Hotel Rayavadee – Foto: Divulgação

Por Jeff Ares, editor de ESG da Bazaar Man

Depois de uns dias de jet lag pesado, meu corpo vai se acalmando. Os olhos começam a enxergar os matizes, os sabores delicados das ervas se misturam à carne, os sorrisos de olhinhos fechados do povo gentil dessas terras tornam a minha aventura mais acolhedora. Escrevo aqui do meu quarto no Hotel Rayavadee, na província de Krabi, sul da Tailândia. Chove lá fora, aproveito o ensejo para escrever.

É minha quarta vez por essas paradas da Indochina. Gosto da temperatura do mar. De passar horas entrando e saindo de suas águas verde-esmeralda. De boiar olhando pra cima – tem céu e tem os penhascos de calcário, dramáticas formações que tornam as praias do Mar de Andamão tão famosas.

Foto: Divulgação

Fama que provoca imensos desafios sustentáveis. Hordas de turistas invadem o país em busca da melhor selfie. Décadas de desenfreado e desregulamentado turismo de massa fizeram muito mal ao meio ambiente, aos corais, aos animais e aos locais. Sim, eu sei, o turismo é um dos motores da economia tailandesa. Mas a que custo?

Há oito anos, na minha primeira vez por aqui, me lembro das praias craqueladas de barcos, motores, gente. Turistada na farofa, música alta, aquela farra – aqui faço um parêntesis: me perdoe, mas música alta na praia é hediondo crime.

Em Maya Bay, talvez a mais famosa praia do mundo, alçada ao estrelato por Leonardo DiCaprio e o famigerado filme “A Praia” (2000), o mar era um sem fim de gente e rastros de gente. Uma rave todo dia. Nas idílicas Phanang Beach e Railay Beach, muitos barcos ancorados, para desespero dos corais. Nas ilhotas paradisíacas da região, me lembro de ver uma quantidade escabrosa de lixo, carregado daqui prali pelas marés.

Outra coisa que me marcou nas andanças pela região foi a quantidade de passeios que exploravam elefantes. Tenho resistência a qualquer montaria de animais e sempre achei abusiva a maneira como essas majestades são exploradas, como atrações subservientes ao capricho humano. Lugar de elefante é na floresta, na mata, na savana. É onde ele quiser.

Pois lá se vai quase uma década, e cá estou eu. Dessa vez com a família – meus pais, minha irmã. Queria dividir com eles essa profunda alegria que me invade a cada nova chegada. Voltei ao Rayavadee, um hotel que me marcou, com memórias lindas de uma viagem inesquecível. Uma joia na península de Phanang, um frágil e esplendoroso bioma, mistura dos supracitados e inacreditáveis penhascos de calcário, da floresta e do mar, adornados por singulares fauna e flora.

Desde a primeira vez, o Rayavadee me chamou a atenção pela maneira muito elegante de não se impor à natureza. Cada vila se embrenha delicadamente, mantendo de pé boa parte da vegetação local. Festa para os bandos de macacos, esquilos, pássaros, lagartos e borboletas, que nos recebem muito à vontade. No elemento e na casinha deles. É da filosofia do hotel coexistir com a natureza. E, ativamente, contribuir para a sua preservação.

Para além de sugerir que você reuse toalhas (prática “sustentável” de muitos hotéis), o Rayavadee foi muito além. Fundou a Enlive Foundation, com ações ativas de proteção ao meio ambiente, como o reuso de toda a água utilizada pelo hotel, que não é lançada no mar; reciclagem e correta destinação do lixo; compostagem das sobras de alimentos; diminuição do uso de plásticos de uso único; programa de proteção das tartarugas marinhas; limpezas periódicas das praias; proteção dos mangues; conscientização da população e comércio locais em relação aos benefícios de práticas de turismo sustentável; combate à poluição sonora – você sabe, música para meus ouvidos.

Décadas de turismo de massa em Phranang Beach e Railay Beach, que banham o hotel, causaram grandes danos aos recifes de corais de ambas. Praias de areia fininha como talco, como as daqui, são indícios da matança de corais. Nesse meu retorno, uma boa surpresa: o hotel e a comunidade regulamentaram o acesso dos barcos turísticos às praias. Em Railay, eles não podem mais tomar toda a orla, mas um espaço reduzido. Em Phanang, não podem mais ancorar. Parte do grande esforço do Rayavadee para recuperar os recifes de corais do entorno da Península, que aos poucos começa a colher bons frutos – recifes replantados artificialmente já recebem renovada vida marinha.

Mesma lógica se aplica à suntuosa Maya Bay. Ali, porém, o governo tailandês despertou para uma medida mais drástica, interrompendo o acesso à praia por três anos. Adicione aí um quarto ano de fechamento por conta da pandemia. Reaberta em 1 de janeiro de 2022, Maya Bay agora recebe os barcos por um píer no lado de trás da ilha. Nada de ancorar na idílica praia. E nem nadar: policiais gastam seu fôlego apitando estridentemente para cada turista que se atreve a ultrapassar o limite dos joelhos na água. Mergulhar, nem pensar. Ainda que alguns se aventurem a desrespeitar as regras – uma moça toda emperequetada fingia cair pra fazer um clique – a maioria das pessoas se comporta. O resultado é visível a olhos nus: os tubarões, que já não nadavam mais por ali, são muitos – 161, segundo reportagem recente do Bangkok Post. O mesmo jornal diz que o número de turistas ali seria limitado a 360 por hora. A olho nu, a multidão que eu vi foi bem maior. Mas… já é um avanço.

Não existe mágica, e as mudanças são lentas, e no tempo. Mas há de se reconhecer os esforços do país e da hotelaria, especialmente a de luxo, que entende que sustentabilidade é valiosa para viajantes endinheirados, cada vez mais conscientes. Chama a atenção a orientação para que a exploração dos elefantes seja banida, como propagou Jefferson Santos, em nome da Thailand Tourism Authority, em sua fala na ILTM, prestigiada feira de turismo que aconteceu em São Paulo. De fato, não vi tantas propagandas de passeios montados em elefantes quanto das últimas vezes que estive pela Indochina. Há agora os santuários de elefantes, em que a experiência não é mais montar neles, mas ajudar a banhá-los e alimentá-los e conhecer suas histórias. Alguns são bem renomados e reconhecidamente éticos. Outros são apenas uma fachada para a manutenção da exploração. Greenwashing, também temos.

As práticas desordenadas e não-sustentáveis de turismo são sintomáticas de um povo bastante pobre, que luta para se manter em um país de grandes desigualdades. Há ricos muito ricos e há muita miséria, realidade bem similar à brasileira. Aqui no Rayavadee, uma boa iniciativa de responsabilidade social é o programa Food 4 Good, fundado pela holding Premier, grupo hoteleiro do país que fundou o Rayavadee e outros tantos hotéis e residenciais. A cada refeição vendida nos restaurantes daqui e de outras propriedades, um Baht (a moeda local) é doado para as ações de combate à insegurança alimentar.

A pobreza da Ásia é gritante, e a diferença entre os nababescos hotéis e a vida lá fora é incômoda.

Nós, viajantes, podemos – e devemos – pressionar o setor de turismo a se engajar, escolhendo hotéis que tenham claras e reais agendas de responsabilidade socioambiental. Antes de bookar aquela viagem dos sonhos, procure saber. Pergunte ao seu agente, pesquise nos sites, no Instagram de pessoas que falam sobre o assunto, pergunte a quem já foi. E, fundamentalmente, questione os hotéis. Peça para saber – e ver. Ao perguntar, pressionamos para que as práticas melhorem.

A atitude positiva de propriedades como o Rayavadee e as mudanças nas regulamentações do turismo de massa da autoridade de turismo da Tailândia são um sinal importante para o mercado global de turismo – ventos novos estão soprando desde aqui do paraíso. Exemplos importantes, que devem ressoar em outros paraísos. Que assim seja, cada vez mais.

Sawadee Ka!