"The Serpent Queen": série retrata Catarina di Médici como anti-heroína feminista

Foto: Divulgação

Por Duda Leite

“Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”. Todo mundo se lembra da icônica frase da Rainha Má, do clássico Branca de Neve e os Sete Anões, lançado em 1937. Mas o que poucos sabem é que uma das inspirações para a personagem do desenho animado foi a rainha Catarina de Médici. “Não sabia nada sobre ela, a não ser que era cruel, implacável e que havia sido a inspiração para a personagem da Disney. Aos poucos, fui descobrindo que Catarina era bem mais complexa e ambígua do que isso”, conta à Bazaar Liv Hill, que interpreta a versão jovem de Catarina na nova série The Serpent Queen, que chega à plataforma de streaming Starzplay em 11 de setembro. Samantha Morton, intérprete da rainha na fase adulta, completa: “Uma história muito dura e uma infância difícil. Porém, nunca a enxerguei como vilã. Era alguém que tinha tudo contra ela e que teve que lutar por sua sobrevivência em um ambiente bastante hostil”.

O ambiente, no caso, era a França do século 16. Catarina Maria Romola di Médici nasceu em Florença, na Itália, em 1519. Era uma nobre italiana que se tornou rainha consorte da França, entre 1547 e 1559, ao se casar com o Rei Henrique II. A série The Serpent Queen, é baseada na obra não-ficcional Catherine de Médici – Renaissance Queen of France, de Leonie Frieda, lançada no Reino Unido em 2004 – ainda sem tradução para o português. “Além do inusitado triângulo amoroso entre Catarina, o Rei Henry e a nobre francesa Diana de Poitiers, o que mais me surpreendeu no livro foi o quão admirável era Catarina. Ela teve que lutar muito para sobreviver. Tinha muitas coisas contra ela: não era considerada bonita e era vista com desconfiança por ser italiana. Catarina foi uma anti-heroína clássica, nos moldes de Tony Soprano, Don Corleone e Walter White (da série Breaking Bad) e, além disso, era uma mulher”, resume o showrunner Justin Haythe. Um charme extra da produção é a trilha sonora, que mostra Catarina de atitude punk rock saudada por canções de artistas contemporâneas como Charlotte Gainsbourg, The Slits e Patti Smith.

"The Serpent Queen": série retrata Catarina di Médici como anti-heroína feminista

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Outra ideia interessante que a série propõe é o fato de Catarina ser apresentada quase que como uma pré-feminista. “Será que ela era uma feminista ou uma sobrevivente? A palavra feminista traz um contexto bastante político. Acho complexo rotular pessoas que viveram em outras épocas. Mais do que feminista, ela foi uma pessoa real”, argumenta Samantha Morton. Já Liv Hill concorda: “Foi feminista antes do seu tempo. Era uma sociedade corrupta política e religiosamente, e não havia nenhuma igualdade de gênero. Mas ela era resiliente e muito autoconfiante”. Haythe também compra a ideia: “Eu a considero uma feminista, levando em consideração as dificuldades que tinha que superar na época, e aqueles que a julgavam mal justamente por ela ser mulher”.

The Serpent Queen também pinta um retrato bastante cru das complexas questões políticas do período. “É quase como (a série) Succession, só que ambientada na França do século XVI. Mostramos tudo o que rolava nos bastidores do poder e algumas decisões eram extremamente cruéis. A relação entre Catarina e Diane de Poitiers, a amante do rei, por exemplo, é algo que poderia acontecer nos dias de hoje. Sempre houveram pessoas más que querem nos prejudicar e pessoas boas a fim de nos cuidar”, filosofa Samantha. Para Haythe, a política é um dos principais temas da série. “Tem a ver com Succession no sentido de que a realeza é um negócio familiar. Manter o poder dentro da família é o que define sua sobrevivência. Era um sistema de poder bastante arbitrário, no qual Deus escolhia quem deveria ser rei. E todos eram obrigados a seguir essa ordem. Quando estamos sob um sistema que é essencialmente injusto, isso leva a todo tipo de absurdos”.

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Mas, a série não trata apenas de política e feminismo. Como na maior parte das produções de época, o espectador mais ligado em moda vai se deslumbrar com os figurinos ultra fashion da corte sob a batuta de Karin Muller Serreau. “São os vestidos mais lindos que já usei em cena”, elogia Samantha. “Mas, não dá para contar só com isso para criar uma personagem. É algo que tem que vir de dentro. Porém, é claro que estar vestida com um corselet por baixo de um vestido que pesa uma tonelada, durante o verão da Martinica – onde parte da série foi filmada – te ajuda a entender como devia ser difícil a vida das pessoas daquela época”.

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The Serpent Queen vem na esteira do sucesso de outras montagens sobre a família real, a exemplo de The Crown. Por que a realeza exerce até hoje um fascínio tão grande para os súditos? “Sou inglesa, então jamais poderia dizer: ‘abaixo à monarquia’. Adoro o fato de termos uma rainha”, diverte-se Liv. Já Samantha é mais cautelosa: “Acho que depende muito da sua nacionalidade. No caso dos ingleses, tem bastante a ver com patriotismo. Eles funcionam como embaixadores. Para pessoas de outros países, acho que tem muito a ver com o fascínio pelas princesas da Disney, as roupas, joias, toda aquela riqueza e glamour. É uma fantasia. E os membros da família real são super celebridades. Já na França, por exemplo, foi bem diferente: eles não gostavam muito da família real local”. Haythe vai direto ao ponto sobre a realeza: “É boa para o turismo. Tenho certeza que eles fazem coisas boas, mas a razão pela qual as pessoas assistem a essas séries, é porque na essência são histórias humanas, novelas mesmo, só que com roupas e castelos maravilhosos. As pessoas enxergam versões sofisticadas delas mesmas. No final das contas, desde o Teatro Grego, as melhores histórias são folhetinescas: quem ama quem, quem vai se casar com quem, quem vai matar quem, quem é o pai do bebê. São histórias sobre famílias”.