
Dedé Bevilaqua nos bastidores na Lisboa Fashion Week | Foto: Harper’s Bazaar
por Gilberto Júnior
No passado, você chegou a ter um ateliê e um site de vendas. HB: Como começou sua história com a moda? DB: Trabalhei como estilista antes mesmo de fazer a faculdade. Fiz parte da primeira turma do curso de Moda da Cândido Mendes. Mas a verdade é que nunca me encaixei bem no mercado. À época, a caça às coleções pelas vitrines em Londres, Paris e Milão era publicamente aceita. Ainda tenho meus caderninhos com desenhos das cópias. Decidi me mudar para São Paulo e entendi que era um sonho perdido, porque tudo funcionava da mesma maneira. Dei um tempo em Nova York para estudar e tentar voltar com uma boa ideia. Ao chegar, uma amiga artista plástica, Chiara Banfi, estava abrindo um espaço, anexo à Galeria Vermelho, na capital paulista, onde iria acontecer uma cena especial. Resolvi me aventurar.
HB: Que tipo de história queria contar? DB: Meu ateliê era uma sala enorme com rooftop e vista para o pôr do sol mais lindo da cidade. Durou cinco anos e, na sequência, lancei o basico.com, uma marca totalmente virtual. O que era uma loucura no Brasil de 2011. Durante uma década, uma turma linda contribuiu para que essa beleza fosse possível, tivemos os clientes mais contentes que eu já conheci e, ainda hoje, sinto que toda aquela energia que coloquei é sentida.
HB: Por que desistiu? DB: O basico.com foi pensado como um case, tínhamos o intuito de vender a marca (o comprador foi o grupo Malwee). No entanto, o negócio era um prazer enorme fazer e foi penoso desapegar. Mas tudo passa, e o melhor é quando deixa para trás a saudade.
HB: O que pensa sobre a indústria da moda atualmente? DB: Nunca fui muito ligada, nunca sei o nome dos estilistas, quem está na casa X. Minhas referências ficaram lá atrás, mas são os mesmos que admiro e amo até hoje: Ann Demeulemeester, Martin Margiela, Rei Kawakubo, Vivienne Westwood, Dries van Noten, Alexander McQueen, Yohji Yamamoto…
HB: Nada do momento chama a sua atenção? DB: Sinceramente? Pouca coisa me atrai, mas as antenas estão sempre ligadas. Sempre me interessei mais por lifestyle. Estou ligada nas coreanas, a bola da vez.
HB: A moda ficou para trás mesmo? DB: Não costumo caber em uma palavra, eu sou da moda também, não somente. Minha formação é nela, mas o horizonte é maior. Deixou de fazer sentido por vários motivos e acho que, quando infringe nossos princípios básicos e ideológicos, é a hora de seguir o baile, dar um rasante pelo inesperado.
HB: Foi assim que surgiu Lisboa no seu caminho? DB: Foi na verdade um “exílio político“ que acabou virando a página de uma vida, e abrindo um livro em branco à minha frente. Foi uma mudança 100%, renasci aqui e me sinto acolhida. A luz da cidade é a mais linda que existe no mundo, esse céu me faz feliz todos os dias e me inspira a viver.
HB: Em Portugal, acabou virando set designer? DB: Eu me interesso por muita coisa, adoro trabalhar, detesto título (diferente de reconhecimento)! Sou ótima dona de casa e muito criativa, nasci com essa bênção chamada bom gosto. Com essas características, autoconhecimento e experiência, o céu é o limite, se é que seja!
HB: Você chegou a assinar o set design do evento da Tania Bulhões na embaixada brasileira em Paris. Como funcionam essas parcerias? DB: Foi muito especial quando a Beltrame Europa, uma parceria querida, me convidou para esse projeto. Eu já havia me hospedado na embaixada, era familiar ao espaço, foi ótimo voltar. Tania é uma simpatia. Saí com mais amigos do que entrei dessa experiência. E é assim que me interessa trabalhar. Antes de deixar São Paulo, fiz um trabalho lindo para um desfile da Paula Raia. Ah, assim que cheguei, no ano passado, conheci o estilista português João Magalhães e participei de sua instalação na Lisboa Fashion Week, e acabei conhecendo os jovens mais lindos da cidade.
HB: Recentemente, o filme a batalha da Rua Maria Antônia, do qual faz parte, foi premiado no Festival do Rio. Qual foi a sensação? DB: Não escrevi um livro, mas participei de um filme! Vivo falando isso por aí, ainda mais agora: vencedor de melhor longa de ficção. É uma delícia incomensurável. Sou uma atriz de alma, estudei teatro na adolescência, mas a vida me levou para outras bandas. Um belo dia, bem descontente com tudo, escrevi no perfil do Instagram: atriz. Houve uma concordância em massa, as pessoas me acham engraçada, eu mudo de ideia o tempo todo e fica por isso mesmo. Porém, passei a acreditar que era verdade. Em uma brincadeira dessas, surge a diretora Vera Egito dizendo assim: “Acho que você pode ser uma das professoras do meu filme”. E essa foi uma das experiências mais incríveis da minha vida.
HB: Como é ser outra pessoa diante das câmeras? DB: Não sou atriz, porque não estudei, mas já entendi que rola uma cena de atores-não-atores, sem vícios, puros diante das câmeras, que eu posso me encaixar bem, só não me venha com textão. Tenho meus personagens e, às vezes, posto no Instagram. Adoro câmera, palco, luzes e uma queda danada pela palavra ação.
HB: Quais eram suas referências na infância e adolescência? DB: Monteiro Lobato ficou gravado feito tatuagem. Depois, Metallica, The Cure, Rolling Stones… Sempre influenciada pela minha irmã mais velha, Lud. Eu gostava de dançar e fazia jazz; e sempre tinha um número solo nas apresentações. Esse era meu rolê.
HB: Como projeta os próximos capítulos de sua vida? DB: Minha vida vai se desenrolando inesperadamente, o ano está acabando e estou cheia de projetos para realizar. Um deles é a exposição autobiográfica da Bárbara Paz, “Auto-acusação”, que estou colocando de pé aqui em Lisboa e acontecerá em março.
HB: Como dá conta de ser tantas em uma vida só? DB: Devolvo-te: como se conter em ser um só, se somos todos muitos? Moda deixou de fazer sentido por vários motivos. Quando infringe nossos princípios básicos e ideológicos, é a hora de seguir o baile.