
Camila Salek – Foto: Divulgação
Por Camila Salek
Enfim, chegou 2024 e com ele a esperança (eterna) de um ano melhor. Este ano, trago uma reflexão que é quase um convite a um exercício mental. Que tal explorarmos esta pausa reflexiva das “festas” e olharmos para a nossa história? Mas não estou falando da história social que compartilhamos diariamente, estou falando da nossa história verdadeira, aquela que tem altos e baixos, com quedas bravas que vão bem além dos momentos de brilhantismo.
Alguns anos atrás, aconteceu uma coisa comigo que me fez conhecer e aplicar uma técnica de restauração japonesa conhecida por Kintsugi. Eu havia comprado um objeto de decoração da marca italiana Fornasetti e estava completamente apaixonada pelo meu “objeto de desejo”. Pouco tempo depois, ao repintar um dos cantinhos da minha casa, minha peça caiu e se partiu ao meio. Fiquei tão chateada com o acontecido que, na hora, pensei em tanta coisa… No simbolismo daquela peça para mim (levei três anos para me decidir por ela!), no dinheiro investido, no espaço que ocupava de destaque na sala de casa. Enfim, fiquei mal. Fiquei mal, pois também não estava numa fase tão boa no trabalho, e vivo buscando entender os sinais que o mundo (ou Deus) me enviam nesses momentos, e minha reação foi… Quebrou e tá tudo bem. Precisava passar por isso… Depois de dez minutos olhando para meu objeto quebrado, tirei uma foto e postei no Instagram dizendo algo como “toda história tem um começo e um fim. Esta acabou”. Imediatamente, comecei a receber dezenas de mensagens que me falaram sobre o Kintsugi.
Para os que não estão familiarizados, a filosofia Kintsugi aceita o imperfeito ou defeituoso, restaurando de maneira aparente rachaduras ou quebras com uma mistura de laca com pó de ouro. Num período dominado pelo consumismo desenfreado e pela obsolescência programada, a reação mais provável diante das quebras é o descarte. Contudo, essa atitude é impensável quando se entende esta filosofia inspirada no Kintsugi. É sobre entender que um objeto não termina sua utilidade no momento de dano ou ruptura. É sobre provocar o nosso olhar para o mundo com a lente da transformação. É sobre perceber que cicatrizes são únicas e repletas de história.
A filosofia do Kintsugi torna-se particularmente relevante em nossa atualidade, caracterizada por uma busca incessante pela perfeição. Enfrentamos fracassos, desilusões e perdas, mas insistimos em esconder nossa natureza frágil sob a máscara da infalibilidade e do sucesso. O LinkedIn, por exemplo, é um poço de perfeição! Não consigo nem entrar mais, pois parece que somos a primeira economia do mundo de tantos exemplos de “sucesso”.
Por mais que todo mundo diga que não, o que muitos de nós entregamos é uma imagem perfeitinha. Padrão. Precisamos dar espaço para as quebras. Para as rupturas. Para as pausas. Que em 2024, nossas linhas de fissura possam ser exibidas, contando a história das nossas superações. É este o meu desejo.
O Kintsugi para mim se tornou uma poderosa metáfora, ressaltando a importância da resistência e do amor próprio diante das oscilações imprevisíveis da vida. Em meio à volatilidade, aprender com o que se rompe em nós traz muita sabedoria. Sabedoria que nos mostra o quanto somos humanamente incapazes de atingir a perfeição. Aliás, perfeição aos olhos de quem?
Somos perfeitamente imperfeitos. E está tudo bem. É tempo de abraçarmos e valorizarmos as cicatrizes da nossa história.
Camila Salek é sócia-fundadora da Vimer Experience Merchandising integrante do grupo de empreendedoras de sucesso do programa “Winning Women Brasil” da Ernst Young e colunista da Harper’s Bazaar Brasil. Referência em varejo e visual merchandising, está por trás de evoluções significativas da experiência de consumo e do desenvolvimento do conhecimento da área, através da implementação de projetos inovadores e compartilhamento de conteúdos ministrados em aulas, palestras, treinamentos e publicações nacionais e internacionais voltadas para moda e tendência.