Celebrando 30 anos do São Paulo Fashion Week, Catarina Mina leva à passarela o poder do artesanal como símbolo de continuidade, resistência e beleza genuína. Em conversa com a Harper’s Bazaar Brasil, Celina Hissa reflete sobre o papel transformador do design responsável, os desafios de conciliar propósito e mercado e o desejo de construir um futuro da moda mais consciente, plural e feito de encontros verdadeiros.
Harper’s Bazaar Brasil – O que significa para você participar desta edição dos 30 anos do São Paulo Fashion Week?
Celina Hissa – Significa muito. É como se a gente transformasse tudo o que faz no cotidiano, no ateliê e nos grupos de artesãs, em um grande desfile. É um condensado do que vivemos no dia a dia. E reconheço a importância do SPFW, especialmente em uma edição comemorativa. É uma alegria levar a moda e o nosso artesanato pra lá.
HBB – A Catarina Mina tem uma trajetória consistente, com uma identidade muito própria. Ao olhar para esses anos de estrada, qual você diria que foi a maior mudança que percebeu na moda brasileira — tanto no modo de criar quanto no modo de consumir?
CH – A gente tem a alegria de constatar que o mercado — tanto produtor quanto consumidor — tem olhado cada vez mais para iniciativas como a nossa, cujo centro do trabalho é o feito à mão. Isso nos deixa felizes não só por achar que estamos em um bom caminho, mas principalmente por pensar que cada iniciativa artesanal que surge nos convida, como mundo, a olhar para quem faz.
HBB – A marca é conhecida por unir propósito e estética de forma muito orgânica. Como você enxerga o papel do design responsável e das práticas artesanais no cenário atual da moda? Ainda há desafios em conciliar propósito e mercado?
CH – Sim, e não é só o desafio de unir propósito e mercado, mas tantos outros… é desafiador o processo como um todo. Mas a gente tem consciência de que realiza um trabalho consistente e resistente de aproximação entre designers e artesãos, que começa na conexão com quem faz e culmina em quem usa. Então os desafios ficam possíveis… mas é isso: todo dia acontece mil coisas, e a gente vai aprendendo a lidar, sempre exercitando a escuta, a empatia e colocando o artesão no centro do processo. Não existe artesanato sem artesão. Este ano, a Catarina Mina recebeu a certificação B, e isso pra gente foi uma grande conquista e reconhecimento do trabalho.
HBB – Falando da coleção desta edição: como foi o processo criativo? O que te inspirou e o que você gostaria que o público sentisse ao ver as peças na passarela?
CH – A Carnaúba, uma árvore tão cotidiana, veio à nossa mente a partir das viagens e desse olhar de representação de uma conexão genuína da natureza com o artesanal. A palha, tão presente em nosso estado e nos estados vizinhos, é também o que nos conecta. Este ano também fizemos nosso primeiro projeto fora do Ceará, no Rio Grande do Norte. Viajar pelo sertão, pela caatinga, ver a presença da Carnaúba nos faz lembrar que é sobre permanecer, continuar, insistir e ressignificar.
HBB – Na sua visão, o que ainda precisa mudar na moda brasileira — em termos de estrutura, valorização e representatividade?
CH – Não saberia por onde começar, pois não é apenas sobre moda, é sobre mercado. E, sim, precisamos melhorar muito em representatividade e responsabilidade. Entre tantas pautas, poderia citar a da igualdade de gênero. O mercado ainda é muito masculino, especialmente em cargos de liderança, e uma das ODS que seguimos na empresa (somos signatários do Pacto Global da ONU) é justamente a da igualdade de gênero.
HBB – Por fim, olhando para o futuro: como você imagina a moda brasileira nos próximos anos? Que caminhos acredita que precisam ser fortalecidos para que ela continue sendo criativa, ética e plural?
CH – A gente quer imaginar uma moda e um Brasil feitos à mão, com conexões reais. Acho que a pauta da economia criativa e plural é uma das mais bonitas que podemos abraçar. Moda, design, lugar e pessoas estão juntos. Não há como falar de artesanato sem saber de onde ele vem; não há como criar moda sem pensar no que aquele consumo impulsiona. O que imagino é realmente um futuro que tenha a consciência de que não há conexão sem conversa, sem troca real de conhecimento, e que não há sustentabilidade sem representatividade e igualdade social.