Por Cibele Maciet, de Paris

Olá, caro leitor da BAZAAR. Voltar do Brasil para Paris sempre me coloca nesse território híbrido onde memória, afeto e ritmo europeu se misturam como duas camadas da mesma vida. Entre desfazer malas e reencontrar a rotina, a cidade já começava a desfilar diante de mim: exposições felinas, collabs improváveis, homenagens centenárias ao Art Déco, monstrinhos de luxo na avenue Montaigne, cafés lisboetas na Opéra e pop-ups cor-de-rosa que parecem saídos de um sonho. E não só Paris: Londres abre suas portas ao design brasileiro, Bruxelas respira arte por todos os poros, Roma revela suítes que parecem cenários de cinema — e até o inverno ganha curvas quando a Pucci decide brincar com ele. No meio disso tudo, personagens extraordinários, como Vitoria Monteiro de Carvalho: historiadora da arte, correspondente da VEJA em Londres e uma daquelas pessoas cujo olhar ilumina mais do que observa. Falamos sobre cidades, arte, narrativas e sobre como viajar é, também, um gesto intelectual, uma forma de ver diferente. Entre encontros, objetos de desejo e momentos que merecem ser guardados, o mês foi intenso. Aqui estão os highlights que me fizeram parar, olhar e pensar: a beleza, quando quer, nos surpreende sem pedir licença. Conto tudo isso diretamente do Marais, na capital francesa, que chamo de casa há quase dezesseis anos. Porque, afinal, tout commence à Paris. Curieux(se)? Écris-moi: @cibelemaciet.

O reino felino de Fornasetti

Exposição “L’Heure du chat”, da Fornasetti em Milão / Foto: Divulgação

A exposição “L’Heure du Chat”, em cartaz até o dia 31 de dezembro, ocupa o último andar da Fornasetti em Milão como um pequeno templo dedicado ao mistério dos gatos. Piero Fornasetti os via como “filósofos antigos cobertos de pelo”, e Barnaba retoma essa devoção com a bênção do galerista Tommaso Calabro. Em diálogo, surgem obras de Leonor Fini e Stanislao Lepri: papéis, estudos e pinturas dos anos 1930 aos 1970, vindos da Galeria Calabro, onde o gato aparece como criatura iniciática, sensual, híbrida, às vezes mais humana do que nós. Entre uma esfinge de Fini e um pedagogo fantasmagórico de Lepri, o visitante descobre que o felino não é tema: é portal. E a mostra, que revive o espírito irreverente que Piero inaugurou em 1970 na Galleria dei Bibliofili, confirma algo simples e perfeito: o universo Fornasetti sempre teve um gato esperando na porta fornasetti.com.

Quando Yves Saint-Laurent desenha o desejo

Mauvaises Vies ?, de Marc Martin / Foto: Divulgação

Há lugares onde o pudor simplesmente não tem permissão para entrar. O vernissage de Mauvaises Vies ?, do fotógrafo Marc Martin, foi exatamente isso: uma celebração das vidas que insistem em não caber nas normas. Na Galerie Obsession, os desenhos eróticos inéditos de Yves Saint-Laurent apareceram lado a lado com obras de Jean Cocteau e Pierre Molinier, emprestadas da Collection Pierre Passebon. Entre uma vespasienne reconstruída, um boudoir de Erté e fanzines LGBTQI+ dos anos 1970, a exposição (até 10 de janeiro de 2026) ergue um espelho para o desejo e suas rotas proibidas. Marc Martin explora o erotismo como documento, política e memória, e o resultado é um território sensorial onde nada é censurado. Em tempos de discursos higiênicos, Mauvaises Vies ? devolve ao corpo sua potência indomável. E lembra que certos segredos não podem ser guardados galerie-obsession.com.

Moynat entra no universo de Kasing Lung

Collab de Moynat com o artista Kasing Lung / Foto: Divulgação

Algumas colaborações chegam como pequenos terremotos silenciosos, e a de Moynat com o artista Kasing Lung foi exatamente assim. A maison transformou sua boutique da avenue Montaigne num templo pop para celebrar The Monsters, universo criado em 2015 e hoje cultuado por colecionadores mundo afora. Entre Labubu, Zimomo e King Mon, os personagens ganharam vida sobre a toile M de Moynat: totes em três tamanhos, Mini 48h, Hobos, Mignons raríssimos, porta-cartões, charms e cofres dignos de fetiche. A sessão de autógrafos com Kasing, que cruzou a noite ao lado de nomes como Léna Mahfouf, Daphné Bürki, Takashi Murakami, Alice Moitié e Morgane Miller, parecia mais um desfile. Com vitrines assinadas por Christophe Coenon e filas de fãs na porta, Paris descobriu que a alta marroquinaria também pode brincar com mitologia nórdica, nostalgia de infância e delírio pop. No fim, não era só uma coleção: era um portal para o lado mais cute do luxo moynat.com.

Boucheron celebra 100 Anos de pura Art Déco

Diploma comemorativo da Exposição de 1925 © Arquivos Boucheron / Foto: Divulgação

Algumas épocas não passam, apenas mudam de endereço. Em 2025, cem anos depois da Exposição Internacional de 1925, a Boucheron volta a acender a faísca do Art Déco com duas grandes retrospectivas: de 4 de outubro a 4 de janeiro de 2026, no Nakanoshima Museum of Art, em Osaka, e de 22 de outubro a 26 de abril de 2026, no Musée des Arts Décoratifs, em Paris. São peças raras da coleção privada, de broches em jade gravado a sautoirs de diamantes, que revelam a modernidade radical que a Maison inaugurou no entre-guerras. Ali convivem influências da Índia, do Japão e da África, pedras cabochon e lacas profundas, além do espírito livre da garçonne, musa que redefiniu silhuetas e desejos. É como se 1925 respirasse de novo, com linhas puras, contrastes ferozes e aquela geometria que parece cortar o ar. Boucheron não revisita o passado, ela o reinscreve, lembrando que o futuro do luxo às vezes tem exatamente cem anos boucheron.com.

Caju Tulipa: do Brasil para a curadoria da Mint Gallery

Vasos da linha Caju, parte da coleção INTER(FERIR) da dua.dsg e Una Ambientes / Foto Divulgação

O design brasileiro anda fazendo aquilo que faz de melhor: atravessar fronteiras. Durante a Milan Design Week, a peça Caju Tulipa, criada pelo trio da dua.dsg com a Una Ambientes, acabou chamando a atenção da curadoria da Mint Gallery, aquela mesma, em 3–5 Duke Street, onde Londres cultiva seu gosto por peças raras, autorais e com histórias para contar. O encontro resultou em exclusividade: a Mint agora representa a peça na capital inglesa, um gesto que confirma a delicadeza, a força e a autenticidade do design feito no Brasil. Fundada por Lina Kanafani, a galeria sustenta uma estética que une inovação e consciência material — um terreno onde a Caju Tulipa se encaixa com naturalidade. Para Ále Alvarenga e sua equipe, o reconhecimento soa quase como uma viagem adiantada no tempo: aquele futuro onde o Brasil conversa de igual para igual com as grandes vitrines internacionais já chegou. E chegou moldado em barro ancestral, precisão digital e brilho metálico, uma alquimia só nossa, que Londres recebe como quem descobre um segredo precioso mintgallery.co.uk.

Tisser, Broder, Sublimer: a arte oculta da moda

Vestido Comme des Garçons, Prêt-à-porter, outono-inverno 2016, Paris Musées, Palais Galliera/ Foto: Divulgação

Em 13 de dezembro desse ano, o Palais Galliera inaugura “Tisser, broder, sublimer”, primeira parte de uma trilogia dedicada ao savoir-faire da moda do século 18 aos nossos dias. Sob a direção de Émilie Hammen e curadoria científica de Marie-Laure Gutton e Samy Jelil, mais de 350 obras, de gilets brocados do século 18 a um conjunto Balenciaga impresso a laser, mergulham no universo do ornamento: tissage, broderie, dentelle, flores artificiais. No centro do percurso, a flor, motivo eterno e mutante, conduz o olhar pelos jogos de cores, volumes e técnicas que atravessam a história. Entre uma Chantilly delicada, um camélia de Chanel e peças criadas especialmente para a exposição, o visitante descobre não só a beleza, mas o labor invisível de mestres como Lesage, Hurel, Baqué Molinié e Aurélia Leblanc. O Galliera devolve protagonismo às mãos que as criam: aquelas que, discretas, tecem a verdadeira memória da moda https palaisgalliera.paris.

Paris Photo: o grande vórtice da imagem

Claudia Andujar, Sem título – da série Rua Direita, 1970 – Cortesia da artista & Galeria Vermelho / Foto: Divulgação

Novembro trouxe de volta ao Grand Palais aquele turbilhão anual onde a fotografia deixa de ser só fotografia, e vira memória, política, poesia, tecnologia e puro atrevimento visual. De 13 a 16 de novembro de 2025, a 28ª edição da Paris Photo reuniu 220 expositores de 33 países, ampliando o repertório do olhar contemporâneo. Nas galerias, a força latino-americana apareceu com nomes como Claudia Andujar (Vermelho, São Paulo), Julio Le Parc (Vasari, Buenos Aires) e o duo Sara Facio e Alicia D’Amico (Rolf Art). No setor Voices, a curadora Devika Singh costurou paisagens que oscilam entre o Líbano pós-guerra de Daniele Genadry e as estruturas abandonadas de Persépolis captadas por Mohammad Ghazali, enquanto Nadine Wietlisbach mergulhou em vínculos familiares com obras de Rinko Kawauchi, Paul Mpagi Sepuya e Felipe Romero Beltrán. A cena emergente pulsou forte com artistas de nove países, do Brasil de Rodrigo Braga (Salon H, Paris) ao Sudão do Sul de Atong Atem (MARS, Melbourne). E, como sempre, a feira se abriu às rotas inesperadas: o setor digital, sob Nina Roehrs, tratou a imagem como matéria viva, com nomes como Kevin Abosch (TAEX) e Julieta Tarraubella (Rolf Art & Tomas Redrado Art). Entre conversas, lançamentos editoriais e exposições paralelas, Paris se tornou, por quatro dias, a capital absoluta do olhar parisphoto.com.

Bruxelas em estado de arte

Salon de RendezVous – Brussels Art Week / Foto: Divulgação

A capital belga brilhou no início de setembro com a primeira edição de RendezVous – Brussels Art Week, que ocupou a cidade com maestria. As galerias Almine Rech, Gladstone, Greta Meert, Xavier Hufkens e a brasileira Mendes Wood DM, hoje tão bruxelense quanto paulistana, transformaram a cidade num mapa vivo, onde cada quarteirão parecia conter uma confidência artística. No centro de tudo, o Salon de RendezVous, concebido por Zoe Williams na Rue de la Régence, funcionou como bar-performativo, ponto de encontro e cápsula sensorial, reunindo DJs, curadores, colecionadores e aquela fauna cosmopolita que só Bruxelas sabe atrair. Entre estúdios abertos, intervenções inesperadas e artistas como Kenny Scharf e Johanna Mirabel marcando presença, a semana deixou claro: por alguns dias, Bruxelas não apenas exibiu arte, ela a respirou rendezvousbxl.com.

La vie en rose, versão pop-up

Pop-up WE ARE ONA : Rose, c’est la vie! / Foto: Divulgação

Paris adora segredos, especialmente aqueles escondidos atrás de fachadas discretas. Durante a Art Basel, um antigo ateliê de reparo automotivo no 36 rue Chevert virou um portal sensorial: o pop-up “Rose, c’est la vie!”, criação de India Mahdavi para a plataforma gastronômica WE ARE ONA. Tudo ali parecia suspenso, paredes, mesas, aventais, num único tecido rosa criado sob medida, como se o espaço respirasse suavemente. Mahdavi transformou o lugar num manifesto: suave, feminino, luminoso, com ecos do seu trabalho mítico no Sketch London. No comando da cozinha, o chef mexicano Jesús Dúron, herdeiro do Pujol e discípulo de Alexandre Couillon, serviu menus de 6 e 8 tempos, onde frutos do mar, sazonalidade e poesia culinária dançavam lado a lado. DJs, designers, colecionadores e curiosos se misturaram entre taças e sombras rosadas. No fim, Paris provou que a vida em rosa, ao contrário do que dizem os clichês, não é um ideal, mas um estado temporário de graça weareona.co.

Um gole de Lisboa no 36 bis

Delta Coffee House Experience / Foto: Divulgação

Paris adora brincar de ser várias cidades ao mesmo tempo, e agora decidiu ser também um pedaço saboroso de Lisboa. A recém-inaugurada Delta Coffee House Experience, no 36 bis da Avenue de l’Opéra, abriu suas portas como quem instala um pequeno portal sensorial: aroma intenso de torra fresca (dos Açores a Angola), máquinas brilhando como joias industriais e a promessa de um café que carrega mais de 60 anos de história portuguesa. Do outro lado do balcão, a vizinha perfeita: Manteigaria, com seus pastéis de nata preparados à vista, celebrados pela tradicional badalada de cloche, um ritual que transforma cada fornada em microevento parisiense. Entre brunchs, cafés exclusivos de extração lenta e a espuma de nostalgia lusitana que paira no ar, a casa funciona como uma pequena embaixada do sabor. No fim, ninguém sai de lá igual: nem Paris, que ganha uma nova tentação diária, nem nós, que descobrimos que certos amores começam com manteiga, açúcar e um gole quente de café deltacoffeehouse.com.

O inverno hipnótico da Pucci

Os novos puffers da Pucci / Foto: Divulgação

O inverno ganhou novas curvas, e nenhuma delas é discreta! A Pucci apresenta sua nova campanha de puffers estampados sob a direção criativa de Camille Miceli, onde a modelo Lennon Sorrenti contracena consigo mesma, num jogo de duplos que transforma cada enquadramento em um pequeno truque de ilusão. Entre os motivos Marmo, Labirinto e Orchidée, tudo se dobra, se repete, se espelha: silhueta, cor, superfície, atitude. É o escapismo Pucci levado ao extremo, sinuoso, gráfico, irresistível. “Quando as temperaturas caem, a Pucci sobe à altura”, provoca Miceli, reafirmando que calor também pode ser luxo. Fotografada por Johnny Dufort e estilizada por Jacob K, a campanha traduz a sedução óptica da maison em modo invernal: um inverno menos sobre frio e mais sobre impacto visual. Em outras palavras: Pucci não aquece, hipnotiza! pucci.com

As suítes que fazem Roma sonhar

Signature Suítes do Oriente Express la Minerva / Foto: Divulgação

Há hotéis e há…hotéis. No mês passado, o Orient Express La Minerva, em Roma, revelou suas Signature Suites, quatro mundos paralelos concebidos por Hugo Toro como verdadeiros gabinetes de curiosidades romanas. Stendhal, com suas abóbadas frescadas e vista para o Panteão; La Minerva, um santuário suspenso dedicado à deusa; Obelisco, residência imaginária de um esteta moderno; e a monumental Orient Express Suite, 190 m² de mistério, travertino e portas secretas. Nas paredes, obras criadas especialmente por artistas como Alexander Onimus, Lucy Naughton, Studio Blaau, Ulgador e Gaultier Rimbaud-Joffard fazem o tempo oscilar entre passado e futuro. Woood laqueado, marbres Rosso Verona, firmamentos rosados pintados à mão: cada detalhe é uma pista, um enigma, um eco ferroviário transformado em arquitetura silenciosa. Em Roma, o luxo nunca foi sobre excessos, sempre foi sobre histórias. Aqui, elas continuam laminerva.orient-express.com.

L’objet du désir – a escolha que faz oh là là!

Tabi Broken Mirror Embroidery / Foto: Divulgação

Quem me conhece sabe do meu amor declarado pelo Tabi — e que quase tive um ataque quando vi que a Maison Margiela lançou uma nova peça da Tabi Collector’s Series, em edição limitada. O Tabi Broken Mirror Embroidery traz contas e lantejoulas aplicadas à mão, recriando o efeito de um espelho oxidado e fraturado, com reflexos metálicos e prateados. A técnica faz referência ao icônico Broken Mirror da maison, agora reinterpretado com mais textura e profundidade. O resultado é um Tabi que evidencia o trabalho artesanal e o rigor conceitual da marca, unindo forma, técnica e identidade. Uma peça criada para colecionadores — e para quem acompanha de perto cada evolução do design Margiela maisonmargiela.com.

O personagem extraordinaire do mês

Eu e Vitoria Monteiro de Carvalho no Marais, em Paris / Foto: Arquivo pessoal

Há pessoas cujo olhar não apenas observa, ele revela. Vitoria Monteiro de Carvalho é uma delas. A carioca, correspondente de arte da VEJA em Londres, transita entre Paris, Rio, Londres e Nova York como quem transforma cada cidade em sala de aula e cada museu em segundo lar. A conheci num café no Marais: politesse impecável, pensamento preciso, curiosidade real. Formada em História da Arte pela Northwestern University e mestre com distinção pelo Courtauld Institute of Art, ela construiu uma trajetória sólida com passagens pela Christie’s, pelo Metropolitan Museum of Art e por importantes galerias e feiras internacionais. Foi em Londres, porém, que decidiu criar algo próprio: a Voyart, agência de viagens e experiências artísticas sob medida para uma clientela brasileira A+ apaixonada por arte, patrimônio e história. A agência oferece roteiros cuidadosamente curados: museus, galerias, ateliês, feiras, coleções privadas, sempre com profundidade e propósito. Para Vitoria, arte não se vê: arte se vive. Ela cria encontros que permanecem na memória e revela cidades por meio de seus símbolos, mestres e narrativas escondidas. Essa garota ponta firme é a ponte entre quem ama arte e o universo que existe por trás de cada obra voyartexperience.com.