“Vontade de ter meu próprio balé”, afirma Ingrid Silva em estreia como coreógrafa

A jornada da bailarina Ingrid Silva é daquelas que nos enchem de orgulho. Do Rio de Janeiro para Nova York, a carioca deu seus pulos, literalmente, para conquistar espaço em tablados, palcos e até museus. Ingrid, que é atualmente a primeira bailarina da companhia americana Dance Theatre of Harlem, passou onze anos pintando os próprios calçados até conquistar sapatilhas fabricadas com a cor da sua pele e esse hábito tão singular, mas tão cheio de significados, a levou ainda mais longe – um par desse acessório está em exibição permanente no Museu Nacional de Arte Africana Smithsonian em Washington, capital dos Estados Unidos.

“Sabe aquele momento da sua vida que você está tão confortável com você mesmo que se liberta? Estou muito confortável com a pessoa que sou, muito feliz e atenta com o que represento nesses espaços. Foi um momento muito especial para mim, tive uma ótima experiência”, conta ela diretamente de seu apartamento no Harlem, onde mora há mais de 14 anos, ao relembrar o ensaio que fotografou com exclusividade para a Harper’s Bazaar de julho e que deu origem a uma capa digital. “Estou em um outro momento de maturidade da minha vida, talvez antes não tivesse me imaginado nesse cenário com toda essa visão”, explica.

O pulo da gata? Depois de anos trabalhando com alguns dos maiores coreógrafos do mundo, como Arthur Mitchell, Donald Byrd e Deborah Colker, Ingrid fará sua estreia oficial como coreógrafa no Fire Island Dance Festival, que acontece nesta sexta-feira (19.07), em Nova York. “Eu já tinha essa veia dentro de mim há muito tempo, mas por priorizar a dança, sabe quando você diz, ‘ah, agora não é o momento’? E em janeiro o meu diretor artístico na companhia, Robert Garland, resolveu criar um laboratório de criação e perguntou para nós se não queríamos criar algo para mostrar ao público”, relembra.

A partir disso, Ingrid criou uma coreografia com a ajuda de quatro bailarinos e a estreia prévia foi bem recebida pelo público. “Não imaginava que as pessoas fossem ficar tão impactadas com o que eu tinha criado”, diz com um sorriso no rosto. O resultado já podemos imaginar. Após meses dessa apresentação inicial e o projeto ficar arquivado, Ingrid seguiu com aquele gostinho de quero mais e foi encorajada a enviar o vídeo do que havia criado para a organização do Fire Island Dance Festival, um dos festivais de dança mais renomados dos Estados Unidos. “A diretora do festival assistiu e gostou. Tive o retorno de que ela queria o espetáculo no festival e eu ‘nossa!’”, conta eufórica ao relembrar do desfecho dessa curta espera pela resposta oficial.

“A minha primeira experiência como coreógrafa vai ser nos Estados Unidos, em um evento como esse, meu Deus do céu, não tô acreditando.” Com isso, começou a corrida contra o tempo para ensaios e preparativos estratégicos com os bailarinos. “Esse é um lugar novo, mas sabe quando você tem a sensação que já fez aquilo em algum outro momento da sua vida? Me sinto tão confortável, não tenho medo de criar, de puxar os bailarinos para o melhor que eles possam ser. Muito pelo contrário, estou com uma veia criativa tão forte”, conta. Essa nova skill desbloqueou nela um pensamento ainda maior: o de ter sua própria companhia de dança. “Nunca quis ter uma companhia, mas vendo os bailarinos dançarem, fico tão inspirada que dá vontade de ter meu próprio balé. Mas depois pensei: ‘dá muito trabalho, nossa, calma’. Vamos começar a criar esse primeiro, depois a gente dá qualquer outro passo”, diverte-se.

E essa coreografia de laboratório já está rendendo bons frutos para ela, que contou para Bazaar em primeira mão que irá assinar um balé para uma companhia de dança norte-americana com estreia prevista para agosto. A música clássica usada na apresentação será criada por um amigo brasileiro e Ingrid irá para o estado do Tennessee passar uma semana para se preparar para esse novo capítulo da sua vida. “Estou muito feliz pelas pessoas que me veem para além do palco. Que estão me dando essas oportunidades de estar em outros lugares que são tão próximos de mim, mas nem eu sabia que me sentiria tão confortável. Estou muito empolgada.”

Essa “Ingrid 2.0” é non-stop. Já dominou Nova York, é movida a coisas e pessoas que a inspiram, além de ser uma curiosa nata, o que a leva ainda mais longe. De olho em representatividade e de como juntos podemos ir mais longe, Ingrid criou o “Blacks in Ballet” com mais dois bailarinos na época do assassinato de George Floyd, em 2020. O projeto é uma plataforma digital onde são compartilhadas histórias de cada dançarino e sua trajetória passo a passo. “O importante pra mim é, depois de Mercedes Baptista no mundo da dança, principalmente negro, eu ocupo um cargo de uma bailarina muito conhecida e não quero só ser conhecida no palco ou fazer trabalhos que remetam a mim. Quando criamos esse projeto, a ideia era furar a bolha do balé tradicional e trazer diversidade, onde a gente mostra o pertencimento de corpos negros na dança clássica. Que é ainda é algo que a gente fala sobre, mas as pessoas ainda não associam”, conta com entusiasmo.

E a cereja do bolo de tantas novidades fica por conta de algo que a própria Ingrid fez questão de contar, por e-mail um dia depois da nossa entrevista virtual – que aconteceu, veja bem, após uma onda de calor extremo que atingiu a cidade de Nova York em cheio. A boa nova é que ela segue em turnê com o Dance Theatre of Harlem e deve se apresentar ainda este mês no Vail Dance Festival, em Vail, no Colorado, e também no Cali International Ballet Festival, na Colômbia. O melhor? “A Laura minha filha faz parte da escola do DTH e isso é uma continuação de legado, não só pra ela mais que outras Ingrids possam realizar seus sonhos.”. Recado dado!