, tafetá e organza de seda, todas inspiradas no amor da Dior pela Belle Époque. Não eram necessariamente roupas fáceis de usar – alguns dos seus vestidos de noite pesavam até 27 quilos. Dior não estava interessado no pragmatismo que tomava conta da moda nos últimos vinte anos, mas em sonhos e glamour.
Chanel comentou sobre a coleção: “Olha como essas mulheres parecem ridículas, usando roupas feitas por um homem que não conhece mulheres, nunca esteve com uma e sonha em ser uma.” Ela não parou por aí. Em vários momentos ela foi citada dizendo: “Dior não veste mulheres. Ele as estofa.” O auge da rixa entre eles foi, talvez, quando Coco acusou Dior de arrastar as mulheres de volta aos ideais de feminilidade do século XIX — quando as mulheres eram objetos a serem admirados pelos homens.
Dior, é claro, não deixou barato. Um tanto mais elegante que a colega, como mostra a série, ele se resumiu a se defender, sem atacá-la: “Penso no meu trabalho como uma arquitetura efêmera, dedicada à beleza do corpo feminino.”
Christian Dior faleceu pouco tempo depois de Coco Chanel reabrir suas maisons, mas não há dúvidas de que sua volta ao mercado foi impelida pelo rival e seu sucesso. Com apenas três episódios, The New Look ainda tem bastante espaço para desenvolver a rivalidade entre Chanel e Dior.