Dona de si e de sua arte, assim podemos definir a atriz Danielle Winits. Mãe, dançarina e intérprete de diferentes papéis – são inúmeros trabalhos na TV aberta, streaming, cinema e teatro. Ela não para e encara a vida com ela é. Desde que se entende por gente tem a arte na veia, começou cedo se formou em balé clássico aos 16 anos, mas, antes, aos 12, iniciou no teatro. Ela é flexível e enxerga o mundo como uma cena, estando sempre em cartaz.
Atualmente na peça “A Mentira”, em que faz par com o Miguel Falabella, ela se sente realizada, adora trabalhar com ele e faz questão de dizer o quanto é grata por esse trabalho em dupla. Danielle interpreta Alice, uma mulher que descobre uma traição do melhor amigo do marido [Falabella], e tem como dilema contar ou não esse fato em um jantar oferecido ao casal amigo. “Minha personagem, Alice, é casada com o personagem do Miguel Falabella, Paulo. Ela é uma mulher contemporânea, dos dias de hoje, independente, enfim, mas casada há muitos anos, não tem filhos, e na peça eles vão receber um casal de amigo para jantar.”
E esse jantar pode ser o começo de um impasse para eles, mas que, agora, existe um problema a ser compartilhado. Será que vai rolar? Bem, aí só assistindo à peça para saber, e vale a pena. O espetáculo está em cartaz em São Paulo.
Mulher forte e decidida, Danielle é amante da TV e enaltece tudo o que fez na TV Globo, assim como seus outros papéis, que não são poucos, e que nem dá para contar nos dedos. Ela também tem um aveia de humor que mostra não apenas nas telas como em sua conta no Instagram, onde aparece divertida, com filtros e destemida das críticas alheias.
Sobre o papel da mulher da sociedade, é categórica, fala diretamente sobre as experiências que teve, como o fato de ter sido casada com um homem mais novo e ter tido um filho, se separado, ter tido outro filho e seguir em frente. Tem o machismo, é claro, e sobre isso ela também é direta, acha que o machismo por parte das mulheres é tão danoso como do lado masculino. E ela está certa. “O machismo existe, também entre as mulheres, eu também sofri machismo com as mulheres nesse sentido. E provavelmente ainda sinto, porque estamos falando de uma sociedade em que a hipocrisia ainda reina”, comenta.
Leia a seguir entrevista que Bazaar fez com a atriz via Zoom.
Você sempre quis ser atriz?
Sempre, desde que me entendo por gente. Na verdade, se eu pude dissecar assim desde lá de trás, sim, porque eu comecei a fazer dança muito nova, com cinco anos. Intuitivamente eu sempre tive essa ideia de que trabalharia com as artes. Com 12 anos comecei a fazer teatro. Eu acho isso importante, e o teatro não é especificamente para quem quer seguir a carreira artística, o teatro tem uma diversidade de funções, ele é múltiplo, colabora em várias instâncias na personalidade do ser humano. Tem gente que faz teatro para perder a timidez, para ganhar uma oratória, para poder falar em público. Mas voltando a mim, as minhas brincadeiras quando criança sempre eram relacionadas a isso, à interpretação, ao lúdico, de me colocar no lugar de alguém, de imitar. Ninguém da minha família era dessa área, mas eu tinha essa veia para a arte.
Os musicais entram na sua vida quando?
Eu fiz Tablado aqui no Rio, curso que muita gente da minha geração fez, me formei no balé clássico com 16 anos. Com 14 anos eu assisti ao primeiro musical da minha vida, me apaixonei, e pensei que queria unir as duas coisas, a interpretação e a dança. Quando eu tinha 18 anos, uma pessoa que eu conhecia disse que havia sido chamada para fazer um teste para um musical, mas que não era a dela, queria fazer teatro tradicional, nada que envolvesse canto. Eu, até então, nunca tinha feito aula de canto. Mas eu já estava na TV há um ano e pouco, já havia feito a Oficina de Atores da Globo. E eu pensei que seria para mim a oportunidade desse musical, se houvesse um teste e tal, se a personagem tivesse a ver comigo. Era um musical com a Cininha de Paula, o “Band-Aid”, do Zé Rodrix. Eu fui, falei que cantava, porque eu não cantava profissionalmente, mas eu era cara de pau, e fiz o teste e deu certo. Daí então passei a me aprofundar no canto, porque dança e teatro eu já tinha, daí em diante foi a consequência de tudo.
Como surgiu o convite para a peça “A Mentira”?
Miguel Falabella me liga e diz: “Dani, vamos fazer a peça ‘A Mentira’?”, e eu: “Ai, vamos”. Quando eles estrearam a peça, antes da pandemia, eu estava em um outro projeto dele [Falabella], na Globoplay, que era a séria “Eu, a Vó e a Boi”. Eu fui ver a peça e me apaixonei pelo texto. Não pensei em um primeiro momento que pudesse fazer o trabalho, embora tenha me apaixonado e queira fazer tudo com o Miguel. Achei que o texto coloca a gente para pensar sobre várias vertentes em relação às relações afetivas, porque ele é tragicômico, né?
Fale sobre sua personagem?
Minha personagem, Alice, é casada com o personagem do Miguel Falabella, Paulo. Ela é uma mulher contemporânea, dos dias de hoje, independente, enfim, mas casada há muitos anos, não tem filhos, e na peça eles vão receber um casal de amigo para jantar. No caso ele é o melhor amigo do Paulo, personagem do Miguel, e ela passa a ser minha amiga por conta desse relacionamento dos dois. A peça fala sobre o que vai acontecer nesse jantar, porque eu havia flagrado o melhor amigo do meu marido com outra. Então é uma peça que fala sobre isso, até que ponto você omite uma circunstância? Até que ponto você entra em relação alheia? Para salvar ou cortar essa relação, ou seja, fala sobre caráter, perversidade, mas não é só sobre um flagra, a peça vai muito além. Cada vez que encenamos percebemos novas nuances e pegadas diferentes que a peça tem, caminhos que ela aborda. Não é só o contar ou não contar sobre o caso do melhor amigo. E eu não posso ir além senão vou dar spoiler, mas ela, a peça, resvala na questão do machismos, da igualdade, de direitos. Passa por toda essa trajetória.
Essa peça é um presente da vida. Estar do lado do Miguel, ele é meu professor, ele é meu mestre e de tantos, eu trabalho e estudo ao mesmo tempo com ele, é fantástica essa composição. Não é a primeira vez que eu estou no palco com ele, mas é a primeira vez que estamos mais juntos como casal, com esse embate. Eu fico feliz por ele confiar na minha entrega. É difícil traduzir em palavras o que é para mim estar contracenando e trabalhando com o Miguel.
Você fez inúmeros pais em novelas, tem algum projeto de voltar à TV?
Neste momento, não. O que tem acontecido para mim, desde agosto do ano passado, quando a coisa começou a andar, eu fiz três filmes, por incrível que pareça, eu filmei “Avassaladoras 2”, fiz “Sara, Lia e Leia”, tem um projeto que fiz para a Netflix que ainda não posso dizer o nome e tem mais um projeto para filmar. Então o cinema tem sido bem presente na minha vida, mais que a TV aberta, mais que novela, faz muito temo que eu não faço novela, tenho muita saudade, mas posso ver pelo canal Viva. A minha vida foi pautada pela televisão desde a adolescência. Tenho só boas recordações e uma gratidão profunda pelo que a TV me trouxe, embora eu tenha começado no teatro. Acho que a ausência na TV também tem a ver com o mercado que se modificou, e que abriu para tantos de nós, outras vertentes, mercados de trabalho até para pessoas que não tinham tanto essa oportunidade na televisão. Novela é um trabalho que você precisa de uma disponibilidade de tempo maior, embora elas estejam sendo encurtadas, pelo o que acompanho do mercado. E sou uma apaixonada pelo gênero e pela TV, adoro fazer. Mas eu também vou onde o trabalho está, o mais importante para mim é o exercício da minha profissão, independentemente de onde eu vá estar e onde isso vá me levar.
Que tipo de personagem ainda não fez que gostaria de fazer?
Todos que eu ainda não fiz. Mas é que já transitei por muitos perfiz na minha carreira, fiz mocinha, vilã, percorri bastantes caminhos. Eu não busco exatamente uma personagem específica, eu não vou muito por aí, eu gosto de ser surpreendida, eu acho que os personagens também escolhem os atores. Eu acho que a Alice, de “A Mentira”, me escolheu para estar ali, com esse meu momento de vida, estar no palco, com o Miguel, eu gosto da surpresa, do desafio. No “Show dos Famosos” teve muito disso para mim, porque eu faço comédia, mas eu não sou uma imitadora, e ali eu tinha que imitar alguém. E se eu dissesse que não faria isso nunca, então é porque eu tinha de fazer, me desafiar, me exercitar nesse lugar.
A comédia veio muito daí, porque sempre em um passado, quando o machismo ainda imperava muito, não que não impere hoje, a mulher era o estereótipo da mulher bonita, que se cuida, não era o “perfil” da mulher que vai fazer comédia. Então eu meio que busquei isso. Eu quis colocar o meu corpo a serviço de uma personagem, e fiz as pessoas entenderem que eu era uma atriz que também podia fazer comédia.
Você disse que buscou a comédia, mas o humor já está inserido na sua personalidade, porque você é divertida, inclusive, no seu Instagram.
Sim, acho que sempre fez parte da minha natureza, eu sempre fui a que fazia teatro para a família, a que tentava imitar outras pessoas para fazer as pessoas rirem, essa sou eu na vida, e quis automaticamente levar isso para o meu trabalho. Mas não era uma coisa que a princípio as pessoas esperavam de mim, porque olhavam mais para o meu estereótipo. Então eu decidi abrir essa vertente para mim, porque se eu não abrisse, talvez as pessoas não a enxergassem em mim.
Como você lida com as redes sociais, porque você é bem ativa no Instagram.
Eu tenho investido mais de uns tempos para cá, confesso que de alguma forma eu ainda sou analógica, mas hoje em dia eu tenho uma equipe que colabora comigo digitalmente, que me ensina, eu estou nesse lugar de aprendizado, gosto muito, acho que é um cartão de vistas fantástico, é uma liberdade que a gente tem. A rede social tem trazido pessoas e desvendado talentos, essa democracia que existe ali dentro muito me agrada, porque você rompe as expectativas do outro, porque as pessoas podem pensar que alguém traria só um tipo de conteúdo, mas traz outro, eu estou nesse processo de trazer outras coisas para a minha rede social com o meu DNA, e não apenas com as expectativa dos outros. Por querer que ela [a rede social] tenha a minha cara, eu cuido. Estou fascinada por esse universo e vou vir com novidades em breve.
Você está com 48 anos e está com uma forma impecável, como mantém o corpo?
A dança sempre fez parte da minha vida. A dança não é um exercício que eu faço e tal para manter o meu corpo, ela faz parte da minha vida, é como estudar, ler um livro. Eu acho que ela é responsável por eu me manter saudável, acho que hoje essa é a palavra que eu procuro, já tive muito mais na função da estética justamente por conta das expectativas alheias. A atividade física precisa fazer parte da minha vida por conta do meu trabalho, não porque preciso me manter em forma ou dentro de um padrão preestabelecido. Eu não preciso ser uma halterofilista ou ter a barriga trincada, graças a Deus, porque sou uma comilona também, me alimento muito bem. Eu gosto de ter prazeres alimentares, fazem parte da minha vida. Jovens, envelheçam, por favor, como já dizia Nelson Rodrigues, porque as expectativas da gente com a gente mesmo mudam também. Então o relaxamento é saudável porque, muitas vezes, a demanda [pelo corpo perfeito] é do outro, não é nem sua. Se for uma coisa sua, está tudo certo, mas, se não for, não carregue uma mochila que não é sua.
Como concilia a vida de mãe com a de artista?
Não sei (risos). Acho que equilibrando os pratinhos, sou mãe de um pré-adolescente e de uma adolescente, então as demandas são imensas nesse sentido. Eu faço o melhor que eu posso, eu acho, não é que eu não me cobre, porque há dias que chegam ao final que me pergunto como não consegui fazer tudo o que estava na minha agenda. E eu me sinto péssima com isso. Eu comecei carregando meus filhos para as coxias e para os estúdios de TV. No meu primeiro filho eu até interrompi a minha licença maternidade para poder trabalhar, mas para mim não foi um fardo, porque eu me sentia bem, e queria voltar. Eu já enxergava a maternidade de forma progressista, não tão conservadora. Eu optei por voltar a trabalhar quando ele tinha três meses, disse que precisava de um camarim, um berço e que pudesse amamentá-lo, se fosse assim, legal, tudo certo, e fui protagonizar a série “Guerra e Paz”. Foi uma questão no meu casamento isso na época, mas eu me sentia preparada para voltar a trabalhar, eu havia sido mãe e e naquele momento estava apta a voltar ao trabalho. Eu consegui conciliar isso enxergando a maternidade com uma coisa que faz parte da minha vida. Não era uma coisa como fui mãe e vou viver para isso, não, fui mãe e vou viver com isso, até porque, para oferecer o que meu filho precisavam eu tinha que trabalhar.
Você acha importante o discurso feminista nas redes sociais?
Acho fundamental. Estamos em marcha, não há como dar marcha à ré nesse sentido. Essa sua última pergunta é interessante porque ela acaba resvalando em tudo o que conversamos até aqui. Como consegui chegar onde estou sendo mulher, artista, sendo um “estereótipo” aos olhos de alguns. Acho que quase por um milagre, me sinto um milagre neste País, sendo artista, querendo exercer minha profissão, desbravar novos caminhos, ser mãe e provedora para os meus filhos, ser independente, mas esse é o meu melhor papel, ser todas as mulheres que eu posso ser e que venho aprendendo a ser ao longo do tempo. E o feminismo chega em um tempo na minha vida que converge com todas as atitudes que eu tenho tido ao longo da minha trajetória. Eu fui contra comportamentos que eram esperados, eu tive filho, me separei, tive outro filho, venho de uma família em que minha mãe teve filho quando eu já tinha vinte e poucos anos, e isso foi na época um evento, como uma mulher de 47 anos engravida? O meu exemplo feminino com a minha mãe também faz parte de ser quem eu sou, com um exemplo de que eu deveria me estabelecer com uma vida tradicional, para que eu fosse aceita e respeitada. Eu apanhei das pessoas e da mídia. O machismo existe, também entre as mulheres, eu também sofri machismo com as mulheres nesse sentido. E provavelmente ainda sinto, porque estamos falando de uma sociedade em que a hipocrisia ainda reina. O machismo acontece, e muito, através das próprias mulheres, e enquanto isso não ficar claro para todas haverá correntes que a gente ainda vai arrastando. A minha marcha nem é tanto em prol do que os homens acessem, mas, claro, o feminicídio mata, mas por parte das mulheres, que é altamente nocivo. O feminismo é mais do que necessário, ele é um fio condutor dentro da minha vida pessoal. E se eu puder, com a minha história, com a minha trajetóri, me doar nesse sentido, e colocar uma fagulha ali nesse sentido, torna-se mais do que necessário. Acho que temos de fazer isso de uma forma leve, contemporânea, de diálogo e não de monólogo, porque monólogo só no teatro.
Créditos
Fotos: Guilherme Lima.
Beleza: Lu Rech.
Styling: Samantha Szczerb.










