Day Molina – Foto: Ester Mendes

por Dayana Molina

A memória é um elemento muito forte em minhas criações. Minhas coleção permeiam o campo da pesquisa, da memória e dos afetos que me trouxeram até aqui. Percebo a nossa urgência humana em busca de nossas raízes ancestrais. Mas, a ancestralidade é sobre honrar quem veio antes. Não existe ancestralidade sem memória. Meu trabalho reflete sobre descolonizar a moda na prática. Quando busco mais de Pernambuco do que Paris, não há nada mais significativo que isso. Criei um movimento de resistência e vanguarda indígena na moda. Resgato lugares nostálgicos, tecidos afetivos, histórias reais que me inspiram. Costumo dizer que não consigo separar a ancestralidade da minha vida. Porque isso é quem eu sou e não quem escolho ser. Eu posso me tornar muitas coisas, mas indígena é a minha identidade. É impossível falar sobre ancestralidade sem visitar o passado e reverenciar os meus antigos. Ninguém se transforma em indígena. A gente pode se tornar médico, estilista, intelectual, artista, arquiteto, chef de cozinha. Eu diria que a ancestralidade é a primeira roupa que nos veste. Ela carrega códigos sobre quem somos e quem veio antes de nós. Acredito que a minha existência enquanto artista e criadora, está muito relacionada a isso. Quando me enxergo, percebo também características de minha avó materna que estão impressas em meus traços e personalidade. Minha avó dizia que todo mundo pode ser inteligente, mas a sabedoria é para poucos. Concordo plenamente. Letramento não nos isenta da ignorância; a sabedoria é sobre vivência. E isso certamente, não tem a ver com idade.

O ensino dos avós na cosmovisão indígena, é essencial na nossa existência individual e coletiva. Daniel Munduruku, escritor brasileiro, fala que os nossos pais formam os nossos corpos. Mas são os nossos avós que formam o nosso espírito. Fui criada por uma velha anciã. Acredito profundamente que o meu espírito estava sendo formado por ela enquanto eu crescia. Segui sendo aprendiz e tive a oportunidade de conviver por mais de 30 anos com minha matriarca Nana. Carrego dentro de mim a energia, força e também a o talento. Para mim, o aprendizado mais bonito herdei de minha avó. Ela me deixou a herança de uma história de coragem e a responsabilidade do legado que começou com a mãe dela, minha bisa Caetana. Ambas artesãs, costureiras, nordestinas, pernambucanas. Como não me orgulhar daquilo que sou? Eu sou o sonho materializado, as rezas e semeadura de minhas antigas. Eu, que venho de uma raiz do sertão, vi brotar esperança e vida onde disseram que não poderia existir nada. Desafiamos as circunstâncias, as geografias, os limites e possibilidades. Minha avó em diáspora nordestina, atravessou rios e desaguou em mares, de solos nordestinos para solos sudestinos. Em busca de um sonho coletivo, de ver os seus acessarem o estudo que faltou para ela. Costurando tecidos, vislumbrou um futuro melhor para sua família, um pé na máquina e outro no mundo. Uma vida inteira de profundas renúncias para enxergar horizontes mais bonitos em prol dos seus.

Day Molina – Foto: Ester Mendes

Por isso, sigo me inspirando com as inúmeras histórias contadas pela ancestralidade. Muitas dessas histórias ganharam as passarelas e tornaram-se coleções cheias da presença da vovó Nana e da bisa Caetana. Mulheres que foram exemplos para mim quando eu nem sonhava em ser estilista. Elas me inspiraram a criar a NALIMO, marca que tenho muita alegria em ter fundado e sigo empreendendo de forma única. Crio mais que roupas e estéticas interessantes, mas sobretudo uso como ferramenta decolonial na construção de uma moda mais ética, sustentável e colaborativa. Onde contribuo com a democratização da moda, construindo um mercado mais plural, diverso e inovador. Se a gente se propõe a falar de mundo novo, há de existir perspectivas neste mundo. Onde a diversidade precisa ter mais espaço e acolhimento. Nós, povos que estávamos aqui neste continente antes da colonização, permanecemos aqui. Precisamos pensar o mundo para além do dia 19 de abril e 1.500. Não estamos parados no tempo. Existem novidades na maneira como a gente se expressa hoje. O “mundo novo” a que me refiro, pode ser antigo para os não indígenas. Para nós, povos originários, tem muita coisa nova acontecendo pra gente somente agora. Existem novidades na maneira como a gente se expressa hoje também. Como um dia provavelmente, nossos antepassados não conseguiram se expressar ou fazer-se entendidos. Como um dia provavelmente, nossos antepassados não conseguiram se expressar ou fazer-se entendidos. Neste sentido, minha geração tem feito muito no tempo presente.

No entanto, não podemos falar de ancestralidade sem honrar o passado e quem veio antes. Os que abrem caminhos, pagam um preço altíssimo. As oportunidades e a construção de uma sociedade mais consciente, é uma responsabilidade coletiva. Neste sentido, minha geração tem uma contribuição importante no tempo presente. Na vida escolhi ser mais que um sussurro; uma voz que ecoa, um legado que inspira. Quando se nasce indígena, é a luta quem nos escolhe. Somos uma ferramenta em movimento de luta, defesa dos nossos direitos e dignidade social. Eu acredito que a ausência indígena em todos espaços da sociedade, precisa ser ressignificada. Precisamos nos sentir incomodados com a falta de representatividade em diferentes segmentos da sociedade. À todos aliados da causa indígena, um apelo essencial; comprometam-se com a inquietude em tornar este país cada vez mais fortalecido em nossa cultura, línguas, educação e cosmologia. Precisamos levar conosco diariamente a inquietude e o questionamento: Onde estão as pessoas indígenas nesta empresa, universidade, instituição ou organização? Quantos estão ocupando cargos de lideranças, governança? Nunca mais um Brasil, sem nós. Pindorama é indígena, Abya Yala é indígena. Somos um continente indígena cheio de diversidade originária nesta terra.

Day Molina – Foto: Ester Mendes

Dayana Molina é estilista, indígena pertencente aos povos fulni-ô e aymará, pesquisadora, fundadora do coletivo Indígenas Moda Br e empreende em sua marca NALIMO. A contribuição da ativista, segue uma lógica anticoloniale com posicionamentos inspiradores. Conheça mais Day Molina através de seu Instagram @molina.ela e sua marca @oficialnalimo www.nalimo.com.br