
Arquiteto René Fernandes | Fotos: Ruy Teixeira
Por Mateus Evangelista
Toda casa tem história. História de vida, de gente, do ir e vir, dos usos ou da falta dele. E história é o que não falta a esse apartamento de pouco mais de 400 metros quadrados no Guarujá, litoral de São Paulo, que tem projeto assinado por Jorge Zalszupin nos anos 1970 e passou por pequenas mudanças capitaneadas pelo arquiteto René Fernandes. Curiosamente, o endereço era um antigo conhecido de René. Quando menino, o arquiteto passava os verões na praia de Pitangueiras, no centro do Guarujá, e já conhecia o Albamar, nome do edifício construído em 1960, época de explosão da arquitetura modernista no Brasil. Entre as ondas do mar e a encosta de um morro, o prédio é um marco da cidade: a vista da garagem é encoberta por um muro de cobogós amarelos, típicos da época. Na entrada, discos de mármore branco são colocados em cascalho de granito preto.
A história do apartamento começa em 1972, quando Egon Harry Sternfeld, executivo da Formica, contratou
Jorge Zalszupin, um dos arquitetos mais respeitados do Brasil, para aplicar uma estética futurista à residência. O polonês, que estudou arquitetura na Romênia, ficou cativado pelos modernistas brasileiros, como Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx ,enquanto trabalhava em Paris durante o pós-guerra. Emigrou para o Brasil e, no final da década de 1950 e formou sua própria empresa, a L’Atelier, de mobiliário de formas limpas e inovadoras. Assim como nos móveis que criou, seu design de interiores sempre seguiu o caminho do surpreendente. A entrada já dá uma ideia do que virá a seguir: no hall, a cerâmica vermelha impressiona, assim como a porta-escultura de madeira escura encomendada na época a Hugo Rodriguez. Quem acharia comum essa combinação em uma casa de praia?
Entre os anos 1960 e 1970, Zalszupin usava e abusava, da melhor maneira possível, de formas e cores – o apartamento nestas páginas não deixa dúvidas de como funcionava a cabeça do arquiteto. Da porta pra dentro, é possível ouvir as ondas, contemplar o infinito e aproveitar o conforto de uma forma plena. “Minha intenção, claro, era deixar o mais original possível. Poucas mudanças foram feitas, duas delas mais significativas, como o ajuste da iluminação e a substituição de um carpete preto por um porcelanato cinza, que reproduz um cimento queimado, deixando todas as áreas mais limpas e de fácil manutenção”, explica René, que teve a ajuda da sócia Adriana Rossi no projeto. O restante do piso é o ipê original manchado de escuro.
Na sala principal, o sofá circular de alvenaria é um grande espaço para uma roda de conversa, que casa perfeitamente com a fluidez do apartamento. Além de substituir o estofado por um tipo de chenille neutro, René deixou o móvel como está. Ele se adaptou perfeitamente aos elementos já existentes e à volumetria incomum, como as estantes orgânicas. “Não existe mais essa coisa de descer e subir em uma sala, mas tem esse desenho circular orgânico, tão incrível, que era impossível mudar”, explica ele.
Quando não conseguiu reparar móveis, René os substituiu por edições contemporâneas dos originais vintage. Tanto a cozinha quanto a sala, por exemplo, contam com cadeiras laterais Poly, projetadas por Robin Day, em 1963. “Decidimos manter tudo o mais próximo possível do original, que é algo inusitado e muito moderno”, conta. A cozinha, um caso à parte. Acredite ou não, é original dos pés à cabeça e passou apenas por restauros pontuais para que se adaptasse ao novo projeto e, claro, chegasse ao mundo atual com novas funções, sem perder a forma, muito menos a cor característica. “É impressionante. Às vezes, nem eu consigo acreditar que conseguimos manter o projeto”, diverte-se. Um ganho sem precedentes, afinal, os moradores bancaram manter o pé no passado. Desta vez, a personalidade falou mais alto – ainda bem.