
Île-de Ré / Foto: Divulgação
Por Cibele Maciet, de Paris
Quem conhece Paris não pode dizer que conhece a França. Como toda grande capital, Paris — com sua moda, gastronomia, patrimônio, arte e cultura mundialmente reconhecidos — é o canto mais visitado do país. Mas existem lugares tão ricos em história e beleza quanto a Cidade Luz. A Île-de-Ré é um deles. Situada na costa atlântica francesa, no departamento de Charente-Maritime, a poucos minutos de La Rochelle, ela seduz pela combinação rara de simplicidade e sofisticação. Ligada ao continente por uma ponte de quase três quilômetros, preserva uma atmosfera quase intocada: vilarejos de ruas estreitas, casas caiadas de branco e persianas verde-menta que se tornaram sua marca registrada. As salinas centenárias moldam a paisagem e mantêm viva uma tradição que atravessa gerações, enquanto ciclovias impecáveis conectam praias, bosques e portos, convidando a um turismo mais lento e sensorial. No verão, o mercado de La Flotte transforma-se num encontro animado entre produtores locais e visitantes em busca de ostras frescas, manteigas artesanais e vinhos de pequenos terroirs.
A história da ilha também merece atenção. Habitada desde a Antiguidade, a ilha foi criada por monges cistercienses no século 12, responsáveis por introduzir técnicas de salicultura que moldaram sua paisagem até hoje. Nos séculos seguintes, sua posição estratégica entre o Atlântico e La Rochelle fez dela palco de disputas militares: no século 17, o Duque de Buckingham tentou tomar a ilha; mais tarde, Vauban — o grande engenheiro militar de Luís XIV — transformou Saint-Martin-de-Ré numa fortaleza monumental, hoje classificada como Patrimônio Mundial da UNESCO. A ilha também serviu, no século 19, como ponto de passagem para prisioneiros enviados ao temido presídio da Guiana Francesa. No entanto, a partir do século 20, Ré se reinventou como refúgio luminoso para artistas, escritores e famílias parisienses em busca de uma França mais íntima, leve e conectada ao ritmo das marés.
Mas Ré não se resume ao charme bucólico: a ilha também vibra como polo cultural e gastronômico. Restaurantes à beira-mar reinterpretam a cozinha regional, galerias discretas dialogam com a luz singular do litoral atlântico, e a preservação ambiental dita o ritmo — das dunas protegidas à mobilidade essencialmente feita de bicicleta. Desconhecida da maioria dos brasileiros, esse pequeno pedaço de terra é o suprassumo do chique, sobretudo em Saint-Martin-de-Ré, coladinha ao porto. Ali está um dos mais belos hotéis da região: o Hôtel de Toiras.
Classificado como patrimônio mundial pela UNESCO, o hotel — aberto o ano todo — encarna a elegância atemporal de uma antiga residência de armador do século 17. Membro do seleto grupo Once in a Lifetime, o cinco estrelas combina refinamento e acolhimento personalizado numa atmosfera calorosa e profundamente autêntica. Seus quartos e suítes, assinados por Pierre-Yves Rochon, têm personalidades distintas inspiradas em figuras históricas e literárias. Algumas janelas se abrem para o porto animado; outras, para um jardim silencioso — duas formas igualmente encantadoras de viver a ilha: vibrante ou contemplativa.
A experiência se completa no George’s, o restaurante gastronômico do hotel, onde o chef Ronan Fillatre celebra o terroir rétais com técnica e sensibilidade. Formado ao lado de Alain Dutournier (Carré des Feuillants, Paris) e depois na La Chèvre d’Or, em Èze, Fillatre trabalha com o mar, as estações e a memória local para criar uma cozinha luminosa e sincera — especialmente durante as festas de fim de ano. Entre o jantar de Natal (€150) e o refinado Réveillon (€390), com vieiras, caviar, homard e trufas, o restaurante transforma a ilha num refúgio festivo, elegante e acolhedor.
Outro endereço de charme imperdível é a propriedade-irmã do Toiras, a Villa Clarisse, um cinco estrelas intimista no coração do vilarejo. Também integrante da coleção Once in a Lifetime, o hotel está instalado em um antigo hôtel particulier do século 18 e combina história, silêncio e elegância. São apenas nove quartos e suítes, de décor contemporâneo e refinado — também assinados por Pierre-Yves Rochon — prova de que sofisticação pode, sim, rimar com serenidade. Em 2011, a proprietária Olivia Le Calvez conduziu a renovação com sensibilidade e fidelidade à alma da ilha, transformando a Villa Clarisse em um refúgio de bem-estar cercado por jardins, luz natural e brisas do Atlântico.
O serviço é inteiramente voltado ao sur-mesure: um majordomo recebe os hóspedes à chegada, cuida das bagagens e acompanha toda a estadia; o Honesty Bar — um dos rituais mais charmosos da casa — convida cada visitante a se servir como se estivesse em sua própria sala de estar.
Mas, para quem quer fugir do burburinho e buscar algo mais pé na areia, recomendo de olhos fechados a praia de La Conche, em Les- Portes-en-Ré, no extremo sudoeste da ilha. Ali, um pequeno paraíso: areia finíssima, sol escaldante e um público seleto de idosos, jovens e crianças convivendo na mais absoluta tranquilidade — aquela sensação de estar num lugar livre, pacífico e quase secreto. E um detalhe essencial: em Ré, tudo se faz de bicicleta — ir ao mercado, comprar ostras frescas para o jantar, pedalar até a praia. Uma vida que muitos pensam não existir mais — mas que ali, felizmente, segue intacta.
A Île-de-Ré pode ser discreta, mas guarda alguns dos símbolos mais elegantes da arte de viver francesa — daqueles que fazem a viagem valer por si só.

















