A atriz portuguesa Victoria Guerra está em duas produções em cartaz: “Santo”, no streaming, e “A Viagem de Pedro”, nos cinemas. Ela, que é uma apaixonada pelo Brasil, caiu de amores por Salvador durante as filmagens e diz que quer voltar o quanto antes para a capital da Bahia.
Dona de talento nato, ela nunca estudou teatro, aprendeu trabalhando e dando duro em sets de novelas, séries e cinema. Sua primeira série, “Morangos com Açúcar”, um tipo de “Malhação” de Portugal, deu a ela fama e muita visibilidade. “Foi uma coisa que caiu no meu colo, foi maravilhoso”, diz. Bem, não caiu exatamente no colo, ela, à época estudante de jornalismo, estava na rua para fazer uma reportagem e deu de cara com a equipe da série fazendo teste para casting. Ela fez, era apenas uma foto e os contatos. Três meses depois, a chamaram novamente, desta vez para fazer um teste com texto. Fez. Mais um tempo se passou e ela foi a escolhida para a vaga. Fez várias temporadas e brilhou no papel que desempenhara.
Victoria até tentou estudar, entrou na faculdade de jornalismo, mas o alto número de trabalhos que apareceram impossibilitaram sua formação: ela, então, optou por continuar atuando. “Eu não consegui estudar e trabalhar ao mesmo tempo, e também percebi que o que eu queria fazer era ser atriz.”
Quando tinha 21 anos fez seu primeiro longa-metragem. Estavam procurando uma atriz que falasse inglês – Victoria fala português, inglês e francês – para um produção naquele idioma, e mais uma vez ficou como o papel. Daí em diante não parou mais de ser chamada para trabalhar como atriz. “Eu até entrei na escola superior de teatro e cinema, só que era tanto trabalho, mas tanto trabalho, que também não continuei. Eu penso que até podia estudar mais para frente, com 50, 60 anos, mas as oportunidades [de trabalho] não podia deixar passar”, explica.
Ela conta que aprendeu muito fazendo workshops, além da experiência que adquiriu com outros atores e diretores. Entre seus trabalhos, destaca um que fez com o diretor polonês Andrzej Zulawski (1940-2016), “Cosmos”, longa que considera, inclusive, a virada de sua carreira. Outro que ela cita é “As Linhas de Wellington”, em que fez uma personagem inglesa. “Também fiz uma personagem que sofria de esquizofrenia, em uma novela. Assim como o filme que fiz com Laís Bodanzky [“A Viagem de Pedro”], conhecê-la e trabalhar com ela foi incrível”, conta.
Acostumada a trabalhar muito e seguidamente, Victoria não tem uma preferência por plataforma, diz que gosta de atuar, representar, dar corpo e vida a uma personagem é o que importa. Para ela, cada um deles [TV, cinema e streaming] tem sua peculiaridade, e vê a internacionalização por meio do streaming como uma oportunidade de conhecer outras pessoas e trabalhar em diferentes idiomas. Com a carreira enveredada para o audiovisual, ela fez muito cinema, Victoria diz que gostaria de fazer mais teatro.
Quando falamos de Salvador, um sorriso enorme se abre no rosto de Victoria, e ela diz que sua experiência por lá, enquanto filmava, foi “maravilhosa”. “Já havia estado no Rio e em São Paulo, com o filme da Laís, precisamente, mas a Bahia me fascinou. A Bahia tem um encanto muito especial. Quando a gente vai para filmar e fica bastante tempo, é um outro olhar, você não precisa focar em uma coisa ou outra, dá para expandir, ainda mais com colegas brasileiros que conhecem aquele lugar tão bem. Eu quero voltar.”
Questionada sobre o que gostou mais, a resposta é direta: tudo. “O baiano é um povo que recebe muito bem, então eu fiquei muito encantada. E a comida… Comi muito acarajé, mas comi tudo o que me apresentaram”, relata.
Leia a seguir a entrevista que Bazaar fez com Victoria via Zoom.
Como foi filmar a série “Santo”? Soube que ficou amiga de Bruno Gagliasso.
Foi uma experiência muito enriquecedora, para minha carreira e minha vida. E trabalhar com o Bruno foi incrível, ele é uma pessoa muito amiga. Desde que começamos com ensaios virtuais, formamos uma família. Eu, ele e o Vicente [Amorim, diretor] estávamos longe de casa e nos unimos muito, passávamos muito tempo juntos. O Bruno tem uma forma de trabalhar muito intensa, ele se dedica muito. Quando a gente tem de ficar muito tempo com uma personagem e trabalhar longe de casa, queremos um colega bom, simpático amigo, mas que também seja um bom ator, e o Bruno reúne tudo isso.
Fale sobre a Bárbara, sua personagem.
A Bárbara, desde o primeiro momento que eu li o roteiro, fiquei curiosa. Normalmente, a gente recebe um roteiro, lê e tem uma imagem de personagem montada na cabeça, ao menos entende quem ela é. Mas Bárbara é tão misteriosa, tem tantas coisas diferentes, que eu própria não sabia quem ela era. Por isso, pensei que queria muito fazê-la, por sua complexidade e para entendê-la. Foi um trabalho que fiz com Bruno, Vicente… Foi um trabalho muito difícil, mas muito bom de fazer.
E por que foi difícil?
Porque nessa série as personagens têm várias faces, várias camadas. Não tem o vilão e o bom, não, tem muitas camadas, como o próprio ser humano. Quando a gente é confrontado com nossos demônios, que são essas camadas, como é que elas reagem? E eu gostei desse lado muito humano que a série tem.
E qual a sua expectativa com a série?
Quero que todo mundo assista, acima de tudo que assista maratonando, acho que isso é muito importante, porque é uma série para maratonar. É uma série que tem que assistir com muita atenção, não é do tipo que dá para parar e continuar, porque é muito complexa, acontece muita coisa. Vocês têm uma expressão ótima, que é quebra-cabeça, e a série é um quebra-cabeça.
Você também está no filme “A Viagem de Pedro”, que é uma coprodução Brasil-Portugal.
Eu fiz o casting, depois a Laís veio a Portugal e fiz outro, foram vários, mas foi assim que entrei para o longa.
E sua personagem, Dona Amélia?
(Risos) A Dona Amélia é o contrário da Bárbara… Na verdade são duas mulheres muito fortes, de muita personalidade, mas enquanto a Bárbara é mais misteriosa, a Amélia é sozinha. Trabalhar com a Laís foi uma experiência maravilhosa, ela é uma mulher que presta muita atenção. Apesar de ser um filme de época, não é um típico filme de época, tem um lado feminista muito forte, e isso foi um trabalho que fizemos com ela. Quem é essa mulher [Amélia]? Ela não é só uma mulher frágil querendo seduzir D. Pedro, ela é uma mulher que com aquela idade tinha que segurar o barco. Não existem relatos dessa época, então nós cocriamos uma narrativa. A Laís não queria contar uma história que todo mundo já sabe, e isso foi muito legal. Uma turma até fez a viagem de barco da Bahia para o Rio de Janeiro para ver como era a experiência, eu, infelizmente, não pude fazer, mas filmei no barco, isso foi maravilhoso.
E quais são os próximos trabalhos?
Agora, eu tenho vários filmes estreando, uma série que vai ser lançada aqui em Portugal e vou fazer um filme com Tiago Guedes [cineasta português].
Você é feminista?
Acho que vou responder que não (risos).
Você gostaria de fazer uma novela no Brasil?
Ah, se eu tivesse essa oportunidade e se a personagem fosse interessante, sim. Eu já fiz novelas em Portugal, e são boas, mas as novelas do Brasil são muito mais legais. Até porque eu cresci vendo novelas brasileiras. Tomara que sim, porque aí eu podia voltar ao Brasil, que gostei muito.
Como você lida com as redes sociais, é ligada nisso?
Então, a minha rede era fechada, e o Bruno [Gagliasso] me disse que eu tinha que abrir, para mostrar o meu trabalho. Ele é bem ligado nas redes. E, no Brasil, eu senti que as pessoas gostam muito das redes sociais, mais do que aqui. Eu senti que as redes não funcionam apenas para mostrar o meu trabalho, o Bruno, por exemplo, se coloca politicamente, fala de vários assuntos. Então, abri a minha rede e estou começando a interagir com os fãs e a entender esse universo novo. Queria compartilhar o meu trabalho, não a minha vida, porque sou uma pessoa muito reservada.
Tem algum diretor com quem você gostaria de trabalhar?
Sim, são tantos. David Lynch, por exemplo, sou fã. Wim Wenders, de quem sou muito fã também.
E música brasileira, o que você gosta?
Gosto de muita coisa, e depois de passar pelo Brasil gostei mais ainda. Eu ouvi muito. Gosto de Chico Buarque, Elis Regina.